Política

Fundo Público de campanha é marco histórico na democracia brasileira

Financiamento público significará maior igualdade nas disputas, fundamental para mudarmos o atual perfil elitista, branco e rico do parlamento

Câmara aprovou na última semana fundo de 1,7 bilhão de reais
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A mesma mídia que há anos vem se utilizando de escândalos de corrupção envolvendo práticas espúrias entre agentes públicos e privados com o único objetivo de demonizar a política e as instituições democráticas, agora, engendra uma nova campanha difamatória contra a constituição do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas aprovado no Congresso Nacional.

Ao contrário do discurso cínico utilizado pelos detratores da proposta, o Fundo – que terá orçamento estimado de 1,7 bilhão de reais – não vai retirar recursos de áreas essenciais como saúde e educação.

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Ele será composto, em anos eleitorais, por 30% das emendas parlamentares de bancada, muitas das quais sequer são executadas pelo governo federal e acabam servindo apenas para fazer superávit fiscal. Outra fonte de receita para o Fundo são as isenções fiscais destinadas às emissoras de rádio e TV, pagos para a veiculação da propaganda partidária, medida que certamente incomodou os barões da mídia.  

Os barões da mídia – de forma absolutamente demagógica – levantaram-se contra o Fundo arvorando-se “defensores” dos serviços públicos, mas aplaudiram de pé a aprovação da Emenda Constitucional 95 – responsável por congelar todos os gastos públicos por 20 anos.

É fácil criticarem a destinação de recursos públicos para financiar eleições e não dizerem uma linha sequer sobre o Brasil vergado diante do sistema financeiro, sobre a absurda captura de quase metade do orçamento público para engordar banqueiros e rentistas.

Mas o debate aqui é muito mais amplo que as preferências midiáticas em relação às pautas políticas nacionais. Estamos falando sobre o modelo de financiamento da nossa cambaleante democracia.

Não era razoável que diante de todos os últimos escândalos de corrupção que assolaram a política e a economia brasileira – via de regra vinculados a esquemas de financiamento empresarial de campanhas –  o Congresso Nacional ficasse, mais uma vez, inerte e incapaz de dar uma resposta contundente a esse estado de coisas. Ou agíamos com firmeza para promover algum tipo mudança estrutural ou continuaríamos sendo cúmplices de um verdadeiro sangramento do Brasil e dos cofres públicos.

É ilusório e ingênuo acreditar que o financiamento empresarial era melhor para a democracia e o sistema político. Essa modalidade de financiamento em algum momento se apropriava, também, do erário público, uma vez que empresários não faziam doações, mas investimentos. São inúmeros os exemplos de que o povo brasileiro acabava pagando mais com a corrupção causada pelas “doações empresariais”.

Não podíamos continuar convivendo com financiadores empresariais elegendo parlamentares, detendo centenas de mandatos e se locupletando dessas representações públicas para atender unicamente a interesses privados, não republicanos. É emblemático o caso dos irmãos Batista, da J&F, os quais gastaram milhões em campanhas para obter vantagens, privilégios e alimentar esquemas de corrupção.

Ao invés de mandatos associados aos interesses de grupos econômicos e de lobistas privados, o financiamento público possibilitará um número cada vez maior de mandatos associados ao interesse público e ao bem comum. Com o Fundo público, vamos aumentar a transparência e o controle público sobre a representação política e parlamentar.

O valor de 1,7 bilhão de reais, que alguns podem considerar exorbitante, é menor que os 5 bilhões de reais gastos nas eleições de 2014, de acordo com números do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É menos de 10% dos cerca de 20 bilhões de reais gastos, segundo estimativas que levam em consideração, por exemplo, os recursos não declarados e destinados via Caixa 2.

Nós, do Partido dos Trabalhadores, defendemos mais contato direto dos candidatos com os eleitores e menos pirotecnia nas campanhas. Por isso, apresentamos uma série de emendas para garantir eleições mais baratas, as quais, infelizmente, foram rejeitadas no processo de discussão da reforma eleitoral.

A decisão de criar um instrumento público de financiamento de campanha é um marco histórico para a democracia brasileira, uma bandeira histórica do PT e a espinha dorsal de qualquer proposta séria de reforma política.

É, ainda, medida essencial para diminuirmos a influência do poder econômico nas eleições, superarmos o atual quadro de assimetrias existentes nas disputas eleitorais e democratizarmos o acesso de amplos setores da sociedade à representação democrática e parlamentar. 

Também vai ao encontro de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu doações de empresas a candidatos e partidos políticos, atendendo ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a qual reforçava o argumento de que o poder econômico é um fator preponderante de desequilíbrio nas eleições.

Por fim, o financiamento público significará maior igualdade nas disputas, fundamental para mudarmos o atual perfil elitista, branco e rico do parlamento brasileiro. Não era aceitável que as mulheres, os negros, os trabalhadores e os pobres, maiorias na sociedade,  sejam vergonhosamente sub-representados no Congresso Nacional.

O financiamento empresarial de campanha foi uma variável importante, senão a mais importante, para a composição da atual legislatura, umas das mais retrógradas desde a redemocratização. Segundo levantamento realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara Federal, a atual legislatura tem apenas 10% de mulheres, 20,7% de negros e pardos e 4% de jovens.

Quando o recorte são as bancadas, vemos o quanto o parlamento não é representativo da sociedade. Empresários são minoria na sociedade, mas tem uma bancada de 220 parlamentares, num conjunto de 513.

A bancada ruralista, igualmente minoritária, conta com 110 integrantes. Já a bancada  sindical tem apenas 51 deputados e deputadas, cerca de 10% do total. Com essa composição do Congresso Nacional, fica fácil entender como o governo ilegítimo de Temer possui maiorias favoráveis à agenda de privatizações do patrimônio nacional e de retirada de direitos, a exemplo de leis que desmontaram a CLT e propõem o fim do direito à aposentadoria.

*Erika Kokay é deputada federal pelo PT do Distrito Federal

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