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Governo Bolsonaro concentra esforços para evitar a CPI do MEC em ano eleitoral

Os pastores-lobistas e o fundo de educação nas mãos do Centrão deixam o governo à beira de uma CPI em ano eleitoral

Disputa. Nogueira atua nos bastidores para abafar o caso. Rodrigues coleta assinaturas para criar a CPI do MEC - Imagem: Marcelo Camargo/ABR, Waldemir Barreto/Ag.Senado e Clauber Cleber Caetano/PR
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O governo de santos do pau oco detonou na Semana Santa uma operação contra a criação de uma CPI do MEC, batalha política da vez em Brasília. A tentativa da oposição de vasculhar o Ministério da Educação nasceu graças à história daqueles pastores vendilhões de influência na pasta e encorpou com rolos noticiados depois. Jair Bolsonaro e o Centrão, ministro Ciro ­Nogueira à frente, não querem ser malhados feito Judas em Sábado de Aleluia. ­Seria ruim para as pretensões eleitorais e, claro, os negócios da turma. Na CPI da ­Covid, o Senado mostrou que o presidente e seus auxiliares podem até não acabar na cruz (a Procuradoria-Geral da República e a Câmara agiram feito Pilatos diante do relatório da comissão), mas estão ao alcance de chicotadas públicas.

Na quarta-feira 13, dia da conclusão desta reportagem, o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, tinha 26 das 27 assinaturas necessárias de colegas para entrar com o pedido de CPI. Reunira o número mínimo dias antes, mas o esforço ruiu, em razão de pressões comandadas por ­Nogueira, o chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Três senadores inicialmente signatários recuaram, lacuna preenchida em parte por outros dois. “Por que esse desespero? Porque este é um escândalo que atinge o coração do governo. Não chega somente no presidente da República, chega nas principais estrelas do governo”, afirma Rodrigues, um dos articuladores de um jantar tido pelo ex-presidente Lula com senadores em meio à confusão, na segunda-feira 11.

Tentar investigar obras paradas na área da Educação e começadas com Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer foi outra ação do governo federal contra a CPI. O senador pelo Rio Carlos Portinho, do PL de Bolsonaro, obteve 28 assinaturas para propor uma comissão de inquérito sobre essas obras, ideia sustentada em uma informação a respeito de atrasos dada à Comissão de Educação do Senado em 7 de abril pelo presidente do FNDE, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Marcelo Lopes da Ponte.

Aliado de Lira lucrou 420% ao revender kits de robótica ao FNDE, sob a influência do ministro Ciro Nogueira

Este é um dos personagens a deixar o Centrão na berlinda. Ponte assumiu o fundo em maio de 2020, indicado por ­Nogueira. Era seu chefe de gabinete no ­Senado. Uma semana antes, chegara ao órgão Gharigham Amarante Pinto, diretor de ações educacionais. É um ­apadrinhado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, chefe do PL. Trabalhava há anos na liderança do partido na Câmara. O ministro da ­Educação da época, Abraham ­Weintraub, deixaria o cargo no mês seguinte, por ter xingado juízes do Supremo Tribunal Federal em uma reunião ministerial. Hoje, inconformado por não ter apoio do presidente para disputar o governo paulista, Weintraub conta que Bolsonaro lhe dera uma ordem no governo: “Você vai ter que entregar o FNDE pro Centrão”.

Comandado pelo Centrão e dono de 1,8 bilhão de reais este ano para gastar como quiser, embora seu caixa total seja de 42 bilhões, o fundo tem sido uma usina de negócios suspeitos. Um destes foi a compra de 3.850 ônibus escolares. Amarante pediu internamente um orçamento para orientar uma licitação. Recebeu uma proposta de 1,3 bilhão de reais, baseada nos preços de uma aquisição anterior, de junho de 2021, e na inflação. Ele mudou as contas. Incluiu o orçamento dos fornecedores do pregão anterior. A referência para o leilão subiu a 2 bilhões, uma festa para as firmas concorrentes. Em razão do noticiário, o leilão realizado em 5 de abril teve outro parâmetro, de 1,5 bilhão. O Tribunal de Contas da União, auxiliar do Congresso na vigilância do governo, embargou o processo até concluir uma apuração do caso.

Da mesma forma, levanta desconfianças sobre o FNDE o plano de construir 2 mil novas escolas. Há 3,5 mil inacabadas, por que não as terminar primeiro? Talvez porque já tenham empreiteira definida. Além disso, o fundo não possui verba suficiente para bancar o canteiro de obras, daí o relato do jornal O Estado de S.Paulo ter sido resumido com a ideia de “escolas fake”, para existir no papel e no gogó. Detalhe: o governo não só não quer finalizar as escolas inconclusas como defende uma CPI para elas.

Do FNDE saiu a grana para um enredo suspeito a botar em cena o presidente da Câmara, Arthur Lira, figurão que age com Nogueira, seu colega de PP, na sabotagem da CPI do MEC. O fundo destinou 26 milhões de reais à aquisição de kits de robótica para escolas de sete municípios de Alagoas, várias delas sem água, salas de aula, computadores e internet. Lira é de Alagoas. A empresa fornecedora, a Megalic, é intermediadora, não fabricante. Vendeu por 14 mil um kit que lhe custara 2,7 mil, conforme a Folha de S.Paulo. A secretária de Educação da cidade de Flexeiras, Maria José Gomes, contou ao jornal ter conseguido o dinheiro graças a Lira. A prefeita da cidade, Silvana da Costa Pinto, é do PP.

