Política
Juntos, PT e PSDB se afundam na lama de Cunha
A crise indica que os dois partidos não podem mais ter lugar de protagonismo no futuro do País


Nos meses que antecederam sua candidatura ao Palácio do Planalto, Fernando Henrique Cardoso se negava a seguir os conselhos de correligionários do PSDB e formar uma aliança com o PFL. Hoje travestido de Democratas, o partido de Antonio Carlos Magalhães e outros coronéis representava, segundo FHC, “o que há de pior na política”. Entre 1995 e 2002, o vice de FHC foi Marco Maciel, do PFL.
Por décadas, Luiz Inácio Lula da Silva liderou um PT cuja bandeira principal era a da “ética na política”. No poder, Lula viu crescer sob suas barbas um escândalo de corrupção que colocou na cadeia alguns dos principais quadros do partido e outro que vem deixando a República de cabeça para baixo.
O famigerado presidencialismo de coalizão fomentado por PSDB e PT trouxe melhoras históricas ao Brasil. Nomeadamente, a estabilização da moeda com o controle da hiperinflação e uma significativa queda na pobreza que retirou o País do Mapa da Fome. Ao mesmo tempo, no entanto, esta forma de governar deu ao Brasil um sistema político que representa o que há de pior na política, é extremamente antiético e tenta continuar existindo às custas da própria população.
Nada é mais simbólico desta situação do que a corte que governo e oposição, PT e PSDB, fazem para atrair o apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
É difícil exagerar as acusações contra Cunha. Ele é investigado pela Comissão de Valores Mobiliários por prejudicar um fundo de pensão de funcionários públicos do Rio de Janeiro; foi citado como beneficiário de propinas milionárias por cinco delatores da Operação Lava Jato; mentiu na CPI da Petrobras; tem contas na Suíça que foram usadas por sua mulher; foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção e lavagem de dinheiro e pode, a qualquer momento, virar réu.
A “capivara” do presidente da Câmara não é uma novidade. Ainda em 2014, o ex-ministro Ciro Gomes fez um diagnóstico pouco afável do peemedebista. “Esse cara deve ser, entre mil picaretas, o picareta-mor”.
Ainda assim, a oposição ajudou Cunha a se tornar presidente da Câmara e o saudou por meses de olho na possibilidade de que o deputado fosse o artífice do impeachment, um golpismo vislumbrado pelos tucanos como forma de remediar seu fracasso eleitoral. Agora, mesmo diante da exposição dos escândalos de Cunha, parte da sigla adota o que o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) chamou de “ética seletiva”. Um único tucano assinou a representação contra Cunha no Conselho de Ética, e alguns oposicionistas estão quase pedindo desculpas pela nota em que sugeriam o afastamento do presidente da Câmara.
O repentino respeito do PT por Cunha, ensejado nesta semana pelas liminares do Supremo Tribunal Federal que abalaram o ímpeto do impeachment, deve horrorizar os filiados mais sensatos. Cunha se fez, e se locupletou segundo os delatores, em meio a esquemas do qual petistas também se beneficiaram, tanto no caso do “mensalão” quanto nas investigações da Lava Jato.
Se de fato Cunha tinha a “palavra final” nas nomeações da diretoria Internacional da Petrobras, como afirmou um dos denunciantes, era porque o governo petista o bancava. É simbólico e constrangedor que Lula esteja neste momento em Brasília, segundo consta, em uma tentativa de salvar Cunha para salvar Dilma. É difícil imaginar um ponto mais baixo na história do partido – e contraditório, uma vez que 32 parlamentares assinaram a representação contra o peemedebista.
Num vale tudo político, PSDB e PT buscam o poder pelo poder. O primeiro, numa empreitada irresponsável para derrubar o governo eleito, e o segundo na tentativa de escapar da derrubada, o que é menos pior, mas nem tanto, diante da falta de projeto e visão do governo.
Para trás, PSDB e PT deixam qualquer expectativa de que os dois possam ser, ou mesmo integrar, eventuais tentativas de tornar o sistema político brasileiro mais legítimo sob os olhares da população. O regime que criaram, um depois do outro, entre 1995 e 2012, foi duramente golpeado em junho de 2013, mas ainda tenta respirar, e rouba o ar, e o que resta de dignidade, das duas legendas.
O mais preocupante é que não desponta no horizonte uma contestação viável ao que está posto. O que sobra em integridade ao PSOL, em especial a sua bancada na Câmara, falta em habilidade política. Ciro Gomes, agora no PDT, faz de forma perfeita o diagnóstico dos problemas do presidencialismo brasileiro, mas não se sabe qual a possibilidade de ele liderar um governo que não aderisse ao sistema. E Marina Silva, que finalmente conseguiu tirar a Rede do papel, sofre para formatar a ideia da “nova política”, lançada, mas nunca vista. Enquanto isso, o País segue à deriva.
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