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Infinita boiada

Além do PL do Licenciamento, o Observatório do Clima identifica mais de 40 ameaças de retrocesso ambiental em tramitação na Câmara e no Senado

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Recentemente, os parlamentares deram sobrevida à indústria do carvão – Imagem: iStockphoto
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“E uma discordância conceitual”, justificou o deputado federal Zé Vitor, do PL, ao anunciar que a oposição pretende articular no Congresso Nacional a derrubada de parte dos 63 vetos determinados pelo presidente Lula após a aprovação do Projeto de Lei que afrouxa as regras de licenciamento ambiental no Brasil. Relator da proposta, batizada pelos ambientalistas como PL da Devastação, o parlamentar bolsonarista será também um dos que atuarão para levar ao plenário ainda este ano outros projetos que atacam frontalmente as políticas ambientais do governo e a legislação em vigor.

Após a análise de cem proposições em trâmite na Câmara ou no Senado, o Observatório do Clima, rede que reúne 133 organizações da sociedade civil, traçou um panorama das maiores ameaças à pauta socioambiental que pairam no céu de Brasília. O documento Agenda Legislativa 2025 atualiza o “pacote da destruição” montado pela direita no Congresso e identifica 46 “possibilidades de retrocesso” divididas em nove temas: Regularização Fundiária; Código Florestal e Lei da Mata Atlântica; Flexibilização de Normas Ambientais; Licenciamento Ambiental; Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais; Energia; Oceano e Zonas Costeiras; Infraestrutura Hídrica; e Financiamento.

O documento destaca 14 projetos como principais focos de atenção, por já terem sido parcialmente aprovados ou pela iminência da entrada em votação. Além do PL 2.159/21, que trata da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, outros cinco considerados mais urgentes são a PEC 48/23, que estabelece o marco temporal para a demarcação de Terras Indígenas; os PLs 510/21 e 2.633/20, que flexibilizam normas de regularização fundiária e concedem anistia à grilagem de terras; a PEC 03/22, que retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha e permite a privatização das praias; e o PL 364/19, que afrouxa as regras de preservação dos campos de altitude em todo o País.

O Observatório do Clima identifica também 45 propostas positivas para a pauta ambiental, mas que não têm recebido atenção do Congresso. Esta seção é dividida em oito temas: Água, Recursos Hídricos e Oceano; Florestas, Desmatamento e Atividades Agrossilvopastoris; Clima e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS); Agrotóxicos e Saúde Pública; Animais Silvestres; Financiamento e Outros Incentivos; Energia; e Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais.

Três projetos deveriam ser priorizados no segundo semestre, avaliam as ONGs: a MSC 209/23, que trata da adesão brasileira ao Acordo de Escazú; o PL 6.969/13, também chamado de PL do Mar, que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro; e a PEC 37/17, que insere no texto constitucional a adaptação às mudanças climáticas como um direito fundamental.

“O Congresso tem atuado com pautas que afrontam a política ambiental e aumentam a cada dia em número e gravidade. A implosão do licenciamento ambiental em votação recente é o exemplo mais claro disso”, afirma Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. Para Adriana Pinheiro, assessora de Incidência Política da organização, com o ano eleitoral se aproximando, a tendência é de que a agenda antiambiental siga “avançando com força” no Congresso. “Os parlamentares que atuam contra o meio ambiente vão querer aproveitar as janelas de oportunidade antes da COP30. Há quase 50 projetos com alto potencial de dano socioambiental em tramitação ativa. O Legislativo continua priorizando retrocessos ambientais, com votações aceleradas e pouco espaço para a participação social”, aponta.

O “pacote da destruição” inclui anistia a terras griladas e a privatização das praias

Uma queixa das entidades do movimento socioambiental é a falta de um canal de diálogo permanente com os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre. “Hoje, não existe um diálogo estruturado ou efetivo entre a sociedade civil e os presidentes das ­duas casas legislativas. Sempre tentamos estreitar esses laços e conversar, mas o que existe em termos de uma incidência política qualificada é a articulação direta com parlamentares aliados e lideranças”, diz Adriana Pinheiro.

No atual governo, muitas reses da boiada imaginada por Ricardo Salles, “ministro antiambientalista” do governo Bolsonaro, já atravessaram o alambrado do Congresso. Além do PL do Licenciamento, também foram aprovadas, desde 2023, leis que, por exemplo, abrem a possibilidade de contratação de energia gerada a carvão, o que vai na contramão das metas brasileiras de transição energética, ou delegam aos governos municipais a prerrogativa de reduzir ou suprimir a mata ciliar nas margens de rios, até então consideradas pela legislação ambiental como Áreas de Proteção Permanente.

Um marcante retrocesso foi provocado pela aprovação da lei que afrouxou as regras de comercialização de agrotóxicos e permite o uso, no Brasil, de pesticidas banidos na maior parte do mundo. Outra derrota emblemática do governo deu-se com a aprovação da lei que alterou o regime de Cadastro Ambiental Rural (CAR) e estipulou “prazo indeterminado” para que os proprietários rurais se adaptem à lei, decisão vista por ambientalistas como a pá de cal naquilo que um dia foi o invejável Código Florestal brasileiro. O Supremo Tribunal Federal também foi contrariado pelo Congresso com a aprovação da lei do Marco Temporal, que estabelece que os povos indígenas só têm direito às terras já demarcadas como reservas em 1988, ano de promulgação da Constituição Federal, embora o tema também esteja sendo analisado no STF.

Por ora, a prioridade de parlamentares da base do governo – e também das entidades que atuam na defesa do meio ambiente – é lutar para que os vetos de Lula ao PL do Licenciamento não sejam derrubados. “Vamos trabalhar dialogando na Câmara, em sintonia com o governo e a sociedade civil, para aprovar a MP e o PL enviados pelo Executivo sem retrocessos. É fundamental manter a mobilização social”, diz o deputado federal ­Nilto Tatto, do PT, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.

Dada a “discordância conceitual” do Congresso com o bom senso ambiental, manter os vetos não será tarefa fácil. “Vamos considerar a derrubada para manter itens essenciais da lei aprovada”, diz Zé Vitor. Entre eles, elencou o deputado, estão a retirada da proteção especial à Mata Atlântica, a restrição à participação das comunidades tradicionais nas discussões sobre o licenciamento, a manutenção da dispensa de licenciamento para imóveis ainda não cadastrados no CAR e a permissão para que estados e municípios estipulem suas próprias regras de licenciamento. •

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Infinita boiada’

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