Entrevistas
Filiado ao PT, Requião diz: ‘Não me incomodo com Alckmin, se ele topar um projeto nacionalista’
Lula não pode pecar pela temeridade em seu programa de governo, avalia o ex-senador em entrevista a CartaCapital


Após deixar o MDB, partido que fundou e onde militou por 40 anos, o ex-senador Roberto Requião filiou-se ao PT, sigla pela qual deve concorrer mais uma vez a governador do Paraná. Apesar de cortejado por todas as legendas da oposição, Requião escolheu unir-se a Lula. “Escolhi o PT porque temos uma polarização no Brasil. De um lado, a direita e o liberalismo econômico, com pessoas transformadas em objetos de lucro. De outro, Lula”, disse, em entrevista ao vivo ao programa Direto da Redação, no canal de CartaCapital no YouTube.
A aliança não abranda, porém, antigas ressalvas que ele tem em relação ao novo partido. O programa de Lula, diz, não pode “pecar pela temeridade”, mas tampouco adianta aliar-se com adversários em função de um “pavor com o fascismo” que, segundo ele, não passa de um “fantasma criado para tirar a possibilidade de o nacionalismo e o progressismo chegarem ao governo”.
Requião revela ainda como pretende construir uma aliança entre PT e PDT no seu estado. E impõe suas condições para perdoar os “golpistas arrependidos” do MDB. A íntegra da entrevista, em vídeo, está disponível no YouTube.
A escolha pelo PT
Minha filiação na verdade não é apenas ao PT e à federação. É uma filiação a um movimento de reconstrução nacional. É o mesmo que Lula diz: não somos candidatos de um partido, mas, sim, de um movimento para resolver os problemas do Brasil. Escolhi o PT porque hoje temos uma polarização no Brasil. De um lado temos a direita e o liberalismo econômico, com pessoas transformadas em objetos de lucro para o capital financeiro. De outro, Lula, com um projeto de governo que precisa ser claro, não temerário, e sem a covardia de aliança com o capital financeiro. Esse movimento pode inaugurar a recuperação do País. Acredito que o caminho é esse movimento que se organiza em torno da candidatura de Lula, já totalmente desonerado das falsas acusações da Lava Jato.
A saída do MDB
Fui a ficha número 1 e redator da carta de princípios do MDB. O meu MDB era o partido das classes populares, desligado das decisões do grande capital. Era o partido das minorias étnicas, das mulheres e dos trabalhadores. Eu costumo dizer que foi o MDB que saiu de mim e foi se transformando em outra coisa. Até esse princípio redigido foi retirado pelo grupo do Romero Jucá. De repente, não éramos mais um partido das classes populares e nos vinculamos ao liberalismo econômico, ao fim do projeto nacional e à escravização do povo brasileiro.
Golpistas arrependidos
Tenho formação religiosa. Não sou um sujeito ligado à Igreja, mas eu aplicaria o código canônico nessa gente. Em primeiro lugar, o arrependimento; em segundo, a confissão; então a penitência, e só depois o perdão. Não vejo por que uma pessoa não possa se reabilitar, o que não admito é conversar com representantes do erro que persistem nele e querem fazer valer o liberalismo. Temos de ter um programa sem exageros e sem covardia. Quem quiser aderir estará entrando nesse movimento a favor do Brasil.
“Não me incomodo com Alckmin, se ele topar defender um projeto nacionalista e progressista”
Ciro Gomes e a terceira via
A tal terceira via desapareceu por erros condenáveis de campanha. É um erro o Ciro bater no PT, assim como é um erro o PT bater em Ciro. O meu sonho pessoal era uma candidatura única, com projeto de transição para a democracia, a soberania, com respeito ao trabalho e democratização da mídia. A oportunidade está dada, porque o sistema que avançava para comandar o mundo e que derrubou o governo brasileiro está em crise. Apesar da polarização, o Ciro tem prestado um grande serviço ao Brasil, discutindo as políticas, fazendo a crítica de erros que cometemos no passado e a crítica às propostas da Fundação “Perseu Obama”, que se conforma com as teses do liberalismo. A eleição está polarizada, mas eu não diminuo 1 milímetro a crítica de Ciro. Agora, isso não significa que não podemos continuar juntos e não significa que eu não critique com a mesma dureza essa bobagem do Ciro de chamar todo mundo do PT de ladrão.
Aliança Lula-Alckmin
Lula tem de apresentar, até a convenção do partido, um programa, que aristotelicamente é chamado de ato eficiente, ato meio, modificador da realidade. Esse programa não pode pecar pela temeridade e, muito menos, pela covardia de se aliar com adversários em razão desse pavor com o fascismo, que é um fantasma criado para tirar a possibilidade de o nacionalismo e o progressismo chegarem a um governo. Não me incomodo com a aliança entre Lula e Geraldo Alckmin, se tivermos esse programa e se Alckmin concordar com ele. Não vejo problema, pelas circunstâncias do processo eleitoral brasileiro, pela despolitização, pela maneira como a comunicação se dá na mão de grandes grupos. Tudo isso que citei pode levar a uma vantagem em se ter o Alckmin, que é o que deve ter vislumbrado Lula.
PT e PDT no Paraná
A frente ampla no Paraná passa pela consciência dos partidos. Tenho certa segurança em dizer que nós, aqui, faremos uma aliança com o PDT. Podemos ter a participação do PDT na chapa majoritária ou em uma candidatura ao Senado. O importante será ganhar o governo do estado e corrigir os erros absurdos que estão sendo cometidos desses moleques que estão no governo do Ratinho Júnior.
Conservadorismo paranaense
No Paraná, sempre estive à esquerda do PT e ganhei três eleições para governador e duas para o Senado. Não existe essa história de que o Paraná é conservador. O Paraná tem um domínio da comunicação. O Ratinho tem hoje a outorga de centenas de antenas de televisão, tem emissoras de rádio e domina o SBT, além de estar gastando milhões com outras emissoras. Mas eu fiz um governo popular e ele não fez rigorosamente nada até aqui, além do crime de vender a Copel Telecom. Temos de acabar com as lendas de que o Paraná é um estado de direita, porque não é verdade. Fui eleito três vezes e eu nunca fui de direita. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1200 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Sem exageros nem covardia”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.