Política

cadastre-se e leia

Grilo falante

O PSOL quer ser a voz progressista na ampla aliança de apoio ao governo Lula

Identidade. Para a experiente Erundina, o partido terá mais autonomia se não aceitar ministérios. Boulos mira a eleição à prefeitura de São Paulo em 2024 - Imagem: VamosBoulos/Sônia/2018 e Redes sociais
Apoie Siga-nos no

No sábado 17, o PSOL, indicam as previsões, vai finalmente superar o Complexo de Édipo. Nascido da costela do PT, após o escândalo do Mensalão e a reforma da Previdência no primeiro governo Lula, o partido era, nos primórdios, movido pelo desejo de “matar o pai”, a ponto de incorporar o discurso moralista que teve na Operação Lava Jato o seu clímax. O golpe parlamentar contra Dilma ­Rousseff, a prisão de Lula, a chegada ao poder de Jair Bolsonaro e a consolidação de novas lideranças na legenda trataram de produzir uma reaproximação gradativa e desconfiada. Como naqueles filmes de Natal, a paz “familiar” e um novo recomeço tendem a ser selados nas cenas finais, ou melhor, na reunião em que os psolistas vão definir se integram de forma efetiva o futuro governo, inclusive por meio da ocupação de cargos, ou se manterão um apoio circunstancial. “Não há nenhuma perspectiva de ser oposição. Nem tem fôlego no debate interno agora. O que está em discussão é se vamos ocupar cargos”, diz o deputado federal Glauber Braga, um dos psolistas defensores da tese de um acordo sem participação no Executivo e que, meses atrás, defendera a candidatura própria à Presidência da República, proposta derrotada pela maioria. “É mais útil um partido sem vínculos de cargo, mas com possibilidade de fazer críticas construtivas e organizar a sociedade civil para a construção de um apoio do ponto de vista popular”, reitera a veterana Luiza Erundina, vice na chapa de Guilherme Boulos na disputa à prefeitura de São Paulo em 2020 e reeleita ao Parlamento.

Ser uma espécie de grilo falante do PT, voz crítica em meio à extensa e ideologicamente rarefeita base governista, é a forma de o PSOL manter a autonomia, mas nem todo o mundo na legenda está convencido de que a melhor maneira de exercer o apoio crítico é recusar espaços de poder. Há um dilema real: por sua história e militância, Sônia Guajajara é candidatíssima ao Ministério dos Povos Originários, pasta a ser criada na futura administração e uma das promessas de campanha de Lula. O PT teria oferecido ainda outras duas opções: Ciência e Tecnologia e Esportes. Faria sentido não aceitar a indicação em nome da “independência”?

A dúvida entre os dirigentes é se o partido deve ou não aceitar cargos na futura administração

Este é um dos dilemas sobre a mesa da reunião de sábado e o desfecho indicará o grau de maturidade do partido. Faz tempo, o PSOL deixou de ser uma agremiação concentrada em poucas capitais e na classe média urbana. Eleição após eleição, a legenda cresce em número de votos, de filiados e de eleitos. Há mais jovens atraídos pelas propostas psolistas e percebe-se certo enraizamento nas periferias, além do fato de Boulos ter se tornado uma liderança promissora no campo progressista. Os tempos de sectarismo juvenil ficaram para trás e o crescimento impõe não só novas posturas, mas também novas estratégias. Aliás, Boulos não deve integrar o governo. Pré-candidato à prefeitura de São Paulo em 2024, alicerçado pelo desempenho na eleição de 2020, quando disputou o segundo turno contra o falecido Bruno Covas, e pelo recorde de mais de 1 milhão de votos para deputado federal este ano, o coordenador do MTST teria pouco tempo para imprimir marca própria em um ministério antes de deixar o cargo e mergulhar na campanha municipal. Mais interessante, do ponto de vista eleitoral, será assumir na Câmara a relatoria de algum projeto de vulto no primeiro ano de administração petista.