Conselhos. Os aliados centristas pedem que Lula priorize a pauta econômica e reforce os laços com o vice, Alckmin – Imagem: Ricardo Stuckert e Rayssa Lorena/PSB

Se os rolos acima dão corda à ideia de uma CPI do MEC, o ponto de partida do pedido de inquérito é o caso dos pastores-lobistas. O depoimento de alguns prefeitos à Comissão de Educação do Senado no início do mês confirmou a existência de religiosos cobradores de propina em troca de ajuda para liberar recursos do Ministério da Educação. O tucano Gilberto Braga, da cidade maranhense de Luís Domingues, narrou como dois pastores lhe pediram 15 mil reais adiantados e 1 quilo de ouro no futuro. A oferta foi feita em um almoço em Brasília após uma reunião de prefeitos no MEC, em abril de 2021. Partiu dos pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura. O primeiro é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil. Moura é diretor da entidade.

A revelação do esquema derrubou o pastor Milton Ribeiro do cargo de ministro da Educação em 28 de março. Em depoimento à Controladoria-Geral da União, Ponte, do FNDE, disse ter ouvido uma insinuação de propina por parte de Moura. Uma CPI poderia ajudar a esclarecer o papel de Bolsonaro na ação dos lobistas. Em áudio divulgado pela Folha, Ribeiro explicou por que abriu as portas da pasta a eles: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar”. Defensora do governo nos tribunais, a Advocacia-Geral da União apontou “menção indevida” ao capitão por Ribeiro. A posição foi expressa no Tribunal Superior Eleitoral, em uma ação do PT para Bolsonaro ser punido por abuso de poder político e econômico.

A Bancada da Bíblia reforçou a operação do governo contra a CPI. Seu líder, deputado Sóstenes Cavalcante, do PL do Rio, prega que “senador que assinar (a CPI) vai ter desgaste com o segmento”. Curioso: ao surgir o escândalo, dizia apoiar uma investigação e que os fatos envergonhavam os crentes. A pressão evangélica deu certo com o senador ­Weverton Rocha, do PDT do ­Maranhão, um dos três que desistiram de apoiar a CPI. Os outros dois refugadores foram Oriovisto Guimarães, do Paraná, e Styvenson Valentin, do Rio Grande do Norte, ambos do Podemos. Alegaram que a investigação viraria palanque eleitoral.

“Os responsáveis pela CPI não somos nós que assinamos, é o governo que roubou e deixou roubar no MEC”, afirma Randolfe Rodrigues. Segundo ele, há um “esquema escabroso pelo qual está saindo pelo ralo o dinheiro que deveria ser destinado à educação de crianças e jovens”, graças a “uma quadrilha que se apoderou do Ministério da Educação” e tem “raízes no Centrão”. A Comissão de Educação do Senado tem tentado destrinchar as denúncias, mas esbarra em limitações que uma CPI não tem. Não pode convocar quem não seja ministro. Ribeiro deu o cano nela quando não era mais ministro, idem os pastores. Ela também não tem poder de quebrar sigilos bancário, telefônico e fiscal.

Em jantar com Lula, caciques do MDB no Nordeste rifaram a candidatura de Simone Tebet

Se Rodrigues conseguisse a assinatura faltante para protocolar o pedido de CPI, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas, teria um pepino após a Páscoa. Caberia a ele examinar se tanto esse pedido quanto aquele de uma CPI das obras inacabadas atendem aos requisitos legais. Decidir simplesmente não instalar as comissões ele não pode. Na da Covid, o Supremo deixou claro que o presidente do Senado não pode engavetar a seu bel-prazer. “Sou realista. Há provas muito contundentes (para uma CPI do MEC), mas também tenho presente que o governo opera (contra). O Ciro (Nogueira) é um dos eventuais investigados”, diz o senador petista Humberto Costa, de Pernambuco.

Costa foi um dos participantes do jantar de Lula com cerca de 15 senadores na segunda-feira 11 em Brasília, na casa do emedebista Eunício Oliveira, do Ceará. Um encontro para mostrar que parte do MDB, especialmente do Nordeste, não engolirá uma candidatura da colega Simone Tebet pela “terceira via”. Renan Calheiros, de Alagoas, pró-CPI do MEC, acha que com Simone o MDB repetiria o erro em 2018: lançar um candidato fraco (era Henrique Meirelles há quatro anos) que atrapalha a campanha de deputados e senadores. Curiosidade: há senador do PT que vê Simone como antipetista e preconceituosa com o partido.

O jantar serviu ainda para os potenciais aliados centristas de Lula manifestarem preocupação com declarações recentes dele a favor de o aborto ser tratado como questão de saúde pública e de sindicalistas pressionarem parlamentares na casa destes. Seriam posições que tirariam votos de um eleitor conservador, apesar de a indicação formal de Geraldo Alckmin, do PSB, para ser vice do petista funcionar como sinal na direção oposta. “O foco do discurso do Lula será a economia, o desemprego, a inflação, mas sem negligenciar temas sensíveis”, diz o senador Rogério Carvalho, do PT de Sergipe, outro participante do jantar.

Para Carvalho, a economia não deverá melhorar nos próximos meses a ponto de favorecer a reeleição de Bolsonaro, como a turma do Centrão alardeia. Esse tema tem garantido a força da pré-candidatura de Lula, graças à memória do governo dele. O PT pediu a cientistas políticos uma análise das pesquisas e a resposta que recebe é de que a subida de Bolsonaro da casa de 25% para 30% é a recuperação de um certo eleitor pelo presidente. E que o quadro atual, com Lula na casa de 40% a 45%, é o mesmo há um ano. Uma CPI mudaria isso? •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Santos do pau oco”

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