Infiltrado no pasto

Como me fantasiei de gado e fui à Paulista acompanhar o discurso do capitão

Confissão. Do alto do carro de som, Bolsonaro pediu anistia e “pacificação”. Admitiu, porém, ter conhecimento da minuta golpista apreendida na casa de Anderson Torres – Imagem: Miguel Schincariol/AFP

Apoie Siga-nos no

Recebi a convocação pelo ­Facebook: “Quem defende a democracia não foge à luta”. Naquele grupo, alguns nutriam grandes expectativas em relação aos rumos do movimento: “O agro e os caminhoneiros vão parar o Brasil”. Outros não disfarçavam o cansaço com as infrutíferas mobilizações anteriores, a exemplo dos patriotas goianos que pediam doações via Pix para financiar a viagem até São Paulo. “Caravana pela última vez”, anunciaram, em tom de súplica. Diante do esforço dos meus colegas na rede social, senti vergonha por ter cogitado usar o domingo para descansar, ainda mais vivendo tão perto do palco da batalha. Resgatei do fundo da gaveta uma desbotada camiseta amarela, envolvi o pescoço com uma flâmula verde-amarela e parti feito um foguete em direção à Avenida Paulista.

Bem… Era isso o que pretendia, mas o transporte coletivo não colaborou. Em São Paulo, aos domingos, não se paga mais a tarifa do ônibus, até porque se tornou quase impossível encontrar um circulando após o anúncio da gratuidade. Como de hábito, sobravam passageiros desamparados no terminal da Lapa. Meio sem jeito, um fiscal da ­SPTrans culpou o congestionamento causado pelo levante democrático. Contrariado, comprei o bilhete de trem. Não poderia decepcionar meus colegas goianos, que também poderiam estar presos no trânsito após uma desgastante viagem de quase mil quilômetros. Durante a baldeação na estação Barra Funda, percebi que a mobilização foi bem-sucedida. Os vagões do Metrô estavam repletos de patriotas, devidamente uniformizados com a camisa da CBF.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

8 comentários

José Carlos Gama 1 de março de 2024 21h58
O hospício saiu às ruas comandados por espertos políticos e evangélicos sabichões que não precisam se esforçar, pois seu gado é ordeiro e se alimentam de fake news, basta um assobio para estarem apostos para receberem seus chocalhos.
Marcelo Caldeira de Oliveira 2 de março de 2024 01h54
Rachei os bico de tanto rir. Para começar pelo título. Melhor ainda foi o רצח עם... Esse gado é hilário, o mesmo não se pode dizer dos donos da boiada, esses são uns canalhas sem graça nenhuma.
João Alberto Silva 3 de março de 2024 20h44
PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 4 de março de 2024 00h29
O corajoso articulista a se infiltrar no movimento bolsonarista da Avenida Paulista mostrou as entranhas do bizarro. Certamente muitos relatos ficarão registrados no anedotário da história do Brasil. Desde o mais simples e aguerrido militante da extrema direita bolsonarista até o próprio líder mitômano que mitigou o seu discurso mas cometeu gafes imperdoáveis através de atos falhos, confessando seus crimes de tentativa de golpe. O poder Judiciário e a Polícia Federal não podem negligenciar a fala do ex capitão que confessou o teor da minuta golpista. Todos os esquerdistas, progressistas, liberais, que militamos dentro do campo democrático torcemos para esse desfecho que seria a finalização do Inquérito pela PF com a denúncia pelo PGR, recebimento da Denúncia pelo STF e finalizando com a prisão de Bolsonaro para passar esse país a limpo e não se fazer o que foi feito durante a ditadura em que cruéis torturadores e assassinos foram indevidamente anistiados e nem sequer foi dado prosseguimento a Comissão da Verdade. As instituições sérias desse país precisam trabalhar em várias frentes para a manutenção da democracia e cortar a cabeças da serpente do extremismo de direita que nos assombrou pelo longo período de 4 anos e alienou de sobremaneira boa parte da sociedade brasileira.
WILSON PESSOA MOREIRA 5 de março de 2024 02h19
O gado vive em uma realidade paralela. Recortam um pedacinho e acreditam que é um todo. não adianta tentar explicar, ensinar ou contrapor. São facilmente manipulado por golpistas e melícianos. Somente assim para explicar como uma mulher defende uma pessoa classificada como machista e sexista, acreditando em falsas e farsas. Lamentável. Mas como são seres ruminantes que somente contribuem para o efeito estufa e explicável.
CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 6 de março de 2024 11h35
A manifestação me lembra aquelas de Nuremberg, nos anos 30/40: um histriônico político açulando uma malta de deslumbrados… Mas sempre se pode confiar que o ex-capitão pecará pela boca.
Glauber Rodrigues 8 de março de 2024 21h01
Para as pessoas que tem um pouco de discernimento, é fácil ver como são medíocres os argumentos usados para criarem esta narrativa de mito, imbrochável e todos os outros adjetivos que fazem para esse ser. Que muita gente tem uma má índole apoia isso, é fato, mas também é fato como essas figuras políticas usam a falta de estudos, a religião e a pobreza para colocar essas ideias que nem eles mesmo acreditam na cabeça das pessoas, o que fazem muitas delas defenderem isso perante seus parentes e deixam de ter relações com filhos, netos e outros familiares, isso sim é o pior de tudo. Essas pessoas passam essas vergonhas e nem sequer sabem que estão passando, acreditar que um presidente de outro país irá a um ato tosco desse e foi confirmado em um grupo de whatsapp, é deprimente. Enfim, tomara que isso fique gravado na história como uma coisa que se sinta vergonha num futuro próximo e não que se sinta orgulho, porque aí sim todos nós estaremos muito pior do que hoje.
Breno de Melo Gomes 9 de março de 2024 14h00
Muito bom o tom do texto. Um perfeito exemplar de deboche com elegância.

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.