Uma alternativa para acomodar as diferenças internas seria liberar integrantes do partido ligados a movimentos sociais que eventualmente venham a ser convidados para cargos no governo, caso de Guajajara, ligada à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. As indicações seriam vistas, portanto, como um aceno petista à sociedade civil organizada e não aliança explícita entre os partidos. “Se, eventualmente, integrantes do PSOL forem indicados por algum movimento social para ocupar cargos no governo, não haverá veto a essa participação, desde que não seja uma indicação do partido propriamente, porque, na nossa avaliação, é mais coerente e consequente continuar fazendo o que fizemos durante anos, que é preservar os nossos compromissos originais de defender uma sociedade mais justa e igualitária”, afirma Erundina. Braga discorda. Para ele, ­Guajajara seria mais importante no Congresso. “A Sônia, figura extraordinária, vai fazer a maior diferença possível se estiver no exercício do mandato como deputada federal, enfrentando o latifúndio. Isso é algo que ela sempre fez sem ter mandato, e agora teria ainda mais peso.”

Divergência. Sâmia Bomfim e Glauber Braga prefeririam manter distância – Imagem: Redes sociais

Érika Hilton, deputada federal eleita por São Paulo, acredita ser possível manter a autonomia e ocupar posições no governo. Segundo ela, em 24 de novembro, a futura bancada parlamentar reuniu-se pela primeira vez em Brasília para debater a conjuntura política pós-eleições e ficou definido de saída que o grupo não apoiaria a reeleição de Arthur Lira à presidência da Câmara. Posição diferente dos demais partidos da coligação do presidente. “Isso demonstra a nossa independência com as questões com as quais não concordamos.” Hilton acrescenta: “A independência do PSOL em relação à reeleição de Lira na Câmara se dá, em primeiro lugar, para garantir a vocalização das bandeiras sociais e econômicas que não têm espaço em uma coalizão parlamentar encabeçada pelo Centrão. Em segundo lugar, para que haja representação no Congresso capaz de cobrar e pressionar o Poder Legislativo pela punição dos crimes de Bolsonaro durante os últimos quatro anos, agenda impossível de se conciliar com o bloco formado por Lira, onde estão diversos dos aliados e possíveis cúmplices dos crimes do bolsonarismo”. A legenda, prossegue, tem “responsabilidade de defender o governo Lula contra qualquer tipo de golpismo”, mas pondera: “Não precisamos de cargo para fazer essa defesa. Ao mesmo tempo, temos legitimidade popular para ocupar eventuais espaços, por sermos referência nacional em diversas agendas progressistas encampadas na campanha que derrotou Bolsonaro, e também porque fomos parte fundamental na militância que ajudou a eleger Lula”.

Carolina Iara, codeputada da Bancada Feminista na Assembleia Legislativa de São Paulo, lembra o apoio do partido ao PT e a Lula nos momentos mais difíceis. “Como parlamentar transexual, sei bem o tamanho do desafio que será derrotar ideológica e politicamente o bolsonarismo, que não termina com o fim do governo Bolsonaro. Estaremos ao lado de Lula nisso, assim como estivemos na luta contra o golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rousseff, e contra a Lava Jato, que culminou na prisão de Lula. Seguiremos no apoio às medidas positivas, mas manteremos a nossa independência.”

O partido concorda ao menos em um ponto: é preciso unir forças contra o golpismo e o bolsonarismo

O momento é delicado. A oposição não aceita a derrota nas urnas e redobra a aposta em ações violentas nas ­ruas. Na segunda-feira 12, dia da diplomação de Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral, bolsonaristas espalharam o terror em Brasília. Vândalos atearam fogo em ônibus e tentaram invadir a sede da Polícia Federal, para tentar libertar um cacique de araque preso por participar de atos golpistas. Diante do cenário, Braga afirma que a prioridade deve ser “garantir a posse de Lula e sua permanência no governo e enfrentar a extrema-direita e os liberais, incluindo o Centrão”.

O clima de terror deixa Erundina com os ouvidos e os olhos atentos. Ela, que aos 88 anos atravessou duas ditaduras no século XX, afirma: “Os crimes que Bolsonaro cometeu ao longo do governo, os atos que atentaram contra a normalidade democrática, o risco que passamos no ‘7 de Setembro’ de 2021, tudo isso me leva a pensar que o PSOL tem uma tarefa muito importante pela frente, de ampliar e consolidar uma base popular consciente e disposta a lutar para restabelecer a democracia, porque o Estado Democrático de Direito é o nosso maior bem”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Grilo falante”

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

10s