“Esquerda precisa deixar de ser ‘Constituição de 88’ e radicalizar como em 64”

Para sociólogo estudioso do campo progressista, esquerda não entendeu que País de 1988 não existe mais

Protesto durante a ditadura no Brasil, iniciada em 1964. Foto: Reprodução

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O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse em entrevista recente que “com certeza” faria campanha para Luciano Huck contra Jair Bolsonaro em um segundo turno na próxima eleição. No PT, que acaba de se tornar um “quarentão” em crise existencial, discutem-se nomes para 2022: Lula mesmo, embora “ficha-suja”? Fernando Haddad de novo? Talvez Dino, ex-petista?

Os movimentos de Dino e do PT são sintomas de uma crise profunda na esquerda brasileira, na avaliação do sociólogo Dauto da Silveira, mestre e doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), hoje professor no Instituto Federal de Santa Catarina.

Para ele, estudioso da esquerda brasileira, esta perde-se em cálculos eleitorais de médio prazo, em vez de pensar maior e de encarar a realidade. “Está sem bússola, sem um diagnóstico da crise nacional, há uma total perda de horizonte”, afirma. “Uma esquerda do tipo ‘Constituição de 1988’ não é mais possível. Ela precisa ser uma esquerda ‘pré-golpe de 1964’, mais radical.”

Dino disposto a aliar-se a Huck e o PT do legado lulista, teoriza o sociólogo, mostram a esquerda inclinada a jogar o jogo da “normalidade”, da institucionalidade e da via parlamentar, como se ainda houvesse certo Brasil. “Depois de 1988, a esquerda consolidou-se em defesa dos direitos sociais previstos na Constituição. A consciência máxima disso era o petismo. Essa normalidade não existe mais”, diz.

A vitória de Bolsonaro teria promovido uma “reconfiguração do sistema político”, baseada em uma “república rentista”, com acumulação capitalista para os mais ricos e retirada de direitos dos mais pobres. Essa reconfiguração “matou” o pacto social da Constituição, “morte” iniciada ainda com Michel Temer. Reforma da Previdência, congelamento de gastos públicos por 20 anos e reforma trabalhista são exemplos disso.


“A classe dominante decretou uma guerra contra o povo. É o povo que paga a conta da saída da crise”, afirma Silveira. “Toda a burguesia brasileira está unida em um ‘pacto pelo alto’ de que falava o Florestan (Fernandes, sociólogo e deputado constituinte pelo PT, morto em 1995). Bolsonaro é a expressão disso. O grau de destruição proposto por esse governo é muito grande.”

“Está sem bússola, sem um diagnóstico da crise nacional, há uma total perda de horizonte”

O presidente foi bem sucedido na eleição e tem conseguido manter certo apoio popular até aqui por ter se sintonizado com o cansaço popular com governantes, parlamentares, os poderes em geral. Ao entender isso, Bolsonaro radicalizou – pela direita. “Ele foi o único candidato antissistêmico. Mas claro que era uma falácia. Governa para ruralistas, banqueiros, estimula o emprego precário, a concentração de terras e de rendas”, diz Silveira.

“A esquerda nasceu para ser radical. Quem nasceu para ser antissistêmica, antirregime burguês, foi a esquerda. É tradição dos intelectuais de esquerda se colocarem como revolucionários, anti-ordem. Mesmo a velha social-democracia tinha o socialismo como horizonte”, prossegue o sociólogo. “A esquerda era radical até 1964. Agora é liberal, muito mansa sem dentes para morder.”

E o que seria essa radicalidade pré-golpe militar de 1964? Para Silveira, seria martelar diariamente a concentração de terras e a captura do Estado pelos banqueiros, propor a nacionalização do petróleo pré-sal cedido a estrangeiros, a volta da valorização do salário mínimo e maior tributação dos mais ricos, entre outras coisas.

O sociólogo não para por aí. “Tem de criar um movimento de massas contra um parlamento corrupto e patronal. De que adianta eleger 100 parlamentares, se são 600? É preciso chamar o povo e dizer: ‘Todas essas conquistas não serão possíveis com esse Estado liberal”. “A radicalidade”, afirma, “é o caminho mais seguro para a esquerda”.

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