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Floretes afiados

A guerra intestina entre o clã Bolsonaro e aliados pela indicação dos candidatos a prefeito nas maiores capitais

Cada um por si. Zema, Castro e Freitas pretendem herdar o espólio do bolsonarismo. O capitão tem preocupações mais imediatas com a Justiça Eleitoral – Imagem: Philippe Lima/GOVRJ, Alan Santos/PR, Mônica Andrade/GOVSP e Câmara Municipal de Sete Lagoas/MG
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Com a espada da inelegibilidade na cabeça, Jair Bolsonaro sente nas costas os floretes dos aliados. Embora falte mais de um ano para as eleições municipais, os governadores bolsonaristas dos três maiores estados do Sudeste ensaiam passar uma rasteira no “mito” e construir candidaturas próprias, ao menos nas capitais. Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Cláudio de Castro, cada um a seu modo, sonham em ocupar o vácuo de liderança extremista, caso a Justiça Eleitoral venha a inabilitar Bolsonaro. E a disputa do próximo ano é fundamental. Para tentar enquadrar o trio e evitar a morte precoce do projeto político do ex-presidente, entraram em cena nas últimas semanas o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o novo secretário de Relações Institucionais do partido, o general de pijama Walter Braga Netto.

Com as recentes movimentações para a criação de blocos partidários que reduziram o poder do partido na Câmara, aumentou no núcleo bolsonarista o temor de que a falta de nomes para as eleições municipais nas três maiores capitais do Sudeste encerre de vez o sonho da legenda de se tornar hegemônica na extrema-direita nacional. Segundo Luiz Eduardo Motta, diretor do Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a preocupação procede. “O bolsonarismo saiu do PSL e foi para o PL, mas a tendência é de que haja um esvaziamento deste à medida que parte da base do partido, que é menos ideológica e vinculada às gestões de Tarcísio, Zema ou Castro, flutue para outra legenda.”

O cientista político Ricardo Ismael, da PUC, identifica uma movimentação de Freitas e Zema para se colocarem como herdeiros políticos de Bolsonaro, mas pondera: “Mesmo que fique inelegível, o ex-presidente será um ator importante e terá grande influência até 2026. Parte do eleitorado brasileiro ainda segue sua orientação e não vejo espaço para que nenhum dos dois procure romper com Bolsonaro, ao menos neste momento”.

Costa Neto e Braga Netto têm, de qualquer maneira, se desdobrado em conversas com os governadores. Freitas é filiado ao Republicanos e entrou em rota de colisão com a direção do PL ao relegar o partido a coadjuvante na formação do primeiro escalão do governo paulista. Há um único nome da legenda, Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública. Em paralelo à pressão por mais espaço exercida sobre o governador na Assembleia, onde o PL tem a maior bancada, Braga Netto tentou convencer o governo de que é fundamental manter a ­unidade do campo bolsonarista nas eleições de 2024. O perigo para Bolsonaro na maior cidade do País é que a proximidade entre Freitas e Ricardo Nunes se consolide em um apoio do Palácio dos Bandeirantes à reeleição do prefeito, filiado ao MDB. Este, avaliam nomes próximos ao ex-capitão, seria um passo decisivo para descolar de vez o governador de Bolsonaro.

Para evitar o apoio a Nunes, a estratégia do PL foi o lançamento precoce da pré-candidatura do ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal Ricardo Salles. Costurado por Eduardo Bolsonaro, o lançamento contou com a presença de parlamentares fieis ao clã, entre eles Mário Frias e Luiz Philippe de Orleans e Bragança. “O Tarcísio tem melhores condições de agregar uma direita antipetista não bolsonarista. Ele sabe disso. Se esse movimento já se refletir nas eleições do ano que vem, irá atingir diretamente Bolsonaro”, diz Motta. Líder do PT na Assembleia Legislativa, Paulo Fiorilo vê o outro lado da moeda. “O Tarcísio ainda é dependente do bolsonarismo e não creio que irá se deslocar no processo eleitoral de 2024. Se o PL mantiver a candidatura do Salles, acho difícil o governador não o apoiar.”

Os governadores de São Paulo, Rio e Minas buscam alternativas e voos próprios

A pretensão presidencial de Zema é outra fonte de preocupação. No início do ano, Costa Neto esteve em Minas Gerais e, aparentemente, obteve sucesso na tentativa de enquadrar o governador na disputa para a presidência da Assembleia Legislativa, onde o Novo, partido de Zema, tem apenas dois deputados. Agora, a pressão é para que a legenda desista de uma candidatura própria em Belo Horizonte. Por enquanto, o pré-candidato do PL na capital mineira é o deputado federal Nikolas Ferreira, às voltas com a Justiça Eleitoral. O nome natural do PL em BH seria o senador Carlos Viana, mas este deixou o partido e filiou-se ao Podemos, após, em suas palavras, ter sido “traído e abandonado” pelo ex-capitão nas últimas eleições ao Palácio Tiradentes. “Em caso de racha, o apoio de Zema será mais preponderante do que o de Bolsonaro. O governador hoje é uma figura independente e, ao contrário de Tarcísio, não tem dívida de gratidão a Bolsonaro”, diz Motta.

Embora seja o único dos três filiado ao PL, Castro foi o que mais se distanciou de Bolsonaro na última campanha, quando chegaram a circular santinhos seus ao lado de Lula. O governador fluminense tem convite do PP e do MDB e está com um pé fora do partido desde o racha na disputa para a presidência da Assembleia Legislativa. E não esconde de ninguém a preferência por seu secretário de Saúde, Doutor Luizinho, do PP, para a prefeitura da capital. Para tentar contornar a situação, Costa Neto passou uma semana no Rio de Janeiro em uma série de reuniões que culminaram no lançamento da pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro. “Está tudo pacificado no PL do Rio”, afirmou o presidente nacional do partido. A CartaCapital, o presidente estadual da legenda, Altineu Côrtes, diz que Castro “estará 110% com Flávio”. O deputado federal não fecha, porém, as portas. “Se o senador for até o fim, o PL estará fechado com ele. Caso não dispute, vamos achar o melhor nome no nosso campo político.” Como alternativas, Côrtes menciona o senador Carlos Portinho, o deputado federal Eduardo Pazuello e Braga Netto, sem descartar Doutor Luizinho.

Ismael avalia que, no Rio, se desenha uma reedição de 2022. “Castro terá dificuldade para quebrar a polarização entre Flávio Bolsonaro e Eduardo Paes. Ao menos até agora ele não tem um nome forte para colocar nessa briga. É provável que possa buscar uma articulação para viabilizar uma terceira força, mas isso dependerá muito da popularidade de Paes.” Motta acrescenta: “Se o governo Lula estiver forte e com popularidade alta no fim do ano que vem, será que Castro irá se arriscar a apoiar o candidato bolsonarista?” •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Floretes afiados’

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