Política

Ana Moser sobre o novo ministro: “não vemos nenhum projeto”

A ex-atleta critica o novo titular do Esporte, o pastor da Universal George Hilton (PRB-MG); elogia, contudo, sua disposição ao diálogo

À frente da ONG Atletas pelo Brasil, Ana Moser luta para que o esporte seja tratado como instrumento de transformação social
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A nomeação do deputado federal e pastor da Igreja Universal George Hilton (PRB-MG) para o Ministério do Esporte, a menos de dois anos das Olimpíadas, gerou uma onda de protestos na comunidade esportiva brasileira. Em seu primeiro mês à frente da pasta, Hilton vem tentando tenta driblar seu desconhecimento na área usando o diálogo. Neste mês, foi mediador do embate entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Bom Senso FC sobre a renegociação da dívida dos clubes de futebol com a União.

Para a presidente da ONG Atletas Pelo Brasil e ex-jogadora de vôlei Ana Moser, a nomeação do líder evangélico simboliza o descaso histórico do governo federal com o Ministério do Esporte, uma realidade mesmo nesta década na qual o Brasil recebeu a Copa do Mundo de 2014 e realizará os Jogos Olímpicos de 2016.

Ana, contudo, tem alguma esperança: “a iniciativa do novo ministro em buscar o diálogo com as entidades esportivas pode ser positivo”. Em entrevista a CartaCapital, Ana Moser falou ainda sobre como o Esporte pode ser um aliado das pastas de Saúde e Educação, e criticou as empresas patrocinadoras que, ao pressionar por bons rendimentos, ajudam a perpetuar a lógica de se priorizar os recursos para os atletas que podem render medalhas e retornos de marketing:

CartaCapital: Qual a sua opinião sobre o novo ministro do Esporte?

Ana Moser: A Atletas Pelo Brasil deixou claro seu descontentamento. Em um momento tão importante a pasta foi entregue a um partido sem conhecimento da área, e não enxergamos nenhuma ideologia, projeto ou uma visão para o setor. Assim que o ministro tomou posse, vimos movimentações e conversas, como com a Confederação Brasileira de Clubes por exemplo. Ele está se informando, tentando se cercar de setores do Esporte.

CC: Existiram ministros, em diferentes pastas, que não tinham experiência na área e foram bem-sucedidos, como José Serra, quando foi ministro da Saúde. Para o Ministério do Esporte bastaria ser bem intencionado e dialogar com entidades para construir uma boa gestão?

AM: Temos que construir as bases para depois dessa década esportiva do Brasil. E aí não falo só de equipes olímpicas. Falo de um esporte mais democrático, como direito de todos, criando hábitos saudáveis. A prática esportiva não está relacionada apenas a medalhas internacionais, mas também é vital para a saúde da população.

CC: Na sua opinião, o ministro do Esporte deveria ser um ex-atleta?

AM: Não precisa ser ex-atleta para entender de política pública de Esporte. O que a gente não vê é um projeto.

CC: A pasta é vista como uma vitrine, principalmente para os partidos menores da base aliada…

AM: Esporte dá muita visibilidade. Todo mundo gosta de sair na foto ao lado de medalhistas ou outros esportistas que comovam a população, mas esse é um pensamento muito antigo. Hoje o Esporte é visto de maneira muito mais ampla no mundo, sempre ligado à educação e à saúde. Por aqui, infelizmente, a política esportiva costuma ser reduzida ao esforço para a conquista de medalhas.

CC: O novo ministro disse que a palavra de ordem de sua gestão será o diálogo. Um exemplo disso é a mediação entre o Bom Senso F.C. e a CBF. A senhora acredita que possa existir um fortalecimento de entidades ligadas aos atletas?

AM: Eu acho que sim. Ele tem colocado essa disposição ao diálogo desde o início. Só que falar com o setor, todos os ministros falam. O que precisa haver é uma interlocução constante. A nomeação do ministro Hilton tem dois lados. O desconhecimento do ministro é um lado ruim. Mas, por outro lado, tem a possibilidade da construção conjunta com quem trabalha há muito tempo na área. Ele está reativando a Comissão Nacional de Atletas, com o Lars Grael como presidente, com carácter consultivo.

CC: A nomeação inicialmente vista com maus olhos pode então virar uma boa surpresa?

AM: Exatamente. Ele pode dar espaço para que a contribuição mútua entre organizações esportivas e o ministério aconteça.

CC: Em sua posse Hilton prometeu atenção especial ao esporte social, educacional e de inclusão social para jovens. Isso não deveria ter sido feito antes?

AM: Estamos bastante atrasados. Houve muitos avanços recentemente, mas em um ritmo muito lento frente ao desafio de 50 milhões de jovens apenas na rede pública de educação. A aliança entre esporte e educação sempre esteve presente nos discursos. Na hora de virar prática, no entanto, vem a forte pressão pelo esporte de alto rendimento, vem a pressão por resultados nas Olimpíadas. As empresas patrocinadoras querem um retorno, querem sua imagem ligada a campeões. E é para este objetivo que acaba sendo utilizada a maior parte do tempo e dos recursos. Essa é a verdade. Sou como São Thomé: preciso ver para acreditar. O discurso fácil, previsto na Constituição, é o de um esporte para todos. Mas na hora de cumprir não é bem assim.

CC: Mas não faltam esforços interministeriais também?

AM: É exatamente isso, faltam políticas conjuntas entre o Esporte a Educação, a Saúde. Até porque os recursos maiores estão nessas outras pastas, e o Esporte é uma ferramenta para os ministérios da Saúde e da Educação alcançarem alguns de seus objetivos. Não há como não defender isso, mas na prática as políticas não se realizam, não são prioridade. Vivemos um dilema no Brasil, não conseguimos criar uma cultura esportiva porque secretários e prefeitos não têm experiência e não entendem do assunto. Então se não houver um governo com planejamento e recursos, não muda. Pode até avançar um pouco, mas nunca cumprirá a demanda. Falta um ministro do esporte forte e com apoio da presidente para mudar essa cultura.

CC: O fato de Hilton ter sido indicado na cota política do governo mostra que o Esporte não é prioridade para o governo?

AM: Essa foi nossa reclamação, mas historicamente o Esporte é assim nos municípios, estados e no governo federal. Justamente por conta dessa falta de cultura esportiva. Por exemplo: o mundo inteiro está enfrentando a obesidade e o sedentarismo e o Brasil ainda não tem maturidade para debater e tornar isso uma prioridade.

CC: O Brasil vai perder a oportunidade de criar essa cultura apesar da Copa e das Olimpíadas?

AM: Sou muito positiva. Acho que não conversaríamos sobre isso se não fossem esses dois eventos no País. E temos que aproveitar esse período para criar um lastro de políticas, programas e boas práticas. Estamos perdendo oportunidades porque não estamos fazendo o esforço do tamanho necessário, mas os avanços nos últimos anos são inegáveis. O mundo inteiro está olhando para o Brasil por causa do esporte, há os investimentos enormes… tudo isso mobiliza a sociedade e gera avanços. Mas precisamos avançar mais. E isso é responsabilidade do governo mas também da sociedade, das empresas patrocinadoras e das confederações. A gente brinca que no Brasil todo mundo conhece esporte: faz graduação no Globo Esporte e pós-graduação no Esporte Espetacular. Mas para um gestor isso é muito pouco.

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