Política

José Serra na avenida?

As articulações políticas ficam em suspenso, à espera da decisão do tucano, que deve ser o candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo

A vontade de José Serra desagradou a maioria dos tucanos. Foto: Filipe Araújo/AE
Apoie Siga-nos no

O carnaval não parece a data apropriada. O costume está mais para uma longa procissão, um Círio de Nazaré no qual os fieis, ensopados de suor, esperam o momento do milagre. Desde a derrota para Lula em 2002, o tucano José Serra encena o mesmo ritual, para deleite de uma parte da plateia e tédio de outra. Diz que não pretende ser candidato, é acometido por dúvidas cruéis nos momentos finais da decisão e, por fim, imbuído do espírito partidário, atende ao “chamamento público”, mesmo quando este não é audível. Foi assim na disputa vitoriosa à prefeitura em 2004, na campanha igualmente bem-sucedida ao governo de São Paulo em 2006, depois da tentativa frustrada de tirar Geraldo Alckmin da corrida presidencial daquele ano, e na derrota para Dilma Rousseff em 2010. E parece que será assim novamente. As prévias para escolher o nome do PSDB estão marcadas para 3 de março.

Após resistir a todos os assédios e negar como São Pedro a intenção de concorrer ao cargo de prefeito da capital paulista, Serra volta a frequentar o noticiário. Para alguns, ele estaria no ponto de reconsiderar sua decisão anterior. Sem uma boia na qual se agarrar e diante de uma prévia desinteressante para escolher um candidato insosso e possivelmente perdedor, o PSDB recobrou o ânimo. Em notas, deputados estaduais defenderam a candidatura Serra. Correligionários do ex-governador fizeram pronunciamentos no mesmo sentido e a mídia tucana, que andava de farol baixo, deixou escapar um facho de excitação.

Segundo as informações de bastidores, uma prova da disposição de Serra em competir seria o fato de ele ter encomendado pesquisas qualitativas para saber de suas reais chances. De acordo com as mesmas fontes, os resultados teriam sido animadores, apesar do alto índice de rejeição apontado em sondagens anteriores: 35% na medição do Datafolha de dezembro último. Praticamente o dobro da atual intenção de voto, de 18%.

A possibilidade de Serra entrar na avenida levanta várias dúvidas. A primeira: o que significaria disputar a prefeitura paulistana para suas ambições políticas? Teria, em um átimo de realismo, desistido? O tucano não parecia até agora disposto a abrir mão do sonho de disputar a Presidência. Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à revista The Economist, afirmou que o momento era de Aécio Neves, Serra disparou em privado impropérios contra o líder maior da legenda. Também teria definido Aécio como um “balão sem gás”.

Concorrer em 2012 significaria, sob qualquer hipótese, dar adeus ao sonho. Se perder a eleição municipal, não haverá outra saída senão a aposentadoria compulsória. Se vencer, não se sabe como conseguiria convencer a população paulistana (e brasileira) a aceitar de bom grado um novo abandono do posto. Em 2006, Serra deixou a prefeitura para se candidatar ao governo estadual, apesar de ter prometido em documento registrado em cartório que concluiria o mandato. O tema certamente seria explorado na campanha deste ano por todos os adversários. E como Serra se defenderia? Juraria aos pés de Nossa Senhora Aparecida, de quem se tornou muito íntimo nas últimas eleições presidenciais?

A eventual candidatura do tucano mudaria, sem dúvida, a configuração eleitoral em São Paulo. Imporia, de início, uma amarga derrota ao PT. Por influência de Lula, os petistas toparam uma aliança com o PSD de Gilberto Kassab. Aceitaram inclusive assumir o ônus da má avaliação do prefeito, peso que na verdade caberia ao próprio Serra, seu mentor político.

Fiel, Kassab apoiaria Serra e causaria um constrangimento ao PT, cuja autoridade para criticar a administração do pessedista estaria comprometida após meses de namoro explícito. Os petistas, além do mais, seriam obrigados a rever sua estratégia para tentar tirar rapidamente o ex-ministro Fernando Haddad do limbo dos 3% de intenções de voto. Embora Haddad e outros petistas tentam minimizar, sem o apoio de Kassab a disputa ficará muito mais difícil.

O atual prefeito de São Paulo diz que seria natural ficar ao lado de Serra se este sair candidato. E até Kassab anda na dúvida. Há uma semana, ele diria ser zero a chance de o amigo concorrer. Hoje, arrisca um porcentual de 10%. “Os próprios petistas não iam querer um Judas no palanque. Fui eu mesmo que chamei o governo de Ser-ra/Kassab”, argumenta.

