Política

“Governo não tem condição moral de combater corrupção”

Em entrevista à DW, Jorge Hage, ministro mais longevo da CGU, afirma que não há mais nada de útil que se possa esperar de Temer no Planalto.

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Por Malu Delgado

Jorge Hage foi o ministro mais longevo da Controladoria-Geral da União, com mais de oito anos no cargo. Passou pelos governos dos presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, mas nunca teve filiação ao partido. Atualmente, comanda uma consultoria em compliance, com sede em Brasília, e tem como sócio Luiz Navarro, outro ex-comandante da CGU.

Em entrevista à DW Brasil, por e-mail, antes de a Procuradoria-Geral da República apresentar a denúncia contra Michel Temer, Hage afirmou que não se pode esperar nada de útil deste atual governo, “muito menos no combate à corrupção“. “É um governo em estado terminal.”

DW Brasil: A Controladoria-Geral da União foi transformada em ministério pelo atual governo, e houve críticas de servidores sobre o risco de politização da pasta.  Um ministro recém-indicado ficou menos de um mês no cargo após a revelação de áudios em que criticava a Operação Lava Jato. Recentemente houve uma indicação claramente política para a pasta (o deputado Osmar Serraglio). Como o senhor vê as atuais polêmicas justamente em um órgão que deveria zelar pela correição do Estado?

Jorge Hage: O problema maior não é a “transformação” em “ministério”, mesmo porque isso pouco altera a essência das coisas, uma vez que o titular da Controladoria já era uma “ministro”. É pouco mais que uma mudança de nome, com alguns reflexos na estrutura de cargos em comissão. Problema um tanto mais grave estava por detrás da motivação do governo Temer (com seu grupo próximo todo ele envolvido em investigações que tinham horror à CGU) para fazer essa mudança.

Na verdade, queriam apagara a imagem e a memória de uma instituição, a CGU, cuja marca já se tornou conhecida e reconhecida nacional e internacionalmente. Você sabe como os símbolos são importantes  nessas coisas; pois eles queriam enterrar esse símbolo da luta anticorrupção, de modo a enfraquecê-lo. E conseguiram, em grande parte – embora em muitos ambientes, aqui e no exterior, as pessoas continuem a se referir a essa instituição como CGU.

O mais grave mesmo, todavia, foi a que se confirmou com as escolhas feitas para dirigir a CGU. O primeiro escolhido foi, em poucos dias, flagrado conspirando contra as investigações, junto com algumas altas autoridades investigadas, o que provocou aquela reação firme a decisiva dos servidores; e o governo teve que recuar. E agora mais recentemente, de novo, o Temer tentou, numa iniciativa desastrada, colocar lá um político. Mas, pior ainda, um político citado [na Operação Carne Fraca]. Resultado: nova reação de rejeição pelos servidores, que são profissionais de carreira, com alto nível de consciência. E o governo até hoje não conseguiu uma solução. Vai deixando lá um servidor da casa como interino. A esta altura, é a melhor coisa que ele pode fazer, deixar como está, porque qualquer nomeação será vista com justa desconfiança (pelos servidores e pela sociedade).

Esse é um governo em estado terminal, em seus estertores, não havendo nada de útil que se possa esperar mais dele, muito menos em matéria de combate à corrupção, até porque a cúpula do governo é, ela mesma, investigada e prestes a ser processada por corrupção.

Agora, é esperar pelo próximo governo, para ver o que virá.

DW: Especialistas têm dito que o volume de auditorias feitas pela CGU em municípios tem sido reduzido, que atuação da controladoria gradualmente perde forças. O senhor, por transitar neste meio e atuar com compliance, observa que as ações de fiscalização da CGU estão arrefecendo?

JH: Claro, pois esse governo pode ter interesse em fazer qualquer coisa, menos combater a corrupção. E, mesmo que quisesse combatê-la, apenas nos municípios, não teria a menor condição moral para fazê-lo. Além do que, a maioria dos prefeitos são seus próprios aliados, que estão na base eleitoral dos deputados da sua “base”, de quem o próprio presidente depende para não ser processado na STF (lembre que em breve deverá ser votado o pedido de autorização da Câmara para a PGR processar o presidente).

DW: O senhor passou anos no comando da CGU em governos petistas e nunca foi filiado ao PT. Na sua opinião, a controladoria precisa ter comando apartidário para assegurar sua autonomia?

JH: Sim, isso é importante para assegurar maior autonomia de ação e não criar constrangimentos com correligionários. Mas o essencial mesmo é a postura pessoal do dirigente e o respeito a sua autonomia da parte do presidente. Algo que seja negociado no momento da nomeação, ou que nem necessite ser mencionado, porque já está subentendido (como foi no meu caso). E se houver a menor tentativa de interferência, é hora de ir embora.

DW: Como o senhor vê o papel da CGU na homologação de acordos de leniência?

JH: A CGU é o único órgão com respaldo legal para celebrar esses acordos com as empresas, na esfera federal. Basta ler a Lei 12.846/2013. O que está acontecendo hoje é um absurdo total. Isso decorre de três fatores: 1) uma falha da lei, que não previu mecanismos de coordenação entre as instituições que têm poder de punir; 2) a disputa por protagonismo, ou seja, o poder de atração dos holofotes; e 3) o clima de suspeição e desconfiança recíproca e generalizada, que decorre do momento político excepcional que o país vive. É urgente uma providência legislativa, aprimorando a Lei Anticorrupção nesse ponto (Acordos de Leniência) que foi introduzido no Congresso dessa forma incompleta, sem prever a articulação entre CGU, AGU e MPF, o que deixa as empresas numa situação de total insegurança jurídica.

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