Política

“Está acontecendo uma corrida milionária por terras na Amazônia”

Para o deputado Rodrigo Agostinho (PSB), líder da Frente Parlamentar Ambientalista, a extinta MP da Grilagem já provocou grandes estragos

O deputado Rodrigo Agostinho e o cacique Raoni (Reprodução)
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Diante de um esforço que envolveu ONGs e celebridades, e um arco de oposição à esquerda e à direita, a MP 910 ficou pelo caminho. Por sugestão do centrão, a medida perdeu a validade nesta terça-feira 19. Um novo texto, em forma de projeto de lei, deve ser votado em breve.

Apelidada de MP da Grilagem, a proposta facilita a regularização de terras públicas ocupadas. Vale para todo o Brasil, mas terá maior impacto na Amazônia Legal, região que engloba os nove Estados onde há vegetações amazônicas e 57 milhões de hectares de terra pública não designada no país. O novo texto propõe limitar a possibilidade de autodeclaração para agricultores com áreas de até 6 módulos fiscais e ocupadas até julho de 2008. Não mais 15 módulos (de 75 a 1.650 hectares) ocupados até 2018, como propôs o governo.

Pelo texto, o processo de vistoria seria executado via satélite.Para o deputado Rodrigo Agostinho (PSB), líder da Frente Parlamentar Ambientalista, este método abre um precedente perigoso. “Imagem de satélite é comprovante de uso, não de posse”, avalia. E pode encorajar conflitos e um mercado paralelo de venda ilegal de terras públicas, em especial na Amazônia. “Historicamente, o processo de titulação é marcado por muitos vícios, por roubos de terra pública. Só tivemos uma noção clara disso quando foi criado o Cadastro Ambiental Rural [em 2012]. E vimos muita sobreposição. Áreas da Amazônia reivindicadas por quatro, cinco pessoas…”.  

Confira a entrevista seguir:

CartaCapital:  O relator alterou em grande medida o projeto do governo. Dá para cantar vitória?

Rodrigo Agostinho: Com seis módulos fiscais, resolveríamos os problemas fundiários de 97% dos brasileiros. Mas os outros 3% são donos de um volume de terra assustador, quase 24 milhões de hectares. Eu defendo um volume menor, defendo quatro módulos. Um temor é votar a redução e esse item ser vetado pelo Bolsonaro, liberando a titulação de glebas de qualquer tamanho. Todo mundo ficaria na mão. 

CC: Como o senhor avalia os impactos dessa MP?

RA: A MP coloca a Amazônia à venda, e por preços simbólicos. Por titulação autorregulatória e valor de terra de assentamento rural. É um absurdo. A maior dificuldade em selar acordos em relação à MP é que o objetivo dela nunca foi atender aos pequenos agricultores. Se fosse, seria fácil resolver. O Incra tem todos os cadastros de assentamentos, os institutos de terra também. O programa Terra Legal existe desde 2009. Agora, eles estão ampliando o programa para o Brasil inteiro, abrindo para grandes áreas e tudo por autodeclaração. Não é assim. Vou pegar um pedaço da Amazônia pra mim? Imagem de satélite é comprovante de uso, não de posse.

Criticam tanto à invasão de terras privadas, mas são tão coniventes com a invasão de terras públicas. Os sem-terra são tratados como bandidos. Mas o grileiro toma na mão grande enormes volumes de terra e fica tudo certo.

Estamos vendo situações absurdas, temos casos que o sujeito vende a terra, põe o gado só para comprovar a posse e depois retira

CC: A expectativa tem estimulado ilegalidade?

RA: O que está acontecendo é uma corrida por terras na Amazônia. Os caras estão picotando grandes glebas de terra pública em lotes de 1.500 hectares. Vendendo sem documentos, via contrato de gaveta, e pedindo a titulação lote a lote ao Incra. Estamos coletando vários casos. De venda de posses por milhões. Criou-se um mercado paralelo. A proposta é regularizar as terras com base em autodeclaração e imagens de satélite. O satélite não mostra que você é o posseiro, mostra que você derrubou a floresta. Se você plantou, algumas culturas aparecem no satélite, outras não.

Estamos vendo situações absurdas, temos casos que o sujeito vende a terra, põe o gado só para comprovar a posse e depois retira. Eles alugam os bois para provar o uso da terra. É uma coisa sem pé nem cabeça. Não dá pra olhar para cima, dar um tchau pro satélite e mostrar que está ali. Tem gente em Santa Catarina titulando terras no Pará como se fosse posseiro. Comprando terra pela OLX e comprando a posse. 

CC: Já o processo das terras indígenas e quilombolas estacionou, não é?

RA: As terras quilombolas não tituladas e as terras indígenas não demarcadas estavam na base de dados do Incra. E o Incra não titulava terras que estivesse nessa base de dados. O Nabhan Garcia [secretário de Assuntos Fundiários] e o presidente da Funai tiraram da base esses dados. Eles estão distribuindo terras que deveriam ser demarcadas. É uma indústria, e com isso a maior floresta tropical do mundo está sendo loteada. Muita gente do Sul participa disso, muita gente de São Paulo, na expectativa de ganhar na loteria. Farei um pedido de informações para saber quantas titulações de grandes glebas foram tituladas nesse período. Tenho informações de que são mais de 1.000. Mesmo que a MP não seja votada, o estrago está feito. 

CC: E do ponto de vista econômico?

RA: Ao incentivar o desmatamento e o conflito fundiário, pinta-se uma imagem ainda pior do agronegócio brasileiro. Lá fora, o mercado quer saber a origem da carne, exigindo rastreamento para saber se o boi não vive em terras desmatadas. O agro pagará a conta.

O gado está entrando com força nas bordas da Amazônia. No leste do Pará, no Sul do Amazonas, no Norte do Mato Grosso, em Rondônia… Temos a soja entrando em Roraima, no Amapá. Mas, de maneira geral, não há grande produção agrícola. No meio da Amazônia, não há soja, nem nada. Nem o Estado e nem a Amazônia vão se desenvolver com isso. 

CC: E por que, então, essas terras são tão cobiçadas?

RA: A MP favorece o bolso de poucas pessoas. Muitos vão ficar com a terra até ter o título. No dia seguinte, vão vender. Quem mais vai se apropriar dessas terras é a pecuária. Não que o setor esteja conduzindo esse movimento, mas ele se beneficiam disso. Boa parte das terras griladas estão na região conhecida como MaToPiBa (acrônimo de Maranhão, Tocantins, Piaui, e Bahia), onde mais cresce a produção de soja no Brasil. No Maranhão e na Bahia, há muitos conflitos envolvendo grilagem. 

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