Política

Igreja: pauta é progressista, mas aborto ‘é inegociável’

Ao contrário de 2010, questões sociais e a reforma política ganharam espaço entre líderes religiosos. Por Renan Truffi

Santuário Nacional de Aparecida recebeu, pela primeira vez, candidatos para debate presidencial
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A realização de um debate presidencial no Santuário Nacional de Aparecida, como o de terça-feira 17 no interior de São Paulo, marca a entrada da Igreja Católica nas eleições deste ano. Ao contrário do que ocorreu no último pleito, em 2010, assuntos como aborto, casamento gay e uso de células-tronco estão sendo pouco explorados pelos líderes católicos. Questões sociais e a reforma política ganharam espaço pelas mãos do cardeal-arcebispo de Aparecida, Dom Raymundo Damasceno Assis. Apesar do tom progressista em vários temas polêmicos, a Igreja Católica ainda trata como “inegociável” a discussão do aborto.

A mudança de foco da Igreja Católica ao privilegiar debates sociais em vez de comportamentais coincide com um novo discurso que ecoa do Vaticano. Desde 2013, o papa Francisco tem dado orientações menos conservadoras em relação a temas tabus. Entre os fiéis, a influência do papa Francisco é assumida. A aposentada Conceição Mercês, de 66 anos, viajou da capital paulista até Aparecida para passar o dia no Santuário. Religiosa, ela diz ter se ofendido, recentemente, quando ouviu em uma missa um padre defender comportamentos homofóbicos. “Se o papa não fala isso porque um soldado raso, como ele, pode falar uma coisa dessas?”.

Para o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), duas razões explicam a postura da Igreja em 2014: o momento de incerteza política no País e a autocrítica da Igreja Católica ao reconhecer que interferir na política, como aconteceu no passado, não faz bem à própria instituição. “A sociedade brasileira está com uma percepção mais aguda da necessidade de retomar o discurso social e socioeconômico, ao contrário do que ocorria há quatro anos, quando havia impressão de que tudo estava caminhando bem. Em 2010 então não havia porque a Igreja ter uma atenção particular [com esses temas]”, afirma Neto. “Para a construção do bem comum, esse é o grande fator que desloca um pouco o eixo a partir das questões comportamentais para outros princípios da Igreja, como o social e o socioeconômico”, diz.

Ainda que não seja por influência do papa, o discurso mais ameno sobre temas morais tem sido a regra na Basílica. Diretor da TV Aparecida, o padre Josafá Moraes é a favor da criminalização da homofobia, da união homoafetiva e acha “coerente” que as eleições não sejam decididas em cima de pautas religiosas. Mesmo quando fala sobre a importância de saber o que os candidatos pensam sobre a “concepção da família”, o padre evita o julgamento moral. “Com a mutação da família, a Igreja quer saber o que os candidatos pensam, mas não moralmente”, diz Moraes. “Não é um exercício moral, mas de atender os direitos da população. Se por um acaso, o candidato disser que determinada conjuntura de família não corresponde àquilo que a Igreja entende não quer dizer que não vamos votar nele. Não é isso. Não é pegadinha”, explica antes de dizer, no entanto, que a instituição “não abre mão” da defesa da vida.

Para Moraes, ao contrário do que ocorreu em 2010, com o frequente debate sobre o aborto, desta vez “tudo foi conduzido” para que o assunto não entrasse nas eleições e a escolha do novo governo não se desse a partir de uma pauta religiosa. “Isso é muito coerente, pois a Igreja Católica não é centro, é parte da sociedade”, diz. “Mas a Igreja é defensora da vida e disso ela não abre mão”, defende.

A preocupação do diretor da TV Aparecida é a mesma de Dom Darci Nicioli, bispo auxiliar da Arquidiocese de Aparecida. Ainda que concorde que nenhum candidato “é louco” de ser contra a vida, Nicioli vê a necessidade de a Igreja Católica defender o direito do feto. “Quando alguém defende o aborto é o ser humano indefeso que está sendo ameaçado. Então uma coisa é o discurso, outra coisa é a prática. Nunca ninguém vai ser louco de dizer ‘eu sou contra a vida’, mas, na prática, suas atitudes quais são? Se eu defendo a pena de morte, estou contrário à vida. Hitler defendia a vida. De quem? Dos arianos. Que defesa da vida é essa? A vida não se negocia em nenhuma hipótese”, argumenta.

A Igreja reconhece que os milhares de abortos ilegais realizados todos os anos no Brasil apesar da proibição da lei são um problema de saúde pública, mas Nicioli afirma que ninguém pode decidir, “com a chancela do Estado”, sobre a vida do feto. “No caso de interromper uma gravidez, quem é que estaria defendendo o feto, que é vida? Uma pessoa estuprada pode não querer [ter um filho], a gente até entende. Mas quem é que defende o feto? Uma coisa é eu ter a minha opção. A outra é eu ter a custódia do Estado para decidir sobre a vida dos outros, no caso, o feto”, defende o bispo.

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