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Jornal francês chama Skaf de “oportunista” e “porta-voz de Bolsonaro”

Le Monde compara o político e empresário brasileiro a Sílvio Berlusconi

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e Paulo Skaf; Foto: PR
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Com o título “Paulo Skaf: o ambicioso chefe dos chefes do estado de São Paulo”, o correspondente do jornal Le Monde, Bruno Meyerfeld, traça um apimentado retrato entre ironia e precisão cirúrgica do “poderoso chefão” da Fiesp, em sua edição desta terça-feira 21.

Bruno Meyerfeld, correspondente do Le Monde na capital paulista, resume na abertura da matéria o que seria o “sonho” de Paulo Skaf: “tornar-se governador do estado mais rico do Brasil, com o apoio de Jair Bolsonaro”. “Para isso, ele abre ao presidente seu rico catálogo de endereços e as portas da indústria paulista”, explica Meyerfeld aos leitores franceses, agora e cada vez mais acostumados a encontrarem nas páginas do diário francês matérias pinceladas com esmero sobre os curiosos bastidores da política brasileira.

“Crises econômicas, no entanto, esse homem já viu muitas”, resume o jornal, para quem Skaf seria o chefe imbatível da Fiesp desde 2004, um “gigante destrambelhado [escogriffe, em francês] de 64 anos com um nariz aquilino longo que domina sua megalópole como uma águia de seu ninho, situada no 14º andar da sede da instituição: uma pirâmide maia de concreto e vidro, localizada na Paulista, nesta 5ª avenida do Brasil, onde bancos, museus e locais de poder estão alinhados”.

Os detalhes da descrição do personagem de Paulo Skaf no Le Monde incluem também, é claro, sua importância na economia do país:  “ele representa os interesses de 130.000 indústrias e 131 sindicatos na região, o coração econômico da América Latina, com população igual à da Argentina, rica como a Irlanda ou Israel, sozinha, gerando um terço do PIB e da produção industrial do Brasil”.

Ares de um “Berlusconi Tropical”

O corresponde do vespertino francês destila seu melhor sarcasmo para pincelar os humores do chefão da Fiesp. “Em meados de março, a situação é grave, mas seduzir é com ele mesmo”, diz Meyerfeld. “Com seu sorriso brilhante e implantes de cabelo, ele às vezes se parece com um Berlusconi tropical. Para o jornalista francês, vale tudo: dar tapinhas nas costas, chocolates, croissants, chá verde ‘especial’ com gengibre, uniforme esportivo de presente… às vezes ele é quase embaraçoso ao tentar fazer você se sentir confortável demais”, admite o correspondente do Le Monde.

O novo objetivo de Skaf? Para o jornal, a foto de Jair Bolsonaro sobre a mesa do big boss não deixa dúvidas:  “é para quem o ‘chefão’ estende o tapete vermelho há dois anos e abre sua agenda de contatos”. “No ano passado, o presidente o decorou com a Ordem do Mérito Industrial, e depois criou um ‘Conselho Superior’ para ele, reunindo 50 dos principais “chefes” do país. Em 2019, a Fiesp recebeu visitas de 10 ministros e 14 secretários de Estado em 40 ocasiões diferentes, tornando-se, segundo os críticos, uma verdadeira base avançada da extrema direita em São Paulo”, escreve Meyerfeld.

Le Monde cita Skaf: “Esta casa apoia o governo porque sua agenda é nossa! Nossa visão de mundo é liberal e a palavra-chave é adaptação”, assume o ‘chefe dos chefes’, que afirma ter ‘muito boas relações institucionais, mas não íntimas’ com o presidente da extrema direita”.

O correspondente em São Paulo sublinha o agradecimento público de Jair Bolsonaro em fevereiro: “Paulo Skaf já conseguiu um emprego no meu governo: o de porta-voz”, disse, na ocasião, o presidente brasileiro.

Sarcasmo à la française

E, para justificar o fato de que Bolsonaro “não entende nada” sobre economia, continua Le Monde, Paulo Skaf tem o seguinte argumento para a ignorância econômica do presidente brasileiro: “Um presidente é generalista. Ele não pode saber tudo sobre tudo!”. O sarcasmo cordial à la française do jornalista continua no parágrafo seguinte: “Uma pena que Bolsonaro, que estava com Covid, com quem almoçou em 3 de julho, possa ter lhe transmitido a doença”: “Paulo Skaf, com resultado positivo para o coronavírus, foi liberado em 18 de julho do hospital, depois de ter sido internado cinco dias após a piora de sua condição”.

Na sequência, Meyerfeld detalha as origens do chefe da Fiesp: “Nascido em 1955, esse filho de imigrantes libaneses herdou a modesta oficina de roupas de família, localizada em Pindamonhangaba, a 150 quilômetros de São Paulo. Nos anos 90, ele liquidou o negócio, comprou ações no setor imobiliário e se dedicou à sua verdadeira paixão: a política”, resume.

Le Monde não se esqueceu também do apoio anterior do empresário ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando este teria adotado uma linha “social-liberal”, “apoiando a eleição e depois a ação no poder do presidente-trabalhador Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT)”. “O chefe da Fiesp, que nunca abre um livro, fala uma linguagem popular acessível e encanta os pequenos empresários, que já o reelegeram quatro vezes”, lembra o diário francês.

Mas, para o Le Monde, “no final, é na oposição que Skaf se sai melhor”. “Lá, ele emprega todo o seu gênio da comunicação”, afirma o vespertino explicando aos franceses que, “em 2015, sentindo a mudança da maré, ele virou para o campo oposto e se tornou uma das principais figuras da oposição ao PT”. “Para protestar contra o aumento de impostos, tinha um enorme patinho amarelo inflável de 20 metros de altura instalado no meio da Avenida Paulista, adornado com o slogan ‘Não pagarei o pato’. O pássaro se tornou o mascote dos oponentes do governo”, decifra Le Monde.

Um “oportunista”

“Naquela época, Skaf também tinha uma enorme bandeira brasileira projetada na fachada da Fiesp, em apoio aos manifestantes que exigiam a saída da presidente Dilma Rousseff, deposta em 2016”, lembra o jornal francês. “Atacado pela esquerda, ele foi apoiado por um deputado obscuro de extrema direita, com um grande futuro: Jair Bolsonaro. ‘Ele então me defendeu com grande coragem e rigor. Foi assim que nos conhecemos’, lembra Paulo Skaf, que apoiará o líder de extrema direita desde o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018”, escreve o jornal francês.

Para contrapor as declarações do chefe da Fiesp, o correspondente entrevistou Juliana Souza, professora de história econômica da Universidade de São Paulo (USP): “A Fiesp sempre foi a favor de regimes autoritários e conservadores”, lembra ela. “Seus líderes eram fascinados pelo fascismo italiano, depois apoiaram a ditadura militar e sempre se opuseram a todos os principais avanços sociais, mesmo os mais essenciais, como a luta contra o trabalho infantil ou férias remuneradas”, diz Souza ao Le Monde.

Outro entrevistado pelo vespertino francês, o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira observa que “Skaf se tornou um oportunista, um político puro. Ele fez da Fiesp uma plataforma a seu serviço. A defesa da indústria brasileira ficou em segundo plano. Sua participação no PIB caiu de quase 50% na década de 1980 para apenas 20% hoje”, diagnostica. “Embraer, Petrobras, Vale, todos os seus carros-chefe estão em crise, com dívidas e atolados em escândalos financeiros ou ecológicos, incapazes de enfrentar a tempestade do coronavírus”, publica Le Monde.

“Teimoso”

Segundo o jornal, “teimoso, Paulo Skaf conta com o total apoio de Jair Bolsonaro para conquistar em 2022, o Palácio dos Bandeirantes, residência dos governadores de São Paulo. A tarefa não será fácil: considerado duvidoso e corrupto, Skaf não é apreciado por ativistas de extrema direita”.

“Acima de tudo, Skaf tem pela primeira vez uma oposição organizada contra ele dentro da própria Fiesp”, disseca Le Monde, citando José Ricardo Roriz Coelho, 61, chefe do sindicato do plástico (Abiplast) e opositor declarado a Paulo Skaf: “Uma entidade empresarial que se preze não pode ser usada como brinquedo, não pode ser manipulada por políticos”.

Meyerfeld finaliza o texto dizendo que “as facas estão se afiando em antecipação a esta amarga batalha pelo controle da federação das indústrias”. “Do alto de sua pirâmide de concreto, Paulo Skaf contempla o futuro campo de batalha, pronto para a briga”, publica o jornal. “Eu tenho vontade de servir. Eu amo servir! Eu gosto de pessoas”: cita Le Monde, em uma ironia final.

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