Política

Da relativização da tortura à ‘destruição’ da oposição a Bolsonaro

Em 2001, Olavo de Carvalho era criticado por artigo que relativizava a repressão militar. Hoje, tornou-se referência para apoiadores do presidenciável

Caetano criticou publicação de Olavo que fala em "destruição" dos opositores a Bolsonaro
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Em 2001, um artigo de Olavo de Carvalho gerou revolta em parte dos leitores de O Globo. Sustentava o autor que o terrorismo de esquerda na ditadura era hediondo em si, enquanto sessões de tortura praticadas por militares dependiam de “graus e circunstâncias” para merecerem a alcunha.

Carvalho defendia ainda que a perseguição aos torturadores das Forças Armadas servia “para que os réus confessos de terrorismo, instalados em altos postos da República, possam estar tranquilos no desfrute de suas honras, glórias e mordomias”. 

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À época, o País era presidido por Fernando Henrique Cardoso, um opositor da ditadura e alvo do então deputado Jair Bolsonaro, para quem o erro dos militares foi não matar 30 mil, entre eles o tucano.

Em cartas de leitores do jornal, o artigo de Carvalho, a defender tese semelhante à de Bolsonaro à época, foi celebrado por alguns poucos. Um deles o parabenizou e criticou as tentativas de se rever a Lei de Anistia. Outro afirmou que a esquerda usava “de dois pesos e duas medidas para julgar os outros de acordo com seus interesses”. Mas a maioria das missivas era crítica ao autor.

“Ser de direita é uma coisa. Mas, espera aí, admitir a tortura?”, questiona um leitor. “Ao justificar um erro grave com outro grave, ele demonstra que o pensamento articulado pode servir muito bem ao mal da Humanidade”, escreve outro. Mais à frente, um terceiro lembrou uma relevante omissão de Carvalho. “Os maiores atentados foram planejados por integrantes das mesmas Forças Armadas responsáveis pelo combate ao terrorismo. Afinal, quem tentou explodir o Rio Centro e o Gasômetro do Rio?”

No início da década de 2000, o jornal carioca tinha em seu quadro de colunistas o jornalista e ex-deputado Márcio Moreira Alves, cujo discurso contra os militares em 1968 serviu de pretexto para o Ato Institucional nº 5, que radicalizou a repressão estatal e institucionalizou a tortura.

Em 9 de janeiro de 2001, Moreira Alves rebateu Carvalho. Lembrou que o Brasil já teve intelectuais de extrema-direita articulados “que defendiam suas teses com um mínimo de recato civilizado”. Mencionou Jarbas Passarinho e Roberto Campos, ministros da ditadura. “Nenhum desses antigos ideólogos da direita, no entanto, ousou defender publicamente um crime hediondo e covarde como é a a tortura”.

Dezessete anos depois, a aversão ao discurso de Olavo de Carvalho não é mais a mesma. Moreira Alves e outros atores políticos vítimas da repressão não estão mais entre nós. Favorito nas eleições presidenciais, Bolsonaro não é apenas mais um deputado do baixo clero com devaneios autoritários. Assim como Olavo de Carvalho, hoje mais que um revisionista dos tempos de repressão, um cultuado ideólogo da ascensão recente da extrema-direita no Brasil e no mundo. (ele próprio se considera de “extrema-direita”, segundo escreveu em seu Facebook).

Em suas redes sociais, espaço hoje mais influente na comparação com as páginas de opinião de um grande jornal, Carvalho defendeu que a vitória de Bolsonaro representa “não só uma derrota” para os “representantes do atual esquema de poder”, mas “sua total destruição enquanto grupos, enquanto organizações e enquanto indivíduos”. “Eles não estão lutando pelo poder nem para vencer uma eleição, estão lutando pela sobrevivência política, social, econômica e até física”.

A análise em tom de ameaça recebeu resposta de outra vítima da repressão militar: Caetano Veloso, preso em dezembro de 1968 antes de partir para o exílio em Londres.”Isso é anúncio de autoritarismo matador”, escreveu o músico em artigo publicado pela Folha de S.Paulo. “Considero o texto de Olavo incitação à violência. Convoco meus concidadãos a repudiá-lo”.

Uma das respostas de Carvalho ao músico veio também de suas redes sociais. “No meio do chilique, o Caetano não consegue esconder o segredinho do seu coração: ele daria o cu para escrever como eu”. Na sequência, classificou o baiano de “canalha mentiroso, difamador e puxa-saco profissional de comunistas”, além de ‘analfabeto”.

A facilidade com que Olavo dispara grosserias em suas redes sociais mostra que ele não é o mesmo de 17 anos atrás. Não é mais uma voz dissonante, criticada em dezenas de cartas de leitores de jornal. Hoje celebrado por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, ele tornou-se uma das principais referências para quem vota na candidatura do ex-militar.

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