Política

Impasse entre militares e ambientalistas por escola de sargentos na Mata Atlântica caminha para um acordo

Ante a pressão dos movimentos sociais, o Exército trabalha com a possibilidade de ceder em alguns pontos

Resistência. Carol Vergolino, Herbert Tejo e Ivan Moraes apontam um local alternativo para a obra, já desmatado – Imagem: Anderson Stevens
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Depois de muita polêmica, o embate entre militares e ambientalistas por conta da construção de Escola de Sargento do Exército em uma área de 130 hectares de Mata Atlântica, em plena região metropolitana do Recife, caminha para um desfecho.

A idea é erguer uma espécie de minicidade militar, dentro da Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe, que é de propriedade do próprio Exército. Destinada a centralizar a formação de sargentos atualmente pulverizada pelo país, a proposta enfrenta resistências devido ao impacto ambiental previsto. Os temores envolvem a sub-bacia do Rio Catucá e a barragem Botafogo, vital para o abastecimento de água nas cidades vizinhas.

Diante da reação de ambientalistas e a pressão dos movimentos sociais, contudo, o Exército – que chegou a ameaçar levar o projeto para outro estado – agora admite ceder em alguns pontos. Já os ambientalistas estão dispostos a aceitar parte do projeto com garantias legais e compensações ambientais.

Parte interessada no projeto, o governo de Pernambuco ofereceu como contrapartida a ampliação e a construção de estradas e a realização de obras de saneamento básico.

O complexo incluirá instalações educacionais e esportivas – um parque de tiros; uma vila olímpica com 10 quadras poliesportivas, complexo de piscinas, pistas de atletismo, pentatlo e cordas – duas vilas militares e infraestrutura para mais de 6 mil pessoas, com um custo estimado de 1,8 bilhão de reais.

Foi estabelecido um comitê – composto por representantes do governo estadual, membros do Ministério Público, ambientalistas, membros da sociedade civil, parlamentares e militares – para avaliar a viabilidade do projeto.

“Não existe uma posição contrária à obra”, diz Herbert Tejo, presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia, que esteve em Brasília, com o ministro da Defesa, José Múcio, e com o general Joarez Alves Pereira Júnior, coordenador do projeto, para tentar um acordo em torno da obra. “A nossa questão é com a localização do projeto e com a existência de alternativas que atendem todas as premissas e os condicionantes que o Exército apresentou.”

O Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (CIMNC), uma área de mais de 800 hectares do Exército e onde seria construído o complexo, passa pela sub-bacia do Rio Catucá, com nascentes e mananciais que alimentam o Sistema Botafogo. A barragem Botafogo fornece água para aproximadamente 1 milhão de pessoas no Recife e na Zona da Mata, mas esse abastecimento já é feito de maneira inadequada.

O projeto, aprovado no final do governo Bolsonaro em parceria com o governo de Paulo Câmara, será o primeiro grande complexo militar no Nordeste

“É uma área com característica diferenciada. A gente considera um santuário, porque constitui o maior bloco de mata atlântica ao norte do rio São Francisco”, explica Tejo, acrescentando que a mata foi regenerada depois de ter sido devastada pela cana de açúcar em meados do século passado. “Eram 11 engenhos de cana que foram desapropriados na época do governo Getúlio Vargas para preparar os soldados brasileiros para a Segunda Guerra. A guerra acabou e foi feito apenas um quartel, um percentual muito pequeno do que o projeto previa. Então, durante esses quase 80 anos, aconteceu um processo de regeneração natural fantástico.”

Como resultado da reunião com o ministro, o Exército considerou a possibilidade de migrar as duas vilas militares previstas no projeto para fora da região da mata, com a condição de realocá-las para perto do campo de instrução. Admitiu também reduzir a área a ser desmatada.

“Nós defendemos e sustentamos o cumprimento da legislação. Uma das exigências que estão postas no Código Florestal é que haja o recuo de 100 metros da borda do tabuleiro”, explica Tejo, acrescentando que foi entregue um documento a Múcio e ao Exército com cinco pontos que apontam alternativas para a consolidação da Escola de Sargento em Pernambuco sem precisar desmatar.

Além do recuo da borda do tabuleiro e de construir as vilas militares fora da mata, o Fórum defende uma compensação ambiental antecipada de 940 hectares para minimizar os efeitos da degradação da vegetação. Também cobra do governo do estado que a construção do arco metropolitano, obra que vai cortar todo o litoral pernambucano, passe por fora da APA Aldeia-Beberibe.

Por fim, o Fórum propõe um Termo de Compromisso Ambiental que garanta o cumprimento do que for acordado. A Assembleia Legislativa de Pernambuco realizou duas audiências públicas para discutir o projeto, com a participação de representantes do governo estadual, ambientalistas e militares.

Questionada sobre o possível desmatamento com a construção da Escola de Sargento, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), disse que o projeto “é uma oportunidade importante de geração de emprego e desenvolvimento econômico para Pernambuco e que pode ser executada através de um trabalho com sintonia e responsabilidade com a pauta ambiental”. Em janeiro, Lyra deve receber Múcio em audiência para assinar o temo de intenção que vai garantir a construção da Escola de Sargento em Pernambuco.

Antes de escolher Pernambuco como sede, o Exército cogitou levar a obra para Ponta Grossa, no Paraná, e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Pesou a favor de Pernambuco a logística, pelo fato de Recife ser uma das capitais polo do Nordeste, com aeroporto internacional e voos diários para todos os estados, além de contar com uma base militar bem estruturada, com hospitais e escolas.

A previsão é de a obra começar em 2025 e ser concluída em 2032.

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