Política

“Foi muita covardia”, conta testemunha de espancamento em Curitiba

Agressões por motivação política não param de crescer. Em Curitiba, outra vítima conta que delegacia tinha adesivos pró-Bolsonaro. Medo já altera comportamento

Agressores usaram garrafas aos gritos de 'aqui é Bolsonaro'
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A jornalista Sandra Nodari mora no Centro Cívico, em Curitiba, há cerca de 500 metros do Palácio Iguaçu, sede do governo paranaense, um dos bairros mais nobres da cidade. Na terça-feira 9 se preparava para levar a filha de 11 anos à aula de canto. Vestia uma camiseta com a frase “Lute como uma garota”. Olhou pela janela do apartamento e percebeu que a rua estava congestionada. Seriam três quadras de caminhada com carros parados. “Pensei: 60% destes motoristas podem ser fascistas. Troquei de roupa por medo. Não quero viver assim”.

Caminhar pelas calçadas e praças pode se transformar em risco. A onda de violência, desde a vitória de Jair Bolsonaro no primeiro turno, se intensificou pelo País. Só neste mês de outubro são mais de 50 casos que vieram à tona. No domingo 7, quando as urnas eleitorais já anunciavam os resultados finais das eleições, o jornalista Guilherme Daldin, trajando uma camiseta que trazia a imagem do ex-presidente Lula, estava à beira da calçada, no centro de Curitiba, e quase foi atropelado por um carro.

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“Eu conversava com um grupo de amigos e o carro foi jogado propositalmente contra mim. O pneu passou por cima dos meus pés. O motorista saiu em disparada e quando amigos conseguiram chegar perto ele ameaçou atirar dizendo que portava uma arma”. Com o número da placa do automóvel, foi possível identificar o dono do veículo. Em sua página no Facebook, havia postagens e frases de ódio ao Partido dos Trabalhadores e pedidos de morte aos militantes petistas.

No dia seguinte, Daldin foi fazer o Boletim de Ocorrência na Polícia Civil. Para sua surpresa, havia adesivos de Jair Bolsonaro colado no computador do escrivão. “Depois de ser agredido por apoiadores de um candidato fascista, vou a um órgão público e vejo os equipamentos de propriedade do estado com propaganda eleitoral do candidato. Para mim foi uma agressão, me senti despossuído dos meus direitos. Vivemos um processo de violência pura”, afirmou.  

Menos de 48 horas depois, Khaliu*, de 26 anos, conversava com amigos em frente às escadarias da Casa da Estudante Universitária, a menos de 100 metros do prédio da Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Vestia uma camisa vermelha com ilustrações do cartunista Henfil e usava um boné do MST. Um grupo de aproximadamente 15 pessoas, alguns trajando camisas da torcida organizada Império Alviverde, do Coritiba, time de futebol do Paraná, passaram a agredi-lo e gritar “aqui não é lugar do MST. Aqui é Bolsonaro”.

“Quando vi comecei a ser agredido. Não entendia os motivos. Eles pegaram garrafas que estavam nas mesas de um bar ao lado e me agrediram. E continuavam a gritar ‘aqui é Bolsonaro'”, contou a vítima. Foram mais de cinco minutos de selvageria. Ao perceberem que a Policia Militar fora chamada, correram. Ninguém foi preso até agora.

Moradoras da Casa que estavam sentadas na escadaria do prédio e assistiram o quebra-quebra falaram sob condição de sigilo e anonimato. “Eu percebi quando um dos caras deu um soco no rosto dele e daí os outros também bateram, inclusive com garrafas. Foi muita covardia”.

As estudantes confirmaram que os agressores gritavam “Aqui é Bolsonaro” enquanto batiam no jovem. “As cenas foram horríveis. Imagino que se legalizarem o porte de armas esta violência vai ficar pior. É como dar passe livre para essas pessoas agirem desta forma. O pior é que tem um candidato que incentiva e apoia esse tipo de ação. Ele só sobreviveu porque é muito forte”, afirmou outra testemunha. Khaliu tem 1,88 m e pesa 110 kg.

A vítima registrou Boletim de Ocorrência na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. Segundo a Polícia Civil, as investigações apontam que entre quatro e seis integrantes da torcida organizada como autores do crime. “Todos serão chamados para confirmação de identidade e posterior indiciamento”, disse o delegado Luiz Alberto Cartaxo Moura.

Para a advogada Tânia Mandarino, seu cliente foi vítima de uma agressão com motivação política. Para ela, a Policia Civil terá que incluir no rol dos chamados “vulneráveis” os perseguidos políticos-ideológicos. “A DHPP trata como vulneráveis apenas as questões de gênero e racismo. O mesmo ódio de gênero agora está voltado contra os petistas. Mas ainda é difícil a Polícia Civil compreender essa questão”, avalia Mandarino.

Em Porto Alegre, RS, uma jovem de 19 anos foi atacada por três rapazes quando descia do ônibus, no bairro Cidade Baixa. Eles a questionavam sobre o uso de adesivos #EleNão na camiseta. Após a agredirem com socos, utilizaram a ponta de um canivete para marcar o símbolo do nazismo, a suástica, em seu corpo. Ela registrou o Boletim de Ocorrência na 1ª Delegacia da Policia Civil.

No depoimento, prestado na noite da quarta-feira 10, a jovem, cuja identidade não foi revelada, reiterou que os agressores se referiram ao fato dela usar os adesivos #EleNão enquanto era atacada. Disse ainda que não iria formalizar nenhuma representação criminal contra os agressores.

“Ela ficou muito assustada com a repercussão que o caso tomou. Jamais imaginou que uma denúncia postada em sua página do Facebook tomasse tamanha proporção. Ela está com medo, assustada. Teme que possa ser vítima de novas represálias”, contou a advogada Ariane Leitão, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Ainda segundo a advogada, o que preocupa a Comissão é a declaração dada pelo delegado Paulo Cesar Jardim, titular da delegacia, de que o desenho marcado na pele da jovem não é da suástica, mas um símbolo religioso dos budistas”. “Se os jovens não conseguiram gravar a suástica foi por ignorância, mas a tentativa deles foi desenhar o símbolo do nazismo. E isto é preocupante” afirmou.

Para uma das estudantes curitibanas que testemunhou as agressões contra Khaliu, à medida que os fanáticos apoiadores de Bolsonaro se veem como seus representantes “eles passam a achar que, se ele fala que é para matar, então vamos matar mesmo”. Enquanto o medo vence a esperança, o Brasil já flerta com a barbárie. 

*Khaliu, o jovem agredido em Curitiba, por questões de segurança mantêm o sobrenome em sigilo

 

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