Política

Existe ligação entre o suspeito de matar Marielle e o clã Bolsonaro?

Entre teorias da conspiração e fatos, abrem-se as brechas que fazem pensar até onde vai a lista de coincidências

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Poucas horas após a prisão do policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e do ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, suspeitos de matar, há um ano, a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, uma outra questão – além de se chegar aos mandantes e motivos do assassinato da vereadora – ganhou força: as coincidências e ligações curiosas entre os suspeitos do crime e a família Bolsonaro.

Vieram do delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro – agora afastado do caso -, as declarações mais perturbadoras. Ao ser questionado por um jornalista, o delegado confirmou que a filha de Lessa namorou um dos filhos de Bolsonaro.

“Isso tem [namoro entre os dois], mas isso, para nós, hoje, não importou na motivação delitiva. Isso vai ser enfrentado num momento oportuno. Não é importante para esse momento”, disse Lages, sem entrar em detalhes sobre o relacionamento.

Ronnie Lessa mora no mesmo condomínio do presidente da República e de seu filho Carlos Bolsonaro, na Barra da Tijuca, onde foi preso. É vizinho de rua do presidente. “Não lembro desse cara. Meu condomínio tem 150 casas”, disse o presidente nesta quarta-feira 13, durante café da manhã com jornalistas em Brasília ao ser questionado sobre o vizinho preso.

Os outros filhos de Jair Bolsonaro são o senador Flávio e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Além desses, Bolsonaro tem um filho do segundo casamento chamado Jair Renan, de 20 anos.

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“Tentar fazer essa relação é mais do que absurdo, é repugnante”, reagiu o deputado federal Eduardo Bolsonaro, quando o assunto – e as coincidências – começaram a pesar na terça-feira 12.

Mas a concorrência de fatos que ligam a morte de Marielle e Anderson e a milícia do Rio de Janeiro aos Bolsonaros forma uma decrépita lista.

Em 2003, Jair Bolsonaro, então deputado, usou os microfones da Câmara para defender grupos de extermínio. A fala foi uma resposta a um deputado baiano que assumira a existência de esquadrões no estado. Na ocasião, Bolsonaro disse que como no Brasil não tem pena de morte, esses grupos são úteis e teriam seu apoio.

Em 2011, na época do assassinato da juíza Patrícia Acioli por milicianos, Flávio Bolsonaro usou seu perfil no Twitter para difamar a magistrada, que segundo ele “humilhava” os réus, e com isso “deve ter criado muitos desafetos”.

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O apreço de Flávio aos grupos paramilitares já era conhecido. Em 2007 o deputado defendeu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) que as milícias fossem reconhecidas legalmente como segurança das comunidades. Em 2015, foi o único deputado a votar contra a abertura de uma CPI para apurar crimes cometidos por policiais.

O mesmo barulho não foi feito pelos Bolsonaros quando a notícia da morte de Marielle e Anderson irrompeu o noticiário, repercutindo internacionalmente e levando milhares de pessoas às ruas. Jair Bolsonaro foi o único pré-candidato à presidência a não prestar condolências.

Mas talvez o gesto mais simbólico sobre a morte da vereadora e seu motorista pouco tenha a ver com indiferença, que a família presidencial, reiteradamente, tenta transmitir.

Durante a campanha presidencial de 2018, dois candidatos do PSL, partido dos Bolsonaros, rasgaram ao meio uma placa de rua com o nome de Marielle, colocada no Centro do Rio em homenagem à vereadora morta. Um deles, Rodrigo Amorim, se elegeu, e emoldurou a placa rachada em seu gabinete. Na época, Flávio Bolsonaro saiu prontamente em defesa da dupla, afirmando que eles “nada mais fizeram do que restaurar a ordem”.

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Já neste ano, o caso COAF revelou que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, fez movimentação atípica de 1,233 milhão entre 2016 e 2017. O órgão descobriu que, além do lote milionário, passaram também pela conta corrente do assessor de Flávio 5,8 milhões de reais nos dois exercícios imediatamente anteriores. Agora, um novo relatório aponta que Flávio recebeu 96 mil reais em 50 depósitos fracionados. O deputado alega que o dinheiro vivo é fruto da venda de um imóvel.

No dia 7 de dezembro, um dia depois do jornal O Estado de S. Paulo ter revelado que Fabrício Queiroz tinha movimentado de forma atípica 1,2 milhão entre 2016 e 2017, o ex-motorista tomou um chá de sumiço. A partir dali, surgiu a provocação “cadê o Queiroz?”.

Antes de se internar no hospital Albert Einstein, em 20 de dezembro de 2018, Queiroz se abrigou numa casa na favela de Rio das Pedras, dominada pela milícia.

O incômodo de Flávio Bolsonaro com Marielle salta aos olhos. Mais uma vez, foi o único parlamentar a votar contra a concessão da medalha Tiradentes à vereadora.

Já Carlos Bolsonaro, filho do meio e mais reservado do presidente, não conseguiu esconder seu descontentamento com a escola de samba campeã do Carnaval carioca em 2019. Fazendo o uso habitual das redes sociais, afirmou que a Mangueira tem envolvimento com milícias. A escola homenageou Marielle e outros heróis negligenciados pela história.

Pressionado sobre as relações da família com possíveis executores de Marielle e Anderson, Eduardo Bolsonaro, que até agora não tinha se somado à lista, afirmou: “Ninguém conhecia quem era Marielle Franco antes de ela ter sido assassinada.”

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