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Hora de semear

Com crédito internacional, a área ambiental prepara o terreno após o período de terra arrasada

Imagem: iStockphoto
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A expressão terra arrasada ganha literalidade quando se fala do meio ambiente. Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, a Amazônia e o Pantanal arderam em chamas, o genocídio indígena remontou aos tempos da colonização portuguesa e o crime organizado virou a força motriz da economia da floresta. Entende-se, portanto, o alívio que a eleição de Lula, ou, por outra, a derrota do ex-capitão provocou nos ambientalistas, líderes políticos internacionais e cientistas. Passados cem dias da nova administração e diante das primeiras medidas, o clima geral nesta comunidade é de boa vontade. Pesam a favor os esforços iniciais do Ministério do Meio Ambiente para o soerguimento do Ibama, órgão responsável pelas ações de comando, controle e fiscalização ambiental no País, e a desobstrução do Fundo Amazônia, que, além de Noruega e Alemanha, receberá dinheiro dos Estados Unidos e promete reavivar os projetos de desenvolvimento sustentável na região. A restauração da participação da sociedade civil em colegiados como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) também é celebrada.

Ao mesmo tempo, realidades como o enfraquecimento da bancada ambientalista no Congresso e a falta de indicativos políticos de como será adotada a prometida transversalidade da questão climática em um governo de frente ampla mostram, segundo as fontes ouvidas por ­CartaCapital, a extensão dos desafios pela frente. Também causa preocupação a lentidão na nomeação para os comandos do ICMBio, responsável pela gestão das Unidades de Conservação, e do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que acompanha o cumprimento das metas de biodiversidade. “Nestes cem dias foi retomada a centralidade da agenda ambiental e foram adotadas medidas importantes para que o Brasil cumpra seu dever doméstico e se posicione novamente no âmbito do enfrentamento à crise climática global”, afirma o deputado federal Nilto Tatto, do PT.

O genocídio Yanomâmi dissipou qualquer dúvida sobre o projeto bolsonarista. As primeiras medidas de Marina Silva no ministério foram bem recebidas – Imagem: Ministério da Saúde e Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR

O primeiro sinal positivo dado pelo governo foi a radical mudança na capacidade – e vontade política – do Ibama para enfrentar os garimpeiros invasores da Terra Yanomâmi. Na sequência, apesar do desmontado efetivo que hoje conta com apenas 720 fiscais, veio a retomada das ações de combate ao desmatamento na Amazônia. Até 14 de março, segundo o órgão, registra-se um aumento de 169% nos autos de infração na região, em comparação com o mesmo perío­do de 2022. A apreensão de bens e equipamentos de infratores ambientais cresceu 157%. Mesmo com o quadro de superintendentes regionais do Ibama incompleto e à mercê das negociações do governo com os partidos da base para o preenchimento das vagas no segundo escalão, a fiscalização voltou a ser realizada em outros biomas, com aumento de 42% nos autos de infração em todo o Brasil.

Tatto aponta como avanços a reestruturação do Conama, a volta do Serviço Florestal Brasileiro à pasta do Meio Ambiente e a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. “A reestruturação de programas que deram certo e o fortalecimento das instituições do Sisnama são essenciais para o Brasil controlar o desmatamento e contribuir no enfrentamento à crise climática.” Segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, o governo “começou bem” na área ambiental: “Temos de considerar que todas essas ações acontecem em um cenário de terra arrasada. O governo anterior destruiu o orçamento, o gerenciamento das unidades de conservação, toda a política de investigação de crimes ambientais. Colocou uma série de empecilhos para o funcionamento do Ibama e do ICMBio, criou uma série de processos administrativos para perseguir os fiscais”.

O Ibama volta a cumprir seu papel, após a mordaça imposta nos últimos quatro anos – Imagem: Ibama

Até quando vai durar a lua de mel? Ambientalistas levantam pontos que podem se transformar em arestas. Alguns deles: 1. A influência das ONGs na pasta comandada por Marina Silva tenderia a afastar setores produtivos. 2. A agenda climática transcende a defesa das florestas. 3. A filantropia internacional, representada pelo Fundo Amazônia, não é suficiente. 4. Faltaria uma abordagem diferente diante do mundo distinto de 20 anos atrás.