O PT e o PSD estarão sobre o mesmo palanque em ao menos oito cidades com mais de 150 mil eleitores neste ano, e negociam em outras seis. No estado de São Paulo, o PSD apoia pré-candidatos petistas em Santo André, São Bernardo, Diadema, Guarulhos, Mauá, Carapicuíba e Ribeirão Preto, para citar algumas cidades grandes. A legenda de Kassab tampouco integra a oposição ao governo Dilma Rousseff. Fazer ou não fazer uma aliança também na capital paulista não é exatamente um grande dilema para quem se uniu em tantas partes. “Na cidade grande não pode? É uma aliança envergonhada, que não pode ser mostrada na capital? Isso não faz sentido”, opina um petista.

No caso de Serra não disputar, o desafio para o PT seria andar no fio da navalha durante a campanha para estar ao lado de Kassab e ao mesmo tempo fazer críticas à administração da cidade, para não ser incoerente – ou ao menos não tão incoerente. O peso eleitoral do prefeito como aliado ainda é uma incógnita. Segundo pesquisas de janeiro, 46% dos paulistanos não votariam em um candidato apoiado por Kassab. Mas para 37% o apoio seria indiferente, o que corrobora a tese dos que trabalham por um acordo: não ter a máquina da prefeitura voltada contra o PT seria por si só vantajoso. E talvez o prefeito fosse capaz de quebrar a resistência ao partido entre os 44% de eleitores que sempre rejeitam os petistas.

Historicamente, o teto de votos do PT em São Paulo é estimado em 30%. A legenda ganhou na capital duas vezes, em circunstâncias consideradas excepcionais. A primeira delas foi com Luiza Erundina, em 1988, quando não havia segundo turno. Erundina obteve 33% dos votos válidos. Além de estar dentro do teto, a hoje deputada federal do PSB, como outros candidatos petistas naquele ano, foi turbinada pela repressão do Exército à greve em Volta Redonda, onde morreram três operários. Marta Suplicy, em 2000, ganhou contra Paulo Maluf com mais de 58% dos votos válidos, mas contou com apoios importantes para convencer a parcela conservadora do eleitorado paulistano: os tucanos Mário Covas, meses antes de falecer, e Alckmin e Serra. Além disso, Maluf carregava nas costas o vergonhoso desempenho de seu afilhado Celso Pitta.

Os petistas contrários à aliança com Kassab acreditam ter sido uma estratégia equivocada aceitar o apoio do mesmo Maluf em 2004, quando Marta Suplicy não se reelegeu. O desgaste foi maior do que o ganho: a ampla maioria dos eleitores de Maluf no primeiro turno preferiu Serra no segundo. Agora, a senadora, obrigada a abrir mão de uma nova candidatura à prefeitura, fez questão de mostrar seu descontentamento com a possibilidade de dividir o palanque com o atual prefeito, que a derrotou em 2008. “Como posso, neste momento, me integrar à campanha do Haddad se corro o risco, de uma hora para outra, de me ver de mãos dadas com o Kassab?”, publicou no Twitter.

A senadora não compareceu ao convescote petista que tentou celebrar a aliança (houve vaias da militância a Kassab), mas a rejeição ao prefeito é minoria na cúpula do partido. Sabe-se que o acordo não conta com a simpatia do presidente da legenda, Rui Falcão, integrante do grupo da senadora. Entre os entusiastas da dobradinha estão o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, o presidente estadual do partido, Edinho Silva, e o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, que sairá à reeleição em uma coligação com o PSD e mira o governo estadual em 2014. Além, é claro, do entusiasmo do maior cabo eleitoral de todos, Lula.

Para driblar a resistência dos eleitores e da militância, Lula articula a indicação de Henrique Meirelles, filiado ao PSD, para a vaga de vice de Haddad. Kassab sugerira para o posto seu secretário da Educação, Alexandre Schneider, rejeitado pelos petistas porque, sendo Haddad ex-ministro na mesma área, a chapa correria o risco de ficar anódina, “pão com pão”, no dizer de um dirigente do PT. Meirelles tem dito não estar disposto a aceitar a vice, mas “Lula ainda não falou com ele”, informa o mesmo petista. Na visão do ex-presidente, Meirelles seria o “José Alencar” de Haddad, capaz de espantar a antipatia de setores conservadores em relação ao ex-ministro.

