Política
Grandes empresas brasileiras não conseguem mais se esconder atrás do ‘greenwashing’
Europa, China e EUA levantam barreiras ambientais e discutem medidas que vão atingir em cheio os investimentos no País


[ERRAMOS: essa reportagem foi atualizada]
A fatura pela destruição das estruturas de fiscalização ambiental e o negacionismo do governo chegou. A União Europeia, a China e os EUA, principais parceiros comerciais do Brasil, decidiram fechar o cerco contra o desmatamento e discutem medidas que vão atingir em cheio os investimentos no País, o desempenho financeiro das empresas brasileiras, e podem até impactar no preço final de produtos. Os anúncios vêm na esteira da Conferência do Clima da ONU, na qual o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, escandalizou o mundo ao dizer que “onde há floresta há pobreza”. Enquanto discursava, o Inpe, instituto vinculado ao governo federal, tinha em mãos dados aterradores: de agosto de 2020 a julho de 2021, a Amazônia Legal perdeu 13.235 quilômetros quadrados de vegetação nativa, a maior devastação em 15 anos.
Após a COP26, os chineses e os norte-americanos divulgaram uma declaração conjunta, endurecendo as regras contra o desmatamento. É a primeira vez que a China, destino de um terço de todas as exportações do agronegócio brasileiro, assume um compromisso desse tipo. Dentre as medidas anunciadas pela UE no âmbito da European Green Deal (2019/2024) está o veto à importação de produtos do agronegócio que estejam ligados ao desmatamento ou à degradação do meio ambiente. A iniciativa pode afetar as compras de commodities como soja, café, óleo de palma, cacau, carne de boi, madeira e derivados. De acordo com o texto, produtos que venham de solo desmatado serão vetados a partir de dezembro de 2020. Quem descumprir corre o risco de ter a mercadoria confiscada e pagar multa de 4% sobre o faturamento.
Os europeus pretendem ainda regulamentar o transporte de resíduos e apresentar um plano de conservação do solo até 2030. As propostas devem passar pela Eurocâmara e pelo Conselho Europeu, antes de se transformarem em lei. O governo brasileiro classificou a medida como “protecionismo ambiental”, e Bolsonaro preferiu desdenhar: “É só não comprar madeira nossa”.
Estudo da UFMG revela: 17% da carne e 20% da soja exportada à UE vêm de áreas devastadas do Cerrado e da Amazônia
Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais revela que ao menos 17% da carne e 20% da soja produzidas na Amazônia e no Cerrado e exportadas para a União Europeia são oriundas de áreas de desmatamento ilegal ou degradadas. Entre 2008 e 2018, ao menos 2 milhões de toneladas de soja produzidas em territórios devastados tiveram a UE como destino. Por ano, o bloco importa 190 mil toneladas de carne bovina. Publicado na revista Science, o estudo “Maçãs Podres” constatou ainda que 2% dos imóveis rurais são responsáveis por 62% da área desmatada ilegalmente nos dois biomas.
Não adianta dar um “jeitinho”. Os europeus também fecharam o cerco ao chamado greenwashing (maquiagem verde), quando empresas apresentam “virtudes ambientais” para omitir práticas ilegais em sua cadeia produtiva. Uma investigação da Global Witness aponta que três das maiores exportadoras de carne do Brasil – JBS, Marfrig e Minerva – tiveram seus produtos associados a práticas de desmatamento, além de comprarem gado de pecuaristas acusados de grilagem, abusos de direitos humanos de povos indígenas e ativistas, regime análogo à escravidão e até mesmo assassinato de trabalhador rural sem-terra.
Apenas em 2017, esses frigoríficos abateram mais de 18 milhões de cabeças de gado, 40% da capacidade de abate na Amazônia e 64% do total das exportações brasileiras de carne bovina para mercados como UE, EUA e China. Somados os valores, o lucro das três empresas em 2019 foi de mais de 7 bilhões de dólares, de acordo com a apuração da ONG. O levantamento mostrou que, no Pará, as três empresas compraram gado de 379 fazendas com mais de 20 mil campos de futebol de desmatamento ilegal entre 2017 e 2019, tendo a JBS na ponta. Intitulado “Carne Bovina, Bancos e a Amazônia Brasileira”, o estudo também identificou financiamentos da ordem de 14 bilhões de reais obtidos pelas companhias em bancos europeus e americanos, além de 6 bilhões captados no mercado financeiro nacional. Para a Global Witness, a ausência de fiscalização nos países importadores facilita uma cadeia global de produtos advindos de crimes ambientais, maquiados pela lógica do greenwashing.
Vexame. “Onde há floresta, há pobreza”, disse o ministro Leite na COP26
A Minerva contesta o relatório da ONG. “Em relação às 16 fazendas que o estudo relaciona à Minerva Foods, três delas nem sequer estão cadastradas no banco de dados da companhia e as outras 13 atendem integralmente aos critérios de sustentabilidade”, afirma a assessoria de comunicação da empresa. “Além disso, a Minerva Foods não está vinculada a 379 fazendas mencionadas.” De acordo com a companhia, 100% dos fornecedores são monitorados, inclusive com o uso de tecnologias com georreferenciamento e cruzamento de dados.