João Paulo Capobianco, secretário-executivo do ministério, vê as coisas de outra forma: “Em que pese termos recebido uma pasta completamente desmobilizada, sem processos em curso e com parte importante dos cargos de chefia vagos, conseguimos avançar de forma significativa em muitas ações”.  Capobianco lembra a recomposição da gestão do Fundo Nacional do Meio Ambiente e o fortalecimento do Programa Pró-Catadores e anuncia novas ações para breve, como a retomada do Bolsa Verde, o lançamento do Plano de Prevenção e Combate às Queimadas no Pantanal e a homologação de novas unidades de conservação e concessões florestais, além da reestruturação da governança climática com vistas a cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris. Quanto à transversalidade da pauta ambiental, o secretário cita a Comissão Interministerial do ­PPCDAm, que tem a participação de 19 ministérios representados diretamente pelos seus ministros ou secretários-executivos: “Esse trabalho transversal teve início. A primeira versão do Plano irá à consulta pública em abril. E até agosto todos os biomas devem contar com seus planos de combate e controle do desmatamento, a partir desse trabalho articulado”.

A preservação não se descola do combate à fome, da geração de oportunidades e da revitalização da indústria brasileira

Um fator de preocupação é a lentidão na montagem da estrutura do ICMBio e das regionais do Ibama: “A demora atrapalha. Os dois órgãos darão sustentabilidade ao conjunto de ações que foram encaminhadas. O governo está no rumo certo do ponto de vista das ações de comando e controle, mas ainda incipiente na criação das condições para fazer com que essas ações sejam sustentáveis ao longo do tempo”, avalia Tatto. “É preciso colocar todas as superintendências regionais do Ibama para funcionar”, reforça Astrini, antes de ponderar: “Houve um movimento de sabotagem institucional bem executado pelo governo Bolsonaro e desmontar a bomba vai demorar um pouquinho. As nomeações têm de ser feitas com o maior cuidado”.

Servidor de carreira do ICMBio e superintendente regional do Ibama no governo Lula, Rogério Rocco saúda a nomeação do ex-deputado e ex-prefeito de Bauru Rodrigo Agostinho para a presidência do Ibama: “É um quadro da política ambiental que tem experiência no Executivo e larga atuação legislativa como coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista. Há certeza quanto a uma gestão de qualidade”, diz. Em relação ao ICMBio e o Jardim Botânico, acrescenta: “Há presidentes interinos alocados e os órgãos estão desenvolvendo suas respectivas missões dentro da normalidade”. O processo de busca adotado para a escolha do novo presidente do ICMBio, acredita Rocco, proporcionará uma proteção em relação à divisão de cargos com a base aliada: “Isso dá garantia de que o presidente será escolhido por atributos técnicos e políticos relacionados à missão da instituição. O processo está lento, mas não significa paralisia. As circunstâncias exigem ampla negociação”.

Capobianco e Agostinho: missão de juntar os cacos e mostrar resultados o mais breve possível – Imagem: Luís Macedo/Ag. Câmara e Lúcio Bernardo Jr./Ag.Câmara

No Jardim Botânico, é grande a expectativa quanto à nomeação de um novo comando que possa devolver ao órgão o caráter científico e cultural negligenciado nos últimos quatro anos. Presidente do instituto durante uma década nos governos Lula e Dilma, Liszt Vieira dá como exemplo do descaso bolsonarista a transformação do Teatro Tom Jobim, onde ocorriam diversas apresentações artísticas, em uma loja de brinquedos: “Um absurdo. O Jardim é uma instituição com vocação científica, ambiental e cultural. Loja de comércio é desvio de função”. Um dos primeiros parlamentares ambientalistas eleitos após a redemocratização, Vieira avalia que “o ministério está se saindo bem na reconstrução e reativação da política ambiental”.

A retomada do trabalho nos órgãos ambientais, diz Capobianco, teve início a partir da recomposição orçamentária: “Foi um avanço que estabeleceu condições mínimas para esse desafio. As lideranças e chefias do ministério e dos órgãos vinculados são definidas diretamente pela ministra Marina Silva a partir de critérios técnicos”. No caso do ICMBIo, descreve, foi estabelecido um comitê de busca para a presidência do órgão que vai apresentar a Marina uma lista tríplice para a tomada de decisão: “São vários processos em curso, juntamente com uma série de prioridades que estão na agenda, como a regulamentação da lei de pagamentos por serviços ambientais e a criação de um mercado regulado de carbono”.

Os maiores desafios na área ambiental, prevê Tatto, ainda vêm pela frente. “É necessário um conjunto de políticas que dialogue com o enfrentamento da fome, do desemprego e da miséria no mesmo patamar do enfrentamento à crise climática. O Brasil precisa se reindustrializar e essa agenda positiva precisa ser construí­da.” Pelo rumo dado à política ambiental, acrescenta Astrini, o governo conta com apoio interno e crédito na comunidade internacional. Mas todos esperam resultados. “Só a mudança de narrativa não vai transformar a situação. Essa reversão vai acontecer quando os números do desmatamento começarem a baixar e o Brasil apresentar de fato uma nova meta de contribuições aos esforços globais contra as mudanças climáticas.” •

Publicado na edição n° 1254 de CartaCapital, em 12 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Hora de semear’

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