Política
Faroeste algorítmico
Sem efetiva regulação da Inteligência Artificial, não há como garantir eleições limpas em 2026
A névoa sobre o futuro político do Brasil deixou de ser uma metáfora distante: ela se materializa agora, com urgência dramática, diante da proximidade das eleições de 2026, que ocorrerão em um terreno digital sem lei. A janela para regulamentar o uso da Inteligência Artificial (IA) em campanhas eleitorais, requisito vital para a proteção da democracia, encerra-se de maneira irreversível em 31 de dezembro.
O arcabouço legal que deveria orientar essa tecnologia disruptiva ainda não foi estabelecido. Assim, o que antes era uma preocupação latente para o próximo pleito tornou-se uma certeza inquietante: caminhamos para um faroeste algorítmico, onde a IA atuará sem regulamentação, com impacto máximo e responsabilidade mínima.
Essa falha regulatória impõe um desafio existencial à democracia brasileira. A IA, em sua neutralidade tecnológica, revela-se, nas mãos de agentes inescrupulosos, uma arma poderosa de manipulação em massa. O que nos aguarda em 2026 é uma guerra cognitiva total, na qual a verdade será a primeira vítima. Deepfakes e mídias sintéticas ultrarrealistas poderão fabricar falas e ações jamais ocorridas, corroendo a confiança em qualquer evidência visual ou sonora. Neurobots explorarão algoritmos emocionais para reforçar narrativas polarizadoras, atuando no sistema límbico – sede das emoções – e contornando a análise racional, consolidando preconceitos e medos, muitas vezes sem que o eleitor perceba a intervenção subliminar.
Na terra sem lei dos pistoleiros digitais, a verdade é o alvo e a urna, o prêmio
A hiperpersonalização, alimentada pelo rastro digital que cada indivíduo deixa online, identificará vulnerabilidades e vieses com precisão cirúrgica, entregando mensagens tão sob medida que poderão desviar o livre-arbítrio e reforçar bolhas de filtro, fragmentando a realidade compartilhada e inviabilizando qualquer diálogo construtivo.
Os exemplos internacionais, como o caso Cambridge Analytica nas eleições dos EUA e no referendo Brexit, ambos em 2016, foram apenas o prenúncio do que a IA atual é capaz. A escalada é alarmante. Em 2023, na Eslováquia, áudios deepfake de candidatos espalharam desinformação dias antes da votação. Em 2024, cidades norte-americanas registraram chamadas automatizadas que reproduziam a voz de políticos para desencorajar o voto.
Sem regras claras para sua aplicação eleitoral, a fragilidade da democracia brasileira ficará continuamente exposta à erosão da verdade e à manipulação em massa. O vácuo regulatório permite que qualquer ator com recursos tecnológicos – campanhas, partidos, milícias digitais ou agentes externos – explore cada brecha legal e cada ponto cego da fiscalização para influenciar o eleitorado, minar adversários e subverter o processo democrático com impunidade alarmante. A velocidade da inovação da IA é implacável, e a incapacidade de estabelecer um arcabouço legal robusto a tempo de conter as práticas mais nefastas tornou-se uma triste certeza.
Diante da inevitabilidade desse cenário, a mera defesa reativa – o “apagar incêndios” depois que a verdade já foi destruída – é um suicídio estratégico. É imperativo que campanhas políticas, especialmente em eleições majoritárias, compreendam a urgência e implementem uma solução de vanguarda: o Núcleo de Blindagem.
Este não é um luxo opcional para poucos afortunados, mas uma estrutura inovadora, autônoma, multidisciplinar e intensivamente assistida por IA, que vai além da mera tática para se tornar a espinha dorsal da resiliência democrática. É o sistema nervoso central de uma campanha, a única salvaguarda capaz de enfrentar a virulência dos ataques orquestrados pela IA e a corrosão da confiança pública. Sua função é monitorar o ambiente digital com olhos algorítmicos, antecipar ameaças com precisão preditiva, elaborar respostas rápidas e eficazes, proteger a narrativa com compromisso ético e legal e, acima de tudo, resguardar a integridade do processo eleitoral.
Minha trajetória, forjada nas trincheiras de campanhas que atravessaram este país-continente e temperada na vanguarda da IA, grita uma verdade inegável: para 2026, essa proteção é um ato de sobrevivência. Não se trata apenas de mais uma estratégia no arsenal de uma campanha, mas da construção de uma fortaleza cognitiva, na qual a ética é o alicerce inquebrável e a IA, a sentinela vigilante. As campanhas que se recusarem a erguer um Núcleo de Blindagem robusto e eticamente balizado não apenas perderão nas urnas; elas render-se-ão à erosão da verdade, tornando-se cúmplices passivos de um futuro em que a democracia se reduz a um simulacro algorítmico, uma miragem digital sem lastro na realidade.
Que este grito de alerta, ecoando nas páginas da CartaCapital, ressoe como um despertar inescapável para cada cidadão e liderança política da nação. O futuro da democracia brasileira será decidido não apenas nas urnas, mas na coragem visceral de enfrentar esta “guerra cognitiva total”. O Núcleo de Blindagem surge como a promessa radical de que, mesmo no furacão digital sem lei, humanidade, verdade e ética podem e devem prevalecer.
A ingenuidade é um luxo que nossa jovem e vulnerável democracia não pode se permitir. Fé sem estratégia é cega. Estratégia sem ética é a ruína da República. A hora de construir essa fortaleza – de proteger a alma da democracia da tirania algorítmica – não é amanhã. A hora é AGORA, para que a voz do povo não seja afogada no mar de bits da manipulação e a soberania popular não se transforme em uma miragem algorítmica efêmera, mas permaneça como uma realidade inabalável e duradoura. •
*Presidente do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (Iria), estrategista político, especialista em IA aplicada na Comunicação Política e autor do livro A Delicada (ou Não) Arte da Desconstrução Política (Ed. Viseu). Twitter: @SeniseBSB. Instagram: @marcelosenise.
Publicado na edição n° 1393 de CartaCapital, em 24 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Faroeste algorítmico’
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