“Varre, varre, vassourinha…”, jingle lançado por Jânio Quadros nas eleições presidenciais de 1960, tocava nas ruas e no rádio a campanha do populista contra a corrupção na política. Jânio venceu, mas teve pouco tempo para colocar em prática sua ideia de varrer a corrupção da administração pública em Brasília, renunciando apenas sete meses após a posse.
Mais tarde, em 1985, quando se elegeu prefeito de São Paulo com o mesmo mote, Jânio foi acompanhado da imprensa a um hospital público onde, num espetacular jogo de cena, disse a um grupo de funcionários aparentemente inativos que estavam todos demitidos. O prefeito foi embora, mas os funcionários, por razões legais do funcionalismo público, não foram desligados. Na época o que ficou foi ato de suposta coragem do político.
Tratar o serviço público como um mal para o País é ideia velha que volta e meia é reciclada pelos governos sob a justificativa de que a máquina pública está inchada. O presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu ainda em campanha diminuir o número de ministérios de 29 para 15. Os primeiros desafios já foram lançados sobre sua equipe de transição, que recuou na conta para 18.
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Ainda assim, pastas importantes estão sendo agrupadas, como Planejamento, Fazenda, e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, que estarão sob o guarda-chuva do guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes. Aventa-se incluir também a pasta do Trabalho e Emprego no ‘superministério’ da Economia.
Sérgio Moro, o outro superministro do futuro presidente, comandará o Ministério da Justiça, agora uma fusão das estruturas da Justiça, Segurança Pública, Transparência, Controladoria Geral da União e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), hoje sob o chapéu da Fazenda.
O especialista em orçamento e planejamento Francisco Lepreato, da Universidade de Campinas (Unicamp), explica que a fusão das pastas não traz ganho real para as finanças do governo, mas provoca diversos prejuízos para o planejamento do País.
Plano de governo conceitual
Um dos aspectos discutíveis colocados pelo especialista é o fato do presidente eleito dizer que fará mudanças cirúrgicas na administração antes de assumir, ainda na transição, sem ter um estudo responsável do tamanho e da eficiência do funcionalismo público federal.
“Eles partem do pressuposto que aquilo (o funcionalismo público) é um descalabro total, e que temos um número de funcionários públicos desproporcional, mas isso não é verdade. O Brasil está abaixo da média. Falar disso agora é muita irresponsabilidade e deixa claro que eles não têm uma radiografia completa de que tipo de serviço eles farão”, afirma.
Os gasto do Brasil com os servidores públicos, no total, é de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e os maiores salários estão no Judiciário. No plano federal o País possui 1.032 milhão de funcionários segundo dados da Unicamp, com 630 mil na ativa e 402 mil aposentados.
O desconhecimento do funcionalismo público pela equipe de Bolsonaro ficou evidente na fala do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que durante o segundo turno propôs cortar, logo no primeiro de dia de mandato, 25 mil cargos.
O número, no entanto, é superior aos 23.070 cargos comissionados do Poder Executivo, segundo dados do Ministério do Planejamento, relativos ao mês de agosto deste ano. Ao ser informado do número correto, Lorenzoni atualizou a medida, e disse que serão em torno de 20 mil funcionários cortados.
Questionado por jornalistas como o governo faria os cortes sem paralisar a máquina pública, o homem forte de Bolsonaro disse que a ideia se inclui no que eles têm chamado de “plano de governo conceitual”, sem propostas concretas, mas com linhas gerais que devem nortear o Executivo.
Agora, tendo de alocar esses conceitos nos planos para o futuro próximo, a equipe de Bolsonaro já começa a se deparar com os primeiros obstáculos.
Liquidação do planejamento público
Loperato lembra, ainda, que a fusão de ministérios como Fazenda e Planejamento produz conflitos irremediáveis, levando em conta que as pastas, muitas vezes, representam interesses em constante tensão, e o equilíbrio entre eles é importante para que não haja abuso de um setor da sociedade, a partir do ministério competente por cuidar da área, se beneficiar em detrimento de outros.
“O que teremos é um superministro (Paulo Guedes) que, como um liberal que é, não tem nenhum apreço em planejar o Brasil em longo prazo. Então, não é um problema (na visão de Guedes) juntar ministérios que tem funções e objetivos diferentes porque, para ele, desenvolvimento significa privatização. Segue a cartilha dos pensadores liberais de que o estado é mal por natureza. Mitos são fáceis de criar, mas transformá-los em crescimento é um processo mais duro”, afirma.
O professor explica que essa visão de governo Bolsonaro nem mesmo se assemelha à da época da ditadura civil-militar no Brasil. No governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), por exemplo, o ministro da Fazenda era o economista Mário Henrique Simonsen, enquanto o chefe da pasta do Planejamento era João Paulo dos Reis Veloso.
Veloso foi o responsável pela criação do ll Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), e Simonsen, mesmo tendo de fazer ajustes mais duros, tinha a tarefa de conduzir a economia para as metas que o PND estabelecia.
“Podemos criticar a ditadura, aonde ela queria chegar e os meios que usava para isso, mas eles tinham clara a divisão que era necessária ser feita. Em nenhum momento se jogou fora o planejamento.”
O professor afirma ainda que até aqui Bolsonaro jogou com a desinformação da população sobre o funcionamento da máquina pública, utilizando uma propaganda que coloca os funcionários públicos como naturalmente corruptos e alimentando com essa mesma estratégia o mito de que a corrupção é o principal gargalo da economia.
“Da maneira como eles colocaram até agora, parece que poderíamos viver sem servidores. Não vejo como essa política, sem nenhum estudo, vá trazer algum ganho, o que eventualmente virá será residual. A verdade é que não vai fazer nem marola.”
Se os ganhos com as fusões ainda são imprevisíveis, as perdes com a eficiência dos trabalhos já é conhecida. Loperato afirma que mudar a cultura de um ministério não é algo trivial de se fazer, assim como adequar os funcionários de carreira à essa nova realidade. “Além do mais ele teria que alterar a lei para demitir esses funcionários concursados, muitos com um nível alto de formação. Nada será simples ou como eles vendem. É um grande jogo de cena.”