Política

Gasto com ‘guerra às drogas’ em SP e RJ compraria 108 milhões de vacinas contra a Covid-19

Pesquisa realizada pela CESEC analisou gastos em diferentes áreas, como a segurança pública

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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O valor gasto com a chamada ‘guerras às drogas’ nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro comprariam 108 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19. É o que mostra a pesquisa “Drogas: quanto custa proibir”, divulgada nesta segunda-feira 29 pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC).

Os pesquisadores concluíram que São Paulo gasta por ano R$ 4,2 bilhões com despesas para atuar na proibição do consumo de drogas, e o Rio de Janeiro R$ 1 bilhão. Os estados são os que mais gastam em segurança pública no País.

A pesquisa analisou gastos em diferentes áreas, como a segurança pública e a justiça criminal. Os pesquisadores, através da Lei de Acesso à informação, levantaram as despesas com juízes, promotores, defensores públicos, polícias civil e militar, sistemas prisional e socioeducativo.

A pesquisa começou em 2019, mas analisou o ano de 2017, para evitar influências de eventos ocorridos em 2018 – como as eleições e a intervenção militar no Rio de Janeiro.

“A guerra ás drogas é cara e não é eficiente. A expectativa da Lei de Drogas, aprovada em 2006, é que diminua a circulação e o consumo de drogas. Só que aconteceu ao contrário, os níveis globais de produção e de consumo dessas substâncias cresceram de maneira consistente, como mostram os próprios Relatórios Mundiais sobre Drogas editados anualmente pelas Nações Unidas”, conta a coordenadora geral do estudo, Julita Lemgruber. 

Ainda de acordo com a socióloga, a guerra às drogas tem um claro impacto racial e de classe.

“Sabe-se hoje que, a proibição que autoriza a operação cotidiana da ‘guerra às drogas’ se manifesta na violência policial contra favelas e periferias, na corrupção de agentes estatais e na formação de grandes mercados ilícitos”, diz. E completa: “Isso submete minorias raciais ao encarceramento e à violência, tornando o mercado de drogas ilícitas mais lucrativo e alimentando o comércio internacional de armas e munições”.

No estado de São Paulo, os R$ 4,2 bilhões despendidos com a aplicação da Lei de Drogas durante o ano de 2017 poderiam ter sido empregados alternativamente em:

  • Custear a educação de 840 mil alunos em escolas estaduais de ensino médio
  • Construir 462 novas escolas
  • Custear a educação de 43 mil alunos na USP por um ano
  • Manter em funcionamento dois hospitais estaduais de referência como o Hospital das Clínicas da USP
  • Comprar 27 mil ambulâncias com UTI móvel
  • Custear 55 programas sociais como o Renda Cidadã
  • Beneficiar 583 mil famílias por um ano com um programa de renda básica equivalente ao auxílio emergencial pago durante a pandemia de Covid-19
  • Comprar 72 milhões de doses da vacina Coronavac, suficientes para vacinar 36 milhões de pessoas contra a Covid-19.

Com os mais de R$ 1 bilhão gastos pelo Rio de Janeiro em 2017 para aplicar Lei de Drogas, seria possível, alternativamente:

  • Custear a educação de 252 mil alunos em uma escola do ensino médio
  • Construir 121 escolas para mais de 77 mil novos alunos
  • Custear, por um ano inteiro, a educação universitária de mais de 32 mil alunos na UERJ
  • Manter o funcionamento de 81 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em favelas e periferias
  • Adquirir mais de 5.850 ambulâncias com UTI móvel
  • Garantir por um ano o funcionamento de cinco hospitais estaduais de referência como o Hospital Getúlio Vargas
  • Beneficiar 156 mil famílias com aluguel social ao longo de um ano
  • Beneficiar 145 mil famílias, ao longo de um ano, num programa de renda básica equivalente ao auxílio emergencial pago durante a pandemia de Covid-19
  • Comprar 36 milhões de doses da vacina AstraZeneca, suficientes para vacinar 18 milhões de pessoas contra a Covid-19

Metodologia e falta de informação 

Para calcular o custo da aplicação da Lei de Drogas pelas instituições do sistema de justiça criminal, a pesquisa definiu os indicadores de referência específicos para cada instituição, aplicou esses indicadores aos dados coletados e aplicou o percentual obtido às despesas de cada instituição no ano de 2017.

Ainda assim, indicam os pesquisadores,  os resultados divulgados são subestimados.

“O Brasil tem um problema sério de dados. Não conseguíamos dados sobre operações policiais e as outras instituições nos enviaram de forma incompleta. A distancia entre a realidade e o que nos obtivemos nos levam a crer que os dados estão subestimados”, explica Julita.

Aumento no bolsonarismo 

Para a socióloga, que há anos estuda o sistema prisional e a guerra às drogas, a saída seria o Brasil legalizar o consumo de substancias consideradas ilícitas – mas não acredita que isso será feito no governo de Jair Bolsonaro.

“Quando falamos em legalização, as pessoas acham que liberou geral, longe disso. Queremos discutir a regulamentação do uso de drogas, que sempre foi algo utilizado em nossa sociedade. Isso precisa ser pautado no STF ou no próximo governo que virá depois de Bolsonaro. O assunto é urgente”, pontua.

“Precisamos lembrar que o proibicionismo é uma escolha política marcada pelo racismo. Precisamos ultrapassar essa dificuldade de fazer este debate”, conclui a pesquisadora.

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