A investigação levou o Ministério Público Federal no Pará a realizar uma série de auditorias nos Termos de Ajustamento de Conduta da cadeia da pecuária e no Protocolo Verde de Grãos, que vêm sendo assinados desde 2009 com 42 empresas. No caso da gigante JBS, ficou constatado que 31,99% do gado adquirido pela empresa apresentava indícios de irregularidades. Em um ano, o frigorífico teria comprado 940 mil cabeças, das quais 300 mil são oriundas de áreas de desmatamento. Em acordo firmado com a Procuradoria, a empresa se comprometeu a pagar 5 milhões de reais para o reparo de danos ambientais.
Os promotores também instauraram um inquérito civil sobre as compras de gado da JBS de uma das fazendas que constavam na investigação da Global Witness. Segundo a investigação, o frigorífico comprou, em 2020, gado de uma fazenda localizada na região do Araguaia, onde foram identificados desmatamentos nos anos de 2009, 2010, 2012, 2016 e 2017. “A JBS é uma empresa que investe muito dinheiro em marketing para encobrir os crimes que vem praticando a qualquer custo, sem medir respeito a absolutamente nenhuma autoridade, inclusive ao Ministério Público Federal”, diz a ação.
A Global Witness acusa três das maiores exportadoras de carne do Brasil de encobrir as irregularidades de seus fornecedores
Por meio de nota, a JBS afirmou que usa há dez anos um sistema de monitoramento geoespacial e que mais de 14 mil fornecedores foram bloqueados por não atenderem aos critérios socioambientais. Sobre a investigação da ONG, a JBS informou que “houve falhas críticas na metodologia de análise da Global Witness” e que a empresa seguiu o que foi pactuado com o MPF.
A Marfrig, por sua vez, afirma que, desde 2009, monitora 30 milhões de hectares na Região Amazônica, via satélite e em tempo real. O sistema de compra de gado é submetido à avaliação de auditores externos. Nas últimas oito auditorias anuais, a companhia esteve 100% em conformidade com os requisitos auditados de seus fornecedores diretos. Além disso, a empresa lançou, no ano passado, o Plano Marfrig Verde+. Pioneiro no País, ele tem o objetivo de rastrear 100% da cadeia da companhia (incluindo fornecedores indiretos) até 2025 no caso da Amazônia e até 2030 para os demais biomas. Sobre o relatório da Global Witness, o frigorífico diz que, nos 89 casos indicados pela ONG, não houve nenhum abate irregular por parte da companhia.
A previsão é de que as novas regras da União Europeia passem a valer entre o segundo semestre de 2022 e início de 2023, o que deixa pouco tempo para as empresas exportadoras e para o Brasil se adequarem ao sistema de due diligence (diligência prévia), avaliam especialistas. “A preocupação com o desmatamento deveria ser uma política interna. A Amazônia distribui chuvas para os reservatórios do País que produzem energia elétrica, além de influenciar na produção agrícola. O PIB depende dela”, observa Marcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima. “Os maiores blocos do mundo pedem o fim do desmatamento e o que o governo Bolsonaro faz? Entrega mais desmatamento.”
Coordenador de Gestão Ambiental da UFMG e um dos autores do estudo “Maçãs Podres”, Raoni Rajão lamenta a “derrota histórica” de nossa diplomacia sob Bolsonaro. “Temos uma legislação forte que nos permite negociar. Mas fizeram tantos ataques a ela nos últimos anos que só resta ao País aceitar as sanções.”
[*Erramos: Diferentemente do que sugere a versão impressa da matéria, os 5 milhões pagos pela JBS são fruto de um acordo, e não de um pedido da Procuradoria.]
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS: JOÃO LAET/AFP E PIETRO NAJ-OLEARI/PARLAMENTO EUROPEU – MMA
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1185 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE NOVEMBRO DE 2021.
Com a palavra, a JBS
A respeito da reportagem Grande empresas brasileiras não conseguem mais se esconder atrás de “greenwashing”, publicada em 30 de novembro de 2021, a JBS gostaria de salientar que o texto traz equívocos que poderiam ter sido evitados caso a Companhia tivesse sido devidamente questionada durante o processo de apuração da reportagem.
De início, é preciso esclarecer que a JBS foi procurada, por e-mail, pela repórter que assina a matéria, em 23 de novembro.
Os questionamentos enviados na ocasião foram sobre uma investigação antiga da ONG Global Witness, publicada em 02 de dezembro de 2020, e sobre um caso do longínquo ano de 2015, envolvendo um suposto fornecedor da JBS.
Resposta de CartaCapital: Os questionamentos não foram em torno do caso do fornecedor. A pauta tinha como gancho as novas regras da União Europeia (pergunta que a JBS não quis comentar, como consta na troca de e-mails) e a investigação da ONG Global Witness.