Quanto a Serra, vale o vaticínio de Kassab: “Uma definição tardia é uma definição derrotada”.

*Colaborou Cynara Menezes

O carnaval não parece a data apropriada. O costume está mais para uma longa procissão, um Círio de Nazaré no qual os fieis, ensopados de suor, esperam o momento do milagre. Desde a derrota para Lula em 2002, o tucano José Serra encena o mesmo ritual, para deleite de uma parte da plateia e tédio de outra. Diz que não pretende ser candidato, é acometido por dúvidas cruéis nos momentos finais da decisão e, por fim, imbuído do espírito partidário, atende ao “chamamento público”, mesmo quando este não é audível. Foi assim na disputa vitoriosa à prefeitura em 2004, na campanha igualmente bem-sucedida ao governo de São Paulo em 2006, depois da tentativa frustrada de tirar Geraldo Alckmin da corrida presidencial daquele ano, e na derrota para Dilma Rousseff em 2010. E parece que será assim novamente. As prévias para escolher o nome do PSDB estão marcadas para 3 de março.

Após resistir a todos os assédios e negar como São Pedro a intenção de concorrer ao cargo de prefeito da capital paulista, Serra volta a frequentar o noticiário. Para alguns, ele estaria no ponto de reconsiderar sua decisão anterior. Sem uma boia na qual se agarrar e diante de uma prévia desinteressante para escolher um candidato insosso e possivelmente perdedor, o PSDB recobrou o ânimo. Em notas, deputados estaduais defenderam a candidatura Serra. Correligionários do ex-governador fizeram pronunciamentos no mesmo sentido e a mídia tucana, que andava de farol baixo, deixou escapar um facho de excitação.

Segundo as informações de bastidores, uma prova da disposição de Serra em competir seria o fato de ele ter encomendado pesquisas qualitativas para saber de suas reais chances. De acordo com as mesmas fontes, os resultados teriam sido animadores, apesar do alto índice de rejeição apontado em sondagens anteriores: 35% na medição do Datafolha de dezembro último. Praticamente o dobro da atual intenção de voto, de 18%.

A possibilidade de Serra entrar na avenida levanta várias dúvidas. A primeira: o que significaria disputar a prefeitura paulistana para suas ambições políticas? Teria, em um átimo de realismo, desistido? O tucano não parecia até agora disposto a abrir mão do sonho de disputar a Presidência. Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à revista The Economist, afirmou que o momento era de Aécio Neves, Serra disparou em privado impropérios contra o líder maior da legenda. Também teria definido Aécio como um “balão sem gás”.

Concorrer em 2012 significaria, sob qualquer hipótese, dar adeus ao sonho. Se perder a eleição municipal, não haverá outra saída senão a aposentadoria compulsória. Se vencer, não se sabe como conseguiria convencer a população paulistana (e brasileira) a aceitar de bom grado um novo abandono do posto. Em 2006, Serra deixou a prefeitura para se candidatar ao governo estadual, apesar de ter prometido em documento registrado em cartório que concluiria o mandato. O tema certamente seria explorado na campanha deste ano por todos os adversários. E como Serra se defenderia? Juraria aos pés de Nossa Senhora Aparecida, de quem se tornou muito íntimo nas últimas eleições presidenciais?

A eventual candidatura do tucano mudaria, sem dúvida, a configuração eleitoral em São Paulo. Imporia, de início, uma amarga derrota ao PT. Por influência de Lula, os petistas toparam uma aliança com o PSD de Gilberto Kassab. Aceitaram inclusive assumir o ônus da má avaliação do prefeito, peso que na verdade caberia ao próprio Serra, seu mentor político.

Fiel, Kassab apoiaria Serra e causaria um constrangimento ao PT, cuja autoridade para criticar a administração do pessedista estaria comprometida após meses de namoro explícito. Os petistas, além do mais, seriam obrigados a rever sua estratégia para tentar tirar rapidamente o ex-ministro Fernando Haddad do limbo dos 3% de intenções de voto. Embora Haddad e outros petistas tentam minimizar, sem o apoio de Kassab a disputa ficará muito mais difícil.

O atual prefeito de São Paulo diz que seria natural ficar ao lado de Serra se este sair candidato. E até Kassab anda na dúvida. Há uma semana, ele diria ser zero a chance de o amigo concorrer. Hoje, arrisca um porcentual de 10%. “Os próprios petistas não iam querer um Judas no palanque. Fui eu mesmo que chamei o governo de Ser-ra/Kassab”, argumenta.

