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Inimigos íntimos

Ex-aliados do PT se aproximam da extrema-direita para tentar desbancar a hegemonia do partido em 2026

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Encontro. Ciro trocou afagos com Alcides Fernandes (gravata azul marinho), pai de André Fernandes, o radical bolsonarista derrotado nas eleições de Fortaleza – Imagem: Redes Sociais
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Das 27 unidades da federação, o Ceará é o único estado onde o PT é hegemônico em todas as esferas de poder: controla os governos federal e estadual, comanda a prefeitura de Fortaleza e, de quebra, ainda detém a maioria absoluta na Assembleia Legislativa e na Câmara de Vereadores da capital. Um domínio difícil de ser rompido, motivo pelo qual levou alguns ex-aliados do PT, como o ex-governador Ciro Gomes, a se unirem à extrema-direita, personificada na figura do deputado federal André Fernandes, da ala mais radical do bolsonarismo, na tentativa de derrotar o partido do presidente Lula no estado. De ­saí­da­ do PDT e em conversas com o União Brasil e com o PSDB, Ciro Gomes voltou à cena política local e tem sido apontado como umas das opções para encabeçar a chapa oposicionista em 2026.

Recentemente, Ciro esteve presente em uma das edições do Café da Oposição, reunião semanal que acontece na Assembleia Legislativa, que já recebera também os ex-prefeitos de Fortaleza Roberto Cláudio e José Santos, ambos ex-aliados do PT, e o ex-governador e ex-senador tucano Tasso Jereissati. “Em 2024, no segundo turno da eleição, o grupo de Roberto Cláudio e Ciro Gomes declarou voto no nosso candidato do PL. Foi um passo dado por eles em nossa direção e o que aconteceu depois foi a continuidade desse diálogo, buscando convergências para 2026, apesar de ser claro, cristalino, que muitas diferenças existem entre um grupo e outro”, explica o deputado estadual Carmelo Neto, presidente estadual do PL. “O que a gente tem tentado é um esforço em busca de convergências para apresentar uma alternativa para libertar o nosso estado do PT”, completa.

Ciro Gomes nega qualquer pretensão para disputar cargo eletivo em 2026 e defende Roberto Cláudio como opção para a cabeça de chapa. Mas, entre aliados, a pressão para que ele volte ao Palácio da Abolição é grande. Em várias vias públicas de Fortaleza foram erguidas faixas lançando-o a governador, como uma que foi colocada em um viaduto próximo à Arena Castelão, cuja frase é “O povo quer Ciro governador!”

Para a socióloga Monalisa Torres, pesquisadora e professora da Universidade Estadual do Ceará, o ressurgimento de Ciro Gomes na política local, assim como a escuta a Jereissati, deu um novo gás à oposição, que até então não tinha lideranças com fôlego suficiente para derrotar a hegemonia petista, apesar das votações expressivas obtidas por Fernandes e pelo ex-deputado Capitão Wagner em eleições majoritárias, mas que não foram capazes, pelo menos até agora, de desbancar o PT.

“A oposição não tem um projeto de governo claro, bem delimitado, uma liderança que consiga aglutinar outros nomes. O grupo ainda é muito fragmentado e frágil. Então o Tasso e o Ciro surgem como essas figuras meio que nostálgicas, olhando para o passado, pensando em projetos que foram bem-sucedidos, no legado deixado por eles, para tentar construir a imagem de uma oposição que fornece alternativa para o Ceará”, analisa Torres, citando os dois ex-governadores como “uma direita moderada”, fugindo da pecha mais radical capitaneada pelos bolsonaristas.

O grupo costuma se reunir semanalmente no “Café da Oposição”, nas dependências da Assembleia Legislativa

Apesar do esforço concentrado para unir os oposicionistas, um vídeo postado nas redes sociais por Ciro Gomes, criticando tanto Bolsonaro quanto o presidente Lula pelo tarifaço de 50% dos EUA contra o Brasil, levou André Fernandes a sair em defesa do seu padrinho político e descartar apoio ao novo aliado para governador. Ciro mirou em Bolsonaro e acertou em Fernandes ao classificar o ex-presidente, seus filhos e aliados como burros e “canalhas do patriotismo”. Em resposta, o deputado bolsonarista disse que o PL terá uma chapa puro-sangue em 2026. Não citou nomes para o governo, mas cravou a indicação de seu pai, o pastor e deputado estadual Alcides Fernandes, como candidato a senador.

O próprio Ciro, na reunião em que participou no Café da Oposição, declarou apoio a Alcides. “‘Espero votar em você para senador”, disse, ao cumprimentar o deputado, que também não poupou elogios ao novo aliado, classificando-o como “um dos melhores governadores do estado do ­Ceará” e que “está vindo se somar conosco nessa batalha”. Carmelo Neto minimiza o episódio do vídeo e da reação de Fernandes, e reforça a necessidade de uma composição. “Se não houver uma aliança no primeiro turno, de maneira muito natural ela virá no segundo turno, como foi em 2024, apesar do nosso esforço de uma convergência já na primeira etapa.”

Para o deputado petista Guilherme Sampaio, líder do governo na Assembleia Legislativa, ao se unirem ao PL de Bolsonaro, Ciro Gomes e aliados “alimentam o fascismo” no País. “Essas lideranças, movidas por ressentimento e derrotas não assimiladas, assumem o papel de linha auxiliar do bolsonarismo no Ceará, em um momento de ataques à soberania nacional patrocinados por esse campo político. Isso é tão grave quanto protagonizar os ataques que hoje são objeto de escrutínio pelo Supremo Tribunal Federal. Estão cavando a própria cova política”, dispara. “O povo cearense saberá reconhecer os resultados do nosso governo, que, em parceria com o presidente Lula, tem promovido investimentos em todas as áreas. Do outro lado restam as contradições de uma eventual aliança injustificável e sem propósitos mínimos à luz do interesse público”, completa Antônio Alves Filho, presidente do PT do Ceará. •

Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Inimigos íntimos’

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