Política

Ivan Valente: “Anistia ao caixa 2 representa a lógica do salve-se quem puder”

Deputado do PSOL critica movimentação nos bastidores do Congresso para resgatar proposta. E lembra: ‘Empresa não é instituição de caridade’

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A iminência da divulgação da segunda “lista de Janot”, com 83 pedidos de abertura de inquérito contra parlamentares e ministros citados na delação de executivos da Odebrecht, fez ressurgir, nos bastidores do Congresso Nacional, o debate sobre uma possível anistia ao crime de caixa 2.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transformar o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu também aumentou a tensão em Brasília. A ação contra Raupp foi a primeira na qual a Procuradoria-Geral da República argumentou que doações oficiais a campanhas podem ser usadas para lavar dinheiro de propina.

Ao mesmo tempo, gente como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff José Eduardo Cardozo (PT) tentam relativizar a prática, assim como o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes. “O caixa 2 tem que ser desmistificado. Necessariamente ele não significa um quadro de abuso de poder econômico”, disse Mendes, em entrevista à BBC.

Deputado federal pelo PSOL, partido que espera escapar ileso da Operação Lava Jato, Ivan Valente (SP) afirma que a proximidade da quebra do sigilo da “delação do fim do mundo” impôs aos parlamentares um clima de “salve-se quem puder”. 

CartaCapital: Há uma movimentação no Congresso para resgatar a proposta de anistia ao caixa 2. Como o senhor vê isso?

Ivan Valente: Essa movimentação vem desde antes do processo eleitoral. Nós barramos um projeto que não tinha nem autor e anistiava o caixa 2, com o apoio de vários líderes partidários que não se identificaram. Isso continuou e, agora, com as delações da Odebrecht e de outros, isso se generalizou a atingiu a todos os grandes partidos. Há uma grande movimentação, junto com Gilmar Mendes, para tentar passar a ideia de que caixa 2 não é um crime.

CC: Qual é a posição do senhor e do PSOL?

IV: A posição do PSOL é a seguinte: empresa não é instituição de caridade. Quando eles fazem a doação, eles têm um objetivo claro. A Odebrecht não é uma empresa filantrópica, e não é à toa que eles estruturaram um setor inteiro [de propina], baseado em superfaturamento de obras e acordos de votação de Medida Provisória no Congresso Nacional.

Então eu entendo que essa anistia ao caixa 2 representa a lógica do salve-se quem puder e como puder. Mas isso não vai ser aceito pela sociedade, porque não se trata de pequeno delito. Até porque o caixa 2 já é tipificado no artigo 350 do Código Eleitoral e também no artigo 317 do Código Penal.

CC: Como o senhor avalia a conduta do ministro Gilmar Mendes, que recentemente afirmou que o caixa 2 precisa ser “desmistificado”?

IV: O ministro Gilmar Mendes não é mais implícito, ele é explícito. Primeiro porque ele é contraditório. No julgamento do mensalão [do PT] ele condenou duramente o caixa 2 e puniu pessoas pelo crime de caixa 2. Segundo porque ele visita o presidente da República, que também está na Lava Jato, e conversa com setores do PSDB, do PMDB.

Acho que é realmente um péssimo sinalizador para a sociedade, que entende que ele está buscando uma saída de proteção para as pessoas com quem ele se identifica na política.

CC: O senhor disse que o movimento pela anistia ao caixa 2 se generalizou. Isso atinge a todos os partidos?

IV: Não posso afirmar que são todos os partidos. Mas, certamente, já em setembro havia um acordão entre os grandes partidos. Porque isso interessa ao PT, interessa ao PSDB, interessa ao PMDB.

O Fernando Henrique enveredou por essa seara para proteger o Aécio Neves, e o Aécio também entrou explicitamente nesse debate. Eles estão com muito receio de que a decisão tomada pelo STF em relação ao caso Valdir Raupp acabe criando uma jurisprudência que condene o caixa 2.

Isso interessa também aos partidos que estão no poder, que eram da base da Dilma e agora são da base do Temer, porque esse “centrão” todo está enrolado na Lava Jato. Então eu acho que há um interesse generalizado. Pode haver um ou outro partido que não tenha maiores comprometimentos, mas a base do governo está totalmente atingida pelo esquema do caixa 2.

É provável que, se eles não conseguirem votar o projeto neste momento, eles tentem embutir essa questão em algum projeto de reforma política votada até junho.

CC: O senhor citou o FHC, houve também uma declaração do José Eduardo Cardozo.

IV: Sim, o José Eduardo deu uma declaração distinguindo as coisas. Nós estamos falando aqui de doação empresarial, de interesses com retorno, de reciprocidade. É disso que nós estamos falando. Nós estamos falando de recebimento de dinheiro por fora, que é dinheiro ilegal, que foi ganho de uma forma corrupta, através de superfaturamento, através de compra de decisões legislativas, e assim por diante.

Relativizar é incorreto. Com base no que está acontecendo no Brasil hoje, caixa 2 é de corrupção. O que está posto aí, abrangendo grandes partidos brasileiros, é um dinheiro que vem de corrupção, de trocas, de negociação. As delações revelam claramente isso.

Uma possível delação do Eduardo Cunha também seria uma grande confirmação do que aconteceu no Congresso ao longo de vários anos. Então eu acho que, neste momento, é uma política para salvar. Não tem outra explicação.

CC: O presidente Michel Temer está, de alguma forma, liderando esse movimento?

IV: O Michel Temer foi presidente do PMDB durante 15 anos e é uma figura que tem responsabilidade enorme nisso. Para o ministério, por exemplo, é impressionante a seleção que ele conseguiu fazer: Geddel, Jucá, Moreira Franco, Padilha, todos comprometidos na Operação Lava Jato. Então ele não é uma figura isolada, mas certamente ele está interferindo diretamente nessa questão.

CC: Embora ele tenha dito, em novembro…

IV: Que não ia se meter. Imagina.

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