Política
Governo Lula usará derrota no IOF para reforçar embate contra os super-ricos e bets
Planalto via risco na votação e agora aposta em capitalizar o revés, culpando o Congresso por proteger bancos, bets e bilionários


A derrota do governo Lula (PT) na votação da medida provisória que substituía a alta do IOF com alternativas para equilibrar as contas públicas não foi uma surpresa a ministros do Palácio do Planalto. Na tarde desta quarta-feira 8, muitos já estavam pessimistas quanto à aprovação da MP. Os mais otimistas projetavam um placar apertado, como o visto na comissão especial do Congresso, nesta terça-feira.
O que surpreendeu o Planalto foi a manobra adotada pelos deputados. Ao invés de rejeitar as regras que renderiam ao menos 30 bilhões de reais aos cofres públicos, o consórcio Centrão-oposição decidiu aprovar a retirada da proposta da pauta.
Com um placar de 251 votos a 193, a maioria dos parlamentares votou para que o texto não fosse analisado em plenário. Ele até poderia ser discutido em outra sessão, mas às vésperas do prazo para a MP expirar — matéria precisaria ser aprovada até às 23h59 desta quarta —, isso significa que a decisão foi pela rejeição.
Integrantes do governo, porém, veem no revés uma possibilidade de engrossar o discurso de que o Congresso legisla em favor dos BBBs — bancos, bets e bilionários. Essa estratégia vem sendo gestada desde julho, justamente à luz das críticas de parlamentares do Centrão e do chamado mercado ao decreto presidencial que promoveu reajustes na cobrança do IOF. Os recentes protestos pelo País, instigados pela votação a toque de caixa da PEC da Blindagem, também estimularam a necessidade de reforçar a narrativa.
Por ora, a reação deve se concentrar no discurso. A reportagem apurou com fontes do Planalto que os ministérios foram orientados a produzir materiais informativos sobre os impactos da rejeição a programas sociais.
“Hoje ficou claro que a pequena parcela muito rica do País não admite que seus privilégios sejam tocados. Não querem pagar impostos como a maioria dos cidadãos. E não querem que o governo tenha recursos para investir em políticas para a população”, afirmou a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), logo após a votação na Câmara. “Quem votou para derrubar a MP que taxava os super ricos votou contra o País e o povo”.
Após a aprovação, o presidente Lula afirmou que a derrota não é do governo, mas sim do povo brasileiro. “Essa medida reduzia distorções ao cobrar a parte justa de quem ganha e lucra mais. Dos mais ricos. Impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas e contra a justiça tributária”, disse.
“O que está por trás dessa decisão é a aposta de que o País vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programas sociais que beneficiam milhões de brasileiros. É jogar contra o Brasil”, completou o presidente.
A votação desta quarta representa a perda de uma das principais fontes de arrecadação previstas para 2025 e 2026. O revés ao Palácio do Planalto contou com as digitais de deputados do PSD, PP e União Brasil — os dois últimos anunciaram o desembarque do governo, mas ainda mantêm seus espaços na máquina federal.
A estimativa da equipe econômica é de um rombo de 42,3 bilhões de reais até o ano que vem. Para congressistas do PT e de partidos aliados, não há outra razão para a articulação contrária ao texto senão restringir o espaço fiscal de Lula no ano em que ele deve buscar a reeleição.
Com a derrubada da medida, a equipe econômica precisará encontrar outras fontes de arrecadação. Uma das possibilidades, segundo o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), é o de ampliar o contingenciamento de emendas parlamentares entre 7 bilhões e 10 bilhões – o que tende a provocar novos embates entre Legislativo e Executivo.
Um ministro ouvido sob reserva projeta que o governo enviará ao Congresso um projeto de lei com urgência para retomar algumas medidas previstas na MP, mas a palavra final sobre isso virá de Lula.
Técnicos do Ministério da Fazenda, por sua vez, citam algumas alternativas que estão no radar, como editar uma medida provisória mais enxuta com foco apenas nos pontos de consenso, e retomar as proposições do governo através de atos normativos que não necessitam do aval do Congresso.
Lula entrou em campo
Articuladores do governo passaram o dia telefonando para deputados com objetivo de angariar votos que permitissem aprovar a medida provisória em plenário, mesmo com uma pequena margem. O presidente Lula chegou a convocar uma reunião com líderes na Câmara em meio ao cenário adverso.
No encontro com aliados, segundo relatos, Lula disse considerar que o clima no Parlamento seria uma tentativa de antecipar a disputa de 2026. A avaliação feita aos interlocutores teria mencionado o empenho do governador de São Paulo e seu possível adversário nas eleições, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em persuadir deputados a votarem contra a MP. O presidente foi alertado das dificuldades em passar o texto, mas manteve a defesa por inclui-lo na pauta desta quarta.
Por um motivo: os parlamentares que votassem para derrubar as medidas de arrecadação seriam expostos perante a opinião pública, sobretudo no momento em que a imagem negativa da Câmara ainda não decantou totalmente. Assim, seria possível sustentar o discurso de que o Congresso agiu para manter privilégios de alguns setores, como as bets e fintechs — as últimas, pivôs de investigações da Polícia Federal por servir de destino de dinheiro da facção Primeiro Comando da Capital, o PCC.
Originalmente, a MP previa uma arrecadação de 20,9 bilhões de reais em 2026 e um corte de gastos de 10,7 bilhões. Mas, com a série de mudanças feitas pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), em busca de apoio, a estimativa oficial de arrecadação ainda é incerta – as previsões mais otimistas previam obter ao menos 17 bilhões de reais.
Entre outras coisas, o parlamentar retirou do texto o aumento na taxação das bets. A proposta do governo previa ampliar a taxação sobre as casas de apostas esportivas, elevando a alíquota de 12% para 18% sobre o Gross Gaming Revenue, a receita bruta das apostas (total arrecadado menos o valor pago em prêmios aos jogadores). Zarattini, contudo, sugeriu criar um programa para tributar as bets que operaram no Brasil antes da fase de regulamentação – o Regime Especial de Regularização de Bens Cambial e Tributária.
O objetivo seria cobrar, de forma retroativa, recursos e bens provenientes da exploração de apostas de quota fixa que não tenham sido declarados, ou que tenham sido declarados com omissões, incorreções ou repatriados por residentes no País. Também há no texto medidas para combater as bets ilegais, não autorizadas a operar no Brasil, como remover conteúdo considerado irregular em até 48 horas.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Lula sanciona ampliação da isenção na conta de luz para até 60 milhões de pessoas
Por Wendal Carmo
Conselho de Ética abre processos contra deputados bolsonaristas por motim na Câmara
Por Wendal Carmo