A pergunta “sobre um caso do longínquo ano de 2015, envolvendo um suposto fornecedor da JBS” foi de fato enviada. Trata-se do caso do pecuarista Ezequiel Castanha. O caso, contudo, terminou não sendo tratado na reportagem. Não caberia, portanto, questionar o que sequer foi publicado.
Depois disso, a equipe de comunicação que atende a JBS esteve em contato com a jornalista por ligações telefônicas e troca de mensagens, sem que qualquer outro tema tivesse sido questionado.
Para nossa surpresa, a reportagem publicada utilizou o resultado da auditoria do TAC do Pará para o ano de 2018 para criticar a JBS. O fez sem que fosse oferecida à Companhia a chance de apresentar seus argumentos a respeito, como prevê as boas práticas do jornalismo.
Resposta de CartaCapital: A informação da auditoria do MPF surgiu durante a apuração – e após o envio do primeiro e-mail. Imediatamente, a repórter entrou em contato com a assessoria da JBS com quem mantinha contato falando sobre o o MPF, para que fosse incluída na resposta seguida de mensagem confirmação de aumento no prazo da demanda para enviar as respostas.
Caso a JBS tivesse sido questionada sobre o assunto durante a apuração da matéria, teria tido a oportunidade de esclarecer alguns pontos que levaram a equívocos no texto. Quais sejam:
1 – Não há multa ou pedido do MPF para que a JBS pague R$ 5 milhões para o estado do Pará para reparar danos ambientais. Essa é uma afirmação equivocada. O que há é um acordo, devidamente firmado entre JBS e MPF, para que um conjunto de ações sejam implementadas para reforçar a sustentabilidade da cadeia de fornecimento de bovinos no Pará e para ampliar a adoção de boas práticas por toda a indústria. Inclusive, basta conferir o que o próprio MPF declarou a esse respeito na live em que apresentou os resultados da auditoria.
Resposta de CartaCapital: Neste ponto, erramos. O que há não é multa, e sim um acordo de 5 milhões.
2 – Também não há um novo inquérito civil instaurado pelo Ministério Público do Pará, como afirma equivocadamente a reportagem. O que há é uma denúncia ao MPF realizada por uma terceira parte que, importante frisar, atua em um concorrente direto da JBS. Tal denúncia ainda está em fase de apuração, com espaço para o contraditório, e poderá ser acatada ou não. A JBS, inclusive, já deu sua resposta, e poderia ter respondido à reportagem se tivesse sido questionada. Portanto, não é um inquérito. Ainda mais grave é a reportagem atribuir equivocadamente ao MPF uma frase que é parte, na verdade, da denúncia.
Resposta de CartaCapital: Há sim um inquérito instaurado pela Portaria de IC n. 83, de 1o de julho de 2021 – confirmado pelo MPF que se trata do caso mencionado na reportagem sobre a quebra do TAC referente a fazenda Princesa do Araguaia. O documento pode ser acessado aqui.
3 – A auditoria do TAC da Pecuária do Pará não tem qualquer relação com a investigação conduzida pela Global Witness, como o texto erroneamente tenta demonstrar. Ora, a auditoria do TAC da pecuária já está no seu terceiro ciclo. Desde a assinatura do TAC, em 2009, o MPF-PA monitora a cadeia produtiva da pecuária e atua em conjunto com as empresas buscar a evolução do setor. É um erro reduzir esse esforço a uma mera reação a um estudo divulgado por uma ONG estrangeira.
Resposta de CartaCapital: Questionável. Fontes da Global Witness sustentam que, a partir da publicação do relatório, promotores do MPF no Pará realizaram uma auditoria oficial do TAC das compras de gado da JBS entre 2018 e meados de 2019 (período de tempo contemplado pela investigação).”
A reportagem também menciona o fato de que os TACs ocorrem desde 2009. Mais especificamente, no trecho a seguir:
“A realização dos TACs desde 2009 está incluído na reportagem: “A investigação levou o Ministério Público Federal no Pará a realizar uma série de auditorias nos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) da cadeia da pecuária e no Protocolo Verde de Grãos que vem sendo assinados desde 2009 com 42 empresas”.
Por fim, a JBS gostaria de manifestar o seu descontentamento como o próprio uso da investigação da ONG Global Witness na reportagem, dado que esse conteúdo foi amplamente divulgado e respondido há quase um ano, em dezembro de 2020. Ou seja, ao incluir essa investigação na matéria como se uma novidade fosse, sem deixar explícita a data de sua produção, a Carta Capital confunde o seu leitor.
Embora publicada no fim do ano passado, a investigação seguiu repercutindo ao longo de 2021. Inspirou inclusive reportagens de veículos estrangeiros, como o Financial Times, nessa reportagem de 21 de outubro de 2021: https://www.ft.com/content/ff1eccc8-645a-497b-a02d-6eb38efe6219
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