O PT e o PSD estarão sobre o mesmo palanque em ao menos oito cidades com mais de 150 mil eleitores neste ano, e negociam em outras seis. No estado de São Paulo, o PSD apoia pré-candidatos petistas em Santo André, São Bernardo, Diadema, Guarulhos, Mauá, Carapicuíba e Ribeirão Preto, para citar algumas cidades grandes. A legenda de Kassab tampouco integra a oposição ao governo Dilma Rousseff. Fazer ou não fazer uma aliança também na capital paulista não é exatamente um grande dilema para quem se uniu em tantas partes. “Na cidade grande não pode? É uma aliança envergonhada, que não pode ser mostrada na capital? Isso não faz sentido”, opina um petista.

No caso de Serra não disputar, o desafio para o PT seria andar no fio da navalha durante a campanha para estar ao lado de Kassab e ao mesmo tempo fazer críticas à administração da cidade, para não ser incoerente – ou ao menos não tão incoerente. O peso eleitoral do prefeito como aliado ainda é uma incógnita. Segundo pesquisas de janeiro, 46% dos paulistanos não votariam em um candidato apoiado por Kassab. Mas para 37% o apoio seria indiferente, o que corrobora a tese dos que trabalham por um acordo: não ter a máquina da prefeitura voltada contra o PT seria por si só vantajoso. E talvez o prefeito fosse capaz de quebrar a resistência ao partido entre os 44% de eleitores que sempre rejeitam os petistas.

Historicamente, o teto de votos do PT em São Paulo é estimado em 30%. A legenda ganhou na capital duas vezes, em circunstâncias consideradas excepcionais. A primeira delas foi com Luiza Erundina, em 1988, quando não havia segundo turno. Erundina obteve 33% dos votos válidos. Além de estar dentro do teto, a hoje deputada federal do PSB, como outros candidatos petistas naquele ano, foi turbinada pela repressão do Exército à greve em Volta Redonda, onde morreram três operários. Marta Suplicy, em 2000, ganhou contra Paulo Maluf com mais de 58% dos votos válidos, mas contou com apoios importantes para convencer a parcela conservadora do eleitorado paulistano: os tucanos Mário Covas, meses antes de falecer, e Alckmin e Serra. Além disso, Maluf carregava nas costas o vergonhoso desempenho de seu afilhado Celso Pitta.

Os petistas contrários à aliança com Kassab acreditam ter sido uma estratégia equivocada aceitar o apoio do mesmo Maluf em 2004, quando Marta Suplicy não se reelegeu. O desgaste foi maior do que o ganho: a ampla maioria dos eleitores de Maluf no primeiro turno preferiu Serra no segundo. Agora, a senadora, obrigada a abrir mão de uma nova candidatura à prefeitura, fez questão de mostrar seu descontentamento com a possibilidade de dividir o palanque com o atual prefeito, que a derrotou em 2008. “Como posso, neste momento, me integrar à campanha do Haddad se corro o risco, de uma hora para outra, de me ver de mãos dadas com o Kassab?”, publicou no Twitter.

A senadora não compareceu ao convescote petista que tentou celebrar a aliança (houve vaias da militância a Kassab), mas a rejeição ao prefeito é minoria na cúpula do partido. Sabe-se que o acordo não conta com a simpatia do presidente da legenda, Rui Falcão, integrante do grupo da senadora. Entre os entusiastas da dobradinha estão o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, o presidente estadual do partido, Edinho Silva, e o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, que sairá à reeleição em uma coligação com o PSD e mira o governo estadual em 2014. Além, é claro, do entusiasmo do maior cabo eleitoral de todos, Lula.

Para driblar a resistência dos eleitores e da militância, Lula articula a indicação de Henrique Meirelles, filiado ao PSD, para a vaga de vice de Haddad. Kassab sugerira para o posto seu secretário da Educação, Alexandre Schneider, rejeitado pelos petistas porque, sendo Haddad ex-ministro na mesma área, a chapa correria o risco de ficar anódina, “pão com pão”, no dizer de um dirigente do PT. Meirelles tem dito não estar disposto a aceitar a vice, mas “Lula ainda não falou com ele”, informa o mesmo petista. Na visão do ex-presidente, Meirelles seria o “José Alencar” de Haddad, capaz de espantar a antipatia de setores conservadores em relação ao ex-ministro.

Quanto a Serra, vale o vaticínio de Kassab: “Uma definição tardia é uma definição derrotada”.

*Colaborou Cynara Menezes

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo