Política

Jogo de empurra de concessionárias ameaça bancos públicos

Quebradas e sem crédito, empresas que assumiram estradas e aeroportos devem mais de 6,7 bilhões ao BNDES

(Foto: Divulgação/viracopos.com)
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Muito se fala nos calotes que o BNDES levou em países como Cuba e Venezuela. A inadimplência em obras de empresas brasileiras financiadas em outros países — calculada hoje em 4 bilhões — é menos do que o banco tem a receber de concessionárias que assumiram a gestão de rodovias e aeroportos brasileiros, hoje em crise.

O problema atinge principalmente as concessões firmadas entre 2013 e 2015. Cinco concessionárias rodoviárias (Via 040, Concer, Rota do Oeste, Concebra e CCS MSVia) e o grupo que arrematou o Aeroporto de Viracopos devem ao BNDES e outros bancos o equivalente a 6,7 bilhões de reais. 

À época, explodia uma demanda por melhores serviços, impulsionada pelo aumento do fluxo de passageiros e da proximidade da Copa do Mundo e da Olimpíada. Imaginava-se que o país continuaria crescendo. Veio a crise que perdura desde a derrubada de Dilma Rousseff. E o dinheiro para investir, pagar outorgas e fazer melhorias evaporou.

 

O caso de Viracopos é emblemático. Desde que a gestão foi privatizada, em 2012, a estrutura foi ampliada para receber 25 milhões de passageiros por ano. Mas apenas 9,2 milhões circularam por lá em 2018 — pouco mais da metade do previsto para aquele ano à época do leilão, que previa 18 milhões de passageiros.

Os cálculos também previam um esgotamento da capacidade do aeroporto de Guarulhos, que não aconteceu. Em 2017, a concessionária quis devolver Viracopos ao governo. Como as negociações não foram adiante, acabou entrando em recuperação judicial.

“Não vejo como um erro de modelagem, o governo fez um estudo-base e os entes privados fizeram os seus”, justifica Maurício Muniz, ex-secretário do PAC e coordenador do Plano de Investimento em Logística no governo Dilma. “A concessão transfere alguns riscos ao empresários. Se não fosse assim, não valeria a pena.”

O consórcio tem hoje um débito de 2,9 bilhões ao BNDES e outros bancos, públicos e privados. A Aeroportos Brasil Viracopos afirma que as parcelas com o BNDES estão em dia, e que as dívidas futuras estão dentro do prazo de vinte anos da concessão.

O plano de recuperação judicial proposto pela empresa prevê o pagamento da dívida com o BNDES, mas admite que será preciso esticar o financiamento. 

Problema diferente envolve as outorgas à Anac, estas sim vencidas — segundo dados da agência, as dívidas chegam a 837 milhões de reais em multas e contribuições mensais não pagas. No fim do ano passado, a Anac abriu processo para extinguir a concessão. O caso, porém, está suspenso por decisão judicial.

Quilômetros em problemas

A primeira rodovia brasileira foi concedida à iniciativa privada em 1994, primeiro ano do governo FHC. Na época, as empresas recebiam o ativo já operando, tinham apenas a obrigação de mantê-lo. O modelo mudou nos anos petistas — os concessionários não deveriam só manter, mas também melhorar e ampliar o serviço.

Aos aeroportos, além das melhorias, o governo exigiu participação societária da Infraero.

Nas estradas exigiu, por exemplo, a duplicação de todo o trecho concedido em até cinco anos. E coube ao BNDES financiar essas operações.

Muitas das rodovias, ao contrário de Viracopos, não entregaram as obras previstas. A Rota do Oeste, da Odebrecht, duplicou menos de 10% dos 850 quilômetros totais. A estrada tem buracos, má sinalização e asfalto de baixa qualidade. O consórcio deve aos BNDES mais de 762 milhões.

As obras da MSVia, da CCR, estão paradas há dois anos — foram duplicados apenas 150 dos 847 quilômetros previstos no contrato com o governo federal. Desde então, a empresa só faz manutenção da pista.

Outro ponto para entender o fenômeno é a Lava Jato, que liquidou a saúde financeira das grandes empreiteiras. Quebradas e sem crédito na praça, as empresas tentam repactuar os contratos. Mas o governo Bolsonaro reluta, sob a égide de um ‘novo perfil’ do BNDES.

Para a economista Esther Dweck, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o desmonte do banco é problemático. “Espera-se que o mercado assuma a função do BNDES, faça investimentos de longo prazo. Mas isso nunca aconteceu no Brasil. Na prática, você reduz o financiamento para o desenvolvimento.”

A solução, aponta, é refinanciar esses dívidas em condições que favoreçam o pagamento pelo novo concessionário. “Se não houver financiamento com crédito razoável, dificilmente terá gente interessada. Quem vai querer tocar um projeto no meio de uma situação econômica ruim?”, aponta.

Devolução amigável

Neste jogo de empurra, estado e banco estatal estão em times opostos. De um lado, o poder público é responsável por retomar a concessão malsucedida. Do outro, esse processo dificulta as chances de a instituição credora reaver o prejuízo.

Seja por má gestão ou erro de cálculo, fato é que acabou o dinheiro para manter o serviço e para pagar dívidas. Nesses casos, o governo pode abrir um processo para reaver a concessão, a chamada caducidade.

“Quando o concessionário não demonstra mais ter saúde financeira para levar adiante a concessão, o governo pode retomá-la por descumprimento de uma obrigação contratual”, explica Maurício Zockun, advogado especialista em direito administrativo.

Caso não consiga provar na Justiça que houve quebra de contrato, as agências reguladoras têm de pagar uma multa à concessionária. Começa aí um novo jogo de empurra, dessa vez entre governo e concessionárias.

“Muitas vezes, a concessionária alega não ter conseguido atuar por falta de contrapartida do governo. Mas, sob a ótica do governo, o particular é quem assumiu riscos e descumpriu obrigações contratuais. É uma briga gigantesca”, completa Zockun.

Uma outra alternativa é a chamada relicitação, cuja regulação está parada há dois anos. Sob essa modalidade, o ativo passa direto do governo a outro concessionário. Ao invés de tomar atividade para si e, só depois eleger outro administrador, o processo começa ainda sob a gestão da concessionária anterior.

Com a nova mudança no perfil do BNDES e o ocaso das empreiteiras, atingidas em cheio pela Lava Jato, grupos estrangeiros vêm ganhando espaço nas rodadas de leilões. A suíça Zurich Airport, que já administra os aeroportos de Macaé, Florianópolis e Vitória está interessada em assumir Viracopos, sob a condição de revisar investimentos e o valor das outorgas previstas no contrato original.

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