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O novo presidente do TST cobra do Legislativo uma regulação para proteger os trabalhadores plataformizados

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Voto livre. “O assédio eleitoral sempre foi uma chaga neste país”, lamenta o magistrado, que pretende lançar uma campanha contra essa prática em 2026 – Imagem: Fellipe Sampaio/TST
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Empossado em 25 de se­tembro, o ministro Luiz ­Philippe Vieira de Mello ­Filho assume a presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em um momento delicado, marcado pelo desmonte da legislação trabalhista e pelo esvaziamento das atribuições da Justiça especializada. Nesta entrevista à repórter Fabíola Mendonça, ele comenta os impasses gerados pela liberação das terceirizações e pelo fenômeno da uberização – temas que estarão na pauta do Supremo Tribunal Federal nos próximos dias – e cobra do Legislativo uma regulação para o trabalho mediado por plataformas digitais. “Modernidade não pode ser sinônimo de desproteção. Na insegurança, na invalidez, na velhice, na pobreza, não construiremos nada.”

CartaCapital: Qual é o papel da Justiça do Trabalho hoje?
Luiz Philippe Vieira de Mello Filho: A Justiça do Trabalho atua de forma silenciosa, mas exerce papel fundamental no equilíbrio das relações entre capital e trabalho. Administramos, por exemplo, dissídios coletivos por meio de negociações que evitam a paralisação de atividades essenciais. Esse equilíbrio torna a Justiça do Trabalho um instrumento de paz social, visando a efetivação dos direitos sociais inscritos não apenas na Constituição, mas também daqueles conquistados ao longo da história pela luta dos trabalhadores. É preciso preservar os direitos mínimos e repensar o papel dos sindicatos. Também devemos atuar, de maneira concreta, como interlocutores diante do novo desenho e da nova configuração do trabalho no mundo. Modernidade não pode ser sinônimo de desproteção. Na insegurança, na invalidez, na velhice, na pobreza, não construiremos nada.

CC: O STF começou a julgar ações da Uber e da Rappi que tratam do reconhecimento do vínculo empregatício entre os trabalhadores e as plataformas. O governo federal negocia um pacto com a iFood para melhorar as condições de trabalho dos seus entregadores. Como é possível equacionar esses impasses gerados pelo fenômeno da uberização?
LPVMF: Todo trabalhador pode acionar a Justiça para reivindicar direitos. O juiz, então, decidirá: ou concede a proteção prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou entende que não há qualquer amparo legal. Não existe um caminho intermediário. Sinceramente, acredito que essa pauta deve ser enfrentada pelo Congresso Nacional. É o Parlamento que deveria definir o futuro desses trabalhadores. Visitei um ponto de apoio a entregadores e fiquei assustado com a precariedade. A mesa era um pedaço de compensado apoiado sobre tijolos, as cadeiras foram recolhidas do lixo. Não há proteção contra o sol, a chuva, o frio… nada. Estão completamente desassistidos em caso de acidente. Nem mesmo o direito à desconexão é garantido, vivem constantemente aflitos com o algoritmo. Esse cenário se repete há mais de dez anos. Por que nada é feito para mudar essa realidade? O mundo todo já começa a reconhecer o vínculo empregatício desses trabalhadores plataformizados, que seguem invisíveis no Brasil. Pode-se, sim, criar uma terceira via, com um regime próprio de direitos. Mas é preciso ouvi-los e conciliar suas necessidades com os interesses das empresas. A solução precisa vir do Legislativo. Nós, juízes, não podemos nos recusar a julgar, mas a regulamentação é urgente e imprescindível.

“Visitei um ponto de apoio a entregadores e fiquei assustado com a precariedade”, afirma Luiz Philippe Vieira de Mello Filho

CC: Outro impasse é o fenômeno da “pejotização”, a contratação de um trabalhador como Pessoa Jurídica, mesmo que ele esteja subordinado ao empregador. O STF avalizou as terceirizações de todas as atividades e, recentemente, o ministro Gilmar Mendes suspendeu processos em todo o País sobre a licitude de contratos de prestação de serviços.
LPVMF: Primeiro, é preciso entender o que significa ser PJ. Se sou um profissional com elevado grau de autonomia, posso definir meus preços, negociar as condições do meu contrato de prestação de serviços e escolher a forma como vou exercer a atividade – nesse caso, estou em condições de igualdade com quem pretende me contratar. Mas, se essa realidade não existe, se existe subordinação, as regras são impostas, então estamos diante de uma relação de trabalho desprotegida. O Supremo é o guardião da Constituição. Respeito todas as decisões da Corte, isso é inquestionável. Mas a minha visão de mundo me leva a enxergar a Constituição como o verdadeiro pilar de uma sociedade democrática.

CC: Em meio a esse cenário de desmonte da legislação trabalhista, o STF discute casos que envolvem a transferência de ações da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum, na esfera cível. Isso não esvazia ainda mais a atribuição de vocês?
LPVMF: Somos atacados desde o dia em que fomos criados. Nosso papel é buscar o equilíbrio entre capital e trabalho, jamais agradaremos aos dois lados simultaneamente. Mas a Constituição é clara: quando há descumprimento da legislação trabalhista, há sanção pecuniária. E, quando não há violação, há a absolvição daquele que veio ao juízo ou foi demandado. A Justiça do Trabalho atua com base em uma legislação civilizatória, de justiça social. Só nesta última Semana Nacional da Execução Trabalhista, entregamos 8 bilhões de reais aos trabalhadores. A pergunta que todos fazem é: esses trabalhadores vão guardar esse dinheiro na poupança ou devem movimentar a economia nacional, comprando comida, bens e outros produtos? Então, se deixarmos de ter uma CLT, se não houver recolhimento previdenciário, que futuro estaremos construindo?

CC: O senhor tem enfatizado a necessidade de combater o assédio eleitoral nas empresas. Como a Justiça do Trabalho pretende atuar em 2026?
LPVMF: O assédio eleitoral sempre foi uma chaga neste país, e muito mais ampla do que se imagina, porque não atinge apenas os trabalhadores. Historicamente, esteve ligado a formas de construção política. Nos últimos anos, vimos um avanço preocupante desse quadro. A partir de dezembro, vamos criar um canal direto com os trabalhadores brasileiros, para explicar o que significa a cidadania no mundo do trabalho e reafirmar que o trabalhador pode votar livremente, de acordo com suas próprias ideias. Esse é um direito fundamental em qualquer democracia. •

Publicado na edição n° 1382 de CartaCapital, em 08 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Freio ao vale-tudo’

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