Política
FHC: Esqueçam o que li
Candidato a imortal, o tucano dá aula de contradição ideológica
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, agora candidato à imortalidade, resenhou para a Folha a biografia de Albert Hirschman, pensador alemão naturalizado norte-americano, falecido em dezembro aos 97 anos. FHC rememora tempos de camaradagem na Universidade de Princeton, nos anos 1970. Fernando Henrique (“esqueçam o que escrevi”) Cardoso inaugura aqui o Fernando Henrique (“esqueci o que li”) Cardoso.
Hirschman foi um crítico incisivo das artimanhas do discurso conservador, que ele preferia chamar, sem meias palavras, de “reacionário”. Encoberto por um glacê de compaixão supostamente lógica, o blá-blá-blá da reação serve, desde a Revolução Francesa, acusa Hirschman, apenas para perpetuar os privilégios dos ricos e postergar os direitos dos pobres.
A Retórica da Intransigência (com edição brasileira da Companhia das Letras) demole argumentos que se ouvem por aí do tipo “o bolsa-família cria preguiçosos”, “defender os pobres é populismo”, “as revoluções sociais são contraproducentes”, ideias que FHC praticou com tanta convicção e tanto despudor, quando no governo. Outro contemporâneo de Hirschman em Princeton, o economista Pedro Malan, também aderiria, como ministro de FHC, ao baile de máscaras do status quo.
Aos 81 anos, o ex-presidente continua a dar muito trabalho ao seu computador e a seus leitores fiéis. A recompensa está a caminho. Mal fora anunciada a morte do historiador João de Scantimburgo, uma imediata mobilização se pôs em marcha para eleger Fernando Henrique para a cadeira 36 da Academia Brasileira de Letras. Com aquela modéstia característica, FHC aceitou, sem pestanejar, o ônus da imortalidade e o prazer do chazinho das quintas-feiras ao lado de Arnaldo Niskier e Merval Pereira. O rolo compressor já aplastrou outros eventuais candidatos.
De novo, aparece o paradoxo: por mais que FHC insistisse nisso, tem gente que não esqueceu o que ele escreveu. E que até o leva a sério.
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