Política

“Preso, aprendi cedo tudo sobre crime e roubo”

O escritor Luiz Alberto Mendes Jr. passou por instituições sócio-educativas como menor infrator e como professor. “Reduzir a maioridade penal não resolve”

"Aqui estou eu, no Instituto para Menores Delinquentes de Mogi Mirim (à direita, à frente), preso, aos 16 anos junto com meus 'sócios'. Todos foram mortos antes de chegarem ao 18 anos, sou o único sobrevivente"
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Quando eu era menino, a Carteira de Trabalho do Menor era cedida aos 14 anos. Com uma autorização assinada pelo meu pai, contudo, comecei a trabalhar aos 12. Havia fugido de casa com 11 anos, fui capturado pela polícia e, depois de 3 meses em uma prisão para menores de 14 anos, levaram-me para casa. Depois da surra de praxe, veio ultimato de meu pai: “vai trabalhar, eu não quero vadio em casa”. Escola era o fim do mundo para mim. Os professores batiam, nós alunos brigávamos entre nós, era tudo um inferno. Fui então atrás de trabalho, mas acabei ficando pela rua novamente. Em minha juventude as pessoas trabalhavam e, ainda assim, passavam necessidades. O país progrediu, a vida ficou mais mansa e o homem pode cuidar melhor de sua prole. O jovem hoje tem mais tempo para se preparar e encarar suas responsabilidades sociais. Mas porque ainda se envolvem em crimes como nós, que éramos tão ignorantes e pressionados?

Sou contrário à redução da menoridade penal principalmente porque não resolveria o problema da violência e ainda sacrificaria a vida dos jovens. Quando preso na extinta Casa de Detenção, eu era professor e procurei esses meninos nas classes, queria conhecê-los. Quase todos os adultos presos tinham passado por instituições para menores de idade delinquentes. Ali recebíamos a primeira camada da cultura criminal das prisões. Éramos presos por pequenos furtos e saíamos querendo ser bandidos perigosos. Esse era o status máximo.

Como impedir que os maiores de idade influenciem ou cooptem os garotos, ainda frágeis em seus critérios de julgamento, para o crime?

Moro na periferia da cidade e vejo sempre cenas assim: o traficante é preso, paga, e é solto. Dia seguinte está acelerando seu possante na viela, com a “mina” mais bonita da “quebrada” na garupa. A molecada o rodeia, ele trata a todos com generosidade. Promove festas, financia comemorações e é padrinho de várias crianças na favela. Não é preciso pensar muito para imaginar o que os meninos aprendem com aquela cena. São garotos que trabalham de carregadores, ajudantes gerais e serventes de pedreiros. Não são registrados e ganham uma mixaria que, ao fim do mês, só paga as dívidas. E as meninas só querem sair com os meninos que têm motocicleta nova e andam com o tênis da moda. Aos “duros” resta andar na madrugada em bandos em busca de grana para fumar mais um baseado ou coisa pior.

Saí do juizado de menores (Fundação Casa da época) aos 18 anos, querendo o prestígio e a grana do bandido. Esses eram os valores que eu havia aprendido lá dentro. Claro, eu não era inocente, mas aprendi cedo tudo sobre crime e roubo nas instituições do Estado. Aos 19 anos fui preso definitivamente. Havia cometido uma longa série de assaltos e assassinara uma pessoa em um tiroteio. Durante o cumprimento da pena que se estendeu por 31 anos e 10 meses, aprendi a ler e a escrever e descobri um mundo que não tinha nem ideia que existia.

Aprendi a amar quando, mesmo preso, fui amado. A partir daí comecei a me dar conta da riqueza que existe em cada pessoa. Quando então nasceu Renato, meu primeiro filho, o processo se consolidou.

Depois de 45 anos, voltei ao que hoje chamam de Fundação Casa, desta vez para produzir Oficinas de Leitura e Escrita com os meninos. Eu já estivera em uma encruzilhada como aquela em que eles se encontram. E minhas escolhas foram desastrosas. Fui contando a eles as consequências. Queria desromantizar, desmistificar, expor ao ridículo todo o glamour que eles pudessem ter pelo crime e a prisão. Tentava desconstruir a cultura de crime clandestina que eles vivem como vítimas abandonadas que são.

Queria esfregar na cara deles a realidade de suas vidas. Eles são meninos, crianças como nossos filhos e nós os desumanizamos ao chamá-los de “menores”. Tanto que, quando comecei a falar nas mães, foi mágico: os “bandidos” choravam. A maioria tinha a pele escura e morou em favelas e, em uma sala com 20 meninos, apenas 2 tinham uma vida regular com casa, pais e irmãos vivendo juntos sob o mesmo teto.

No final das contas, algumas conclusões: é preciso fazer alguma coisa, e já está mais que provado que a violência tem sua raiz na má distribuição de renda e na desigualdade social. Os países que melhor distribuem riqueza têm menos desigualdade social e, consequentemente, menores índices de violência. Aprendi por experiência própria, dentro e fora das prisões, que promessas eleitoreiras de redução de maioridade penal não ajudam em nada. Um candidato a presidente deveria se preocupar em reduzir as desigualdades e proteger as crianças e os adolescentes de seu país, e não em jogá-los numa prisão.

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