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Fim de festa?

Seis anos depois da facada, o que restou de Bolsonaro e do bolsonarismo

Fim de festa?
Fim de festa?
Bolsonaro “celebra” a facada, atalho ao Palácio do Planalto – Imagem: Redes Sociais/Partido Liberal
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A “festa” teve Michelle Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e ­Nikolas Ferreira. Teve ­também culto, parabéns para você e bolo de aniversário. Foi assim a visita de Jair Bolsonaro à mineira Juiz de Fora em 6 de setembro. Seis anos depois, o ex-presidente voltou ao mesmo ponto onde levou uma facada, evento que marcou a eleição de 2018 e alavancou a candidatura do então candidato do PSL à Presidência. A comemoração do “6º aniversário do renascimento” de ­Bolsonaro encerrou uma série de atividades de campanha que o ex-presidente

realizou em Minas Gerais no início do mês.

Diferentemente de 2020, quando anunciou, na condição de presidente, que não se envolveria nas eleições municipais, neste ano ele tem se empenhado para alavancar a candidatura de aliados. Mas, nas quatro cidades visitadas no estado, os nomes apoiados por Bolsonaro ainda não conseguiram decolar. Em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, Fábia Lima (PL) é apenas a quarta colocada nas pesquisas, com 4% das intenções de voto e bastante distante dos primeiros colocados. Em Contagem, terceiro maior colégio eleitoral mineiro, a atual prefeita, Marília Campos (PT), tem 64,6% das intenções de voto, bem à frente do bolsonarista Junio Amaral (PL), com apenas 9,8%. Na capital, a disputa está mais acirrada. O candidato de Bolsonaro aparece em terceiro lugar, muito próximo da segunda colocação. Em Juiz de Fora, o ex-capitão apoia Charlles Evangelista (PL) que, segundo a pesquisa mais recente, do Instituto MDA, aparece em terceiro lugar, com 11,1% das intenções de voto, distante da atual prefeita, Margarida Salomão, isolada na dianteira com 45,8% dos votos.

Em seu discurso em Juiz de Fora, o ex-presidente fez uma breve reflexão sobre o atentado e recorreu às suas estratégias discursivas de sempre: repetiu a cantilena populista de opor o povo e a elite política corrupta, questionou a integridade do sistema eleitoral e reafirmou sua postura negacionista ao falar da “falta de comprovação científica” das vacinas contra a Covid-19. Declarou a necessidade imediata de um presidente de direita e conservador, referiu-se múltiplas vezes às ações do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, elevado à posição de principal antagonista, e declarou seu apoio a Donald Trump nos Estados Unidos.

A ritualística característica dos eventos com o ex-presidente, com a forte carga emocional e disruptiva dos discursos, o ataque raivoso aos oponentes, a simbologia expressa nas cores e nas bandeiras, a reação do público beirando a histeria coletiva, se outrora eram tomados como sinal da força de Bolsonaro e do bolsonarismo, dessa vez pareciam indicar justamente o contrário. Em 2024, a coreografia, além de produzir material para as redes sociais e bolhas da ultradireita, soou, em alguns momentos, como tentativa desesperada de salvar o que sobrou de seu capital político.

A derrota nas urnas, em 2022, foi seguida de uma série de logros. Primeiro, a inelegibilidade, em junho de 2023, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada com embaixadores no Palácio da Alvorada. Em seguida, em julho de 2024, o indiciamento devido à apropriação indevida de joias recebidas na condição de chefe de Estado. O desafio mais recente se deu no contexto da ascensão da candidatura do coach e influenciador digital Pablo Marçal

A “comemoração” em Juiz de Fora revela mais a fraqueza do que a força política do ex-capitão

(PRTB) à prefeitura de São Paulo. Pela primeira vez, o campo da ultradireita brasileira viu emergir uma liderança com forte presença digital que se beneficiou do terreno preparado por Bolsonaro, mas que não dependeu dele para se projetar nacionalmente. E pela primeira vez, em um conflito público entre o clã Bolsonaro e outra figura da ultradireita, os seguidores se colocaram a favor do último.

O próprio empenho de Bolsonaro na eleição de aliados nos municípios sugere uma mudança na correlação de forças. Ele sabe que qualquer possibilidade, ainda que remota, de uma possível anistia pelos crimes cometidos por ele depende da eleição do maior número de aliados em 2024, visando as eleições de 2026. Segundo um levantamento recente, candidatos bolsonaristas lideram as pesquisas em dez capitais. Mas é difícil saber o quanto disso se deve ao apoio de Bolsonaro. Em São Paulo, o ex-presidente demorou a entrar na campanha de Ricardo Nunes, segundo os analistas, por temor de apostar num perdedor. Candidatos que em 2020 ou 2022 receberam seu apoio ou fizeram uma campanha estreitamente ligada ao bolsonarismo, como Capitão Wagner, em Fortaleza, e Bruno Reis, em Salvador, agora defendem suas pautas de direita e ultradireita, mas buscam se afastar de Bolsonaro. E a considerar pelas pesquisas, essa parece uma atitude acertada em vários contextos. Mesmo em capitais onde Bolsonaro teve mais votos do que Lula no segundo turno em 2022, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a maioria dos eleitores, respectivamente 53% e 56%, afirmam que não votariam em um candidato apoiado pelo ex-capitão. Em São Paulo, a rejeição a um candidato ligado a ele é ainda maior, 63%.

As eleições de 2024 têm muito a dizer sobre a força da ultradireita e do bolsonarismo no País. O enfraquecimento daquele que até agora deu o tom do campo não significa, contudo, o enfraquecimento dos atores e das pautas econômicas e morais da ultradireira, apenas que eles possam ter se autonomizado de Bolsonaro, como sugere pesquisa recente de Camila Rocha, Esther Solano e Thais Pavez.

A liderança carismática depende da crença dos liderados nas capacidades extraordinárias do líder. Essa crença, por sua vez, depende de que o líder seja capaz de realizar grandes feitos. Nesta eleição, para provar ser o ungido, o escolhido para fazer avançar o projeto da ultradireita no Brasil, Bolsonaro terá que fazer política, algo que, aparentemente, ele faz a muito contragosto. •


Política, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, pesquisadora do CNPq e coordenadora do Nepol/UFJF. Ian Alves Ferreira e Mateus Rodrigues Jorge são cientistas sociais e mestrandos em Ciências Sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora. Ambos são pesquisadores do Nepol/UFJF. Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br.

Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fim de festa?’

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