Política
Existe diálogo em SP
O vereador Nabil Bonduki faz um balanço dos primeiros cem dias de Fernando Haddad na Prefeitura
Os primeiros cem dias do governo Haddad se caracterizaram, acima de tudo, por suprir uma carência de diálogo entre a administração e a sociedade paulistana, que marcou os oito anos de Serra/Kassab. “Existe diálogo em SP” – título de um grande encontro que ocorreu no Centro Cultural São Paulo entre o secretário Juca Ferreira e cerca de mil produtores e gestores culturais – expressa a nova fase que se inicia na cidade.
A esperança que muitos paulistanos têm de que a administração Haddad possa marcar um período de grandes transformações para melhor nessa cidade com tantos problemas está respaldada na crença de que o prefeito e sua equipe terão a paciência de dialogar, ouvindo todas as opiniões e respeitando a diversidade. Para muitos, está claro que o diálogo e a busca de soluções, a partir do trabalho conjunto entre governo e sociedade, é a única forma de superar os imensos problemas da cidade.
Essa diretriz se nota em diferentes iniciativas da Prefeitura, como a criação do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Cidade, audiências públicas sobre o Plano de Metas e sobre os programas mais relevantes propostos na campanha, abertura de diálogo entre secretarias e subprefeituras e organizações da sociedade civil, início do processo de elaboração participativa da revisão do Plano Diretor Estratégico, entre outras.
Embora a avaliação dos governantes recém-empossados nos primeiros cem dias tenha se tornado uma rotina jornalística, esse período é muito curto para que um cidadão comum possa sentir os efeitos de uma nova administração. A gestão da cidade muda muito pouco nos primeiros três meses, período em que os novos secretários e suas equipes estão ainda tomando pé da situação que encontraram. Contratos e programas iniciados pelo antigo governo continuam em vigor, com grande inércia e pequena margem para alterações significativas. Ademais, um novo administrador responsável não pode alterar repentinamente a rotina administrativa, sob o risco de paralisar a gestão da cidade, e não deve introduzir transformações importantes que poderiam ser sentidas na vida da cidade.
Por essa razão, devem ser relativizados os altos índices de aprovação de Haddad nos primeiros cem dias: segundo o Datafolha, Haddad tem 31% de ótimo e bom – superior aos de Erundina, Maluf, Pitta, Serra e Kassab e inferior apenas aos 34% de Marta – e apenas 14% de ruim e péssimo. Os números, obviamente positivos, expressam mais as expectativas da população e o estilo de governar da nova administração do que resultados objetivos na melhoria das condições de vida dos paulistanos. Tudo indica que a sociedade está aprovando o estilo de Haddad, baseado no diálogo com a sociedade e na seriedade, agilidade e compromisso na implementação das principais propostas do programa de governo apresentado na campanha.
Enquanto Serra buscava viabilizar a sua candidatura à presidência e Kassab, formar o seu “partido” inodoro, o prefeito tem dedicado tempo integral à administração da cidade e demonstrado competência para garantir meios e recursos para implementar o ambicioso programa vitorioso nas urnas. Haddad se empenha para construir parcerias com os governos federal e estadual capazes de trazer recursos e benefícios para a cidade e batalha para renegociar a dívida com a União, que pode ampliar a capacidade de investimento da Prefeitura.
O prefeito tem se envolvido, pessoalmente, na estruturação das estratégias de implementação dos seus programas mais importantes, como, entre outros, a produção de habitação no centro, a rede Hora Certa, o bilhete único mensal, os corredores de ônibus e as mudanças na inspeção veicular. Como nenhum outro prefeito que conheci desde Figueiredo Ferraz, se envolve no debate urbanístico e formulação de propostas a serem incorporadas na revisão do Plano Diretor, buscando soluções estratégicas capazes de alterar a maneira como a cidade se estrutura.
Coragem, ousadia, inteligência, bom senso, visão de futuro e justiça social são algumas das qualidades que o prefeito vem demonstrando nesses cem dias; o que leva a crer que sua administração tem todas as condições de ser bem sucedida.
Entretanto, passado esse período, é possível também identificar setores da administração nos quais é necessário abrir o diálogo com segmentos sociais específicos, na perspectiva de construção de políticas públicas adequadas para a cidade. É o caso da área da habitação e do meio ambiente, onde se nota um forte descontentamento de movimentos sociais e ativistas.
A área da habitação talvez seja aquela onde os problemas aparecem com grande evidência. É um problema que assume, em São Paulo, tons dramáticos, seja por sua natureza estrutural seja em decorrência da atual administração ter recebido uma herança mais que maldita do governo Kassab.
A um custo de quase cem milhões por ano, cerca de 26 mil famílias que foram removidas de suas moradias vivem permanentemente, sem perspectiva de atendimento, do chamado bolsa-aluguel, alternativa que deveria ser usada apenas para emergências e alojamento temporário. Mais de trinta prédios abandonados no centro estão ocupados por sem-teto, em condições precárias. A forte especulação imobiliária, que elevou os valores dos aluguéis e dos imóveis, tem gerado forte exclusão territorial. A população em situação de rua vem crescendo a olhos vistos. Centenas de milhares de famílias vivem em assentamentos não regularizados, requerendo regularização fundiária para garantir a segurança na posse e o direito à habitação.
Esses problemas apenas poderão ser enfrentados com sucesso com uma interlocução permanente entre a administração municipal e os movimentos de moradia, incluindo ainda os técnicos e especialistas que trabalham com o tema, de grande complexidade. Como se sabe, as mobilizações nessa área são explosivas, ainda mais quando existe uma forte expectativa, como a gerada pela eleição de um prefeito do PT. É necessário se antecipar ao agravamento das tensões e abrir um grande diálogo sobre habitação na cidade. Afinal, conversas e parcerias para enfrentar os grandes problemas da cidade têm sido uma das grandes marcas dos primeiros cem dias da administração de Fernando Haddad.
*Nabil Bonduki, professor da FAU-USP, livre-docente em planejamento urbano, é vereador em São Paulo. Foi o relator da Lei do Plano Diretor Estratégico da cidade
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