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Espelho, espelho meu…

Moro mimetiza o discurso e se cerca de antigos aliados de Bolsonaro, enquanto é pressionado por apoiadores para melhorar seu desempenho eleitoral

Espelho, espelho meu…
Espelho, espelho meu…
(Foto: Saulo Rolim/Podemos)
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“A candidatura dele está encruada. Não pegou, não adianta.” A avaliação da viabilidade eleitoral do ­ex-juiz Sergio Moro não foi feita por um opositor, mas por um aliado do Podemos que chama de “aventura” a pré-candidatura à Presidência da Re­pública do ex-ministro de Jair Bolsonaro. Menos de 70 dias após o ato de filiação, quando nem a dificuldade em discursar e a voz rouca davam indícios do fiasco, o Podemos se vê obrigado a repensar a rota e Moro vacila diante da pressão.

A bancada federal do Podemos ameaça com a desfiliação em massa caso a pré-candidatura seja mantida. Dirigentes estaduais, incluindo no Paraná, sua terra natal, começam a pular fora do barco. Somam-se a isso o mau desempenho nas pesquisas eleitorais e a estratégia errática do ex-juiz de praticar o “mimetismo” político-eleitoral de Bolsonaro.

De acordo com a pesquisa Quaest, Moro possui 9% das intenções de voto, mas o porcentual cai para 1% nas respostas espontâneas. O ex-juiz acumula ainda a terceira maior rejeição, com 59%, ficando atrás apenas do seu ex-chefe Bolsonaro e do governador paulista, o tucano João Doria. Para reverter o quadro, ele tem mirado o voto conservador e de extrema-direita, e cercou-se de ex-bolsonaristas, mas esbarra na desconfiança de parte do eleitorado e de amplos setores da sociedade, até mesmo os evangélicos.

Segundo a Quaest, o ex-juiz tem a terceira maior rejeição, com 59%, atrás apenas de Bolsonaro e do tucano João Doria

“Ele tornou-se uma espécie de Bolsonaro que usa talheres, se podemos resumir assim”, avalia o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo. Dos 11 deputados federais do Podemos, ao menos sete temem que o “projeto Moro” fulmine suas candidaturas. Os motivos passam pelos arranjos regionais feitos em torno de Bolsonaro ou de Lula, a divisão do fundo eleitoral de 229 milhões com a candidatura majoritária e o tempo de propaganda gratuita na televisão.

“É um partido pequeno, com um candidato pequeno. Não tem como dar certo”, desabafa um deputado do Podemos, a fazer as suas contas: “No meu estado, estávamos com a chapa prontinha, o palanque para o Bolsonaro. Aí vem o Moro. Foi como soltar um urubu no meio dos pombos”.

Os parlamentares defendem que o Podemos lance a candidatura de Moro ao Senado pelo Paraná – uma decisão que cabe ao partido, não apenas a Álvaro Dias, de olho na mesma vaga. Outra possibilidade é empurrar o ex-juiz para o recém-criado União Brasil, fruto da fusão do PSL com o DEM, que conta com 1 bilhão de reais em fundo partidário. Neste caso, o Podemos indicaria a presidente Renata Abreu à Vice-Presidência de Moro. “É como colocar o guizo no rabo do gato. Se o Moro é isso tudo, eles entram bancando com a vice e liberam as bancadas para os acordos regionais”, diz um deputado. A UB discute internamente assumir o “projeto Moro”. “Estamos de portas abertas”, comenta o deputado Júnior Bozzella.

No início das tratativas, a ideia era Moro filiar-se ao Podemos para se candidatar ao Senado por um estado que não fosse o Paraná, uma vez que Álvaro Dias é considerado o candidato natural à reeleição. Mas diante da negativa do ex-juiz de mudar o domicílio eleitoral, ele e Álvaro chegaram ao acordo de lançar a pré-candidatura à Presidência. A construção “por cima” desagradou, porém, os dirigentes regionais.

Dias mira a reeleição ao Senado pelo Paraná – Imagem: Sérgio Lima/Podemos 19

No Rio de Janeiro, o dirigente Patrique Welber, secretário de Trabalho do governador Cláudio Castro, assegurou que irá com Bolsonaro. Até no Paraná, sua terra natal, Moro provoca baixas. O deputado federal Diego Garcia deve deixar o Podemos e o ex-prefeito de Guarapuava e presidente estadual do partido, Cezar Silvestri Filho, anunciou sua filiação ao PSDB para apoiar a candidatura de João ­Doria e Beto Richa, deixando Moro sem palanque em seu próprio estado. Em Mato Grosso, o deputado e dirigente ­estadual José Medeiros anunciou a desfiliação para se candidatar ao Senado, em uma legenda de apoio ao governo Bolsonaro.

Na Bahia, onde o deputado Bacelar é presidente estadual do Podemos, o partido é base do governo petista de Rui Costa, possui a Secretaria de Turismo e pretende seguir assim, dando apoio ao palanque de Lula. Em Pernambuco, o deputado Ricardo Teobaldo também tem interlocução com Lula e, em 2020, apoiou a candidatura de Marília Arraes (PT) à prefeitura do Recife no segundo turno.

Já em São Paulo, a turma do MBL pretende filiar-se ao Podemos, ampliando a bancada na Assembleia Legislativa e garantindo um palanque para Moro com a indicação do deputado estadual Arthur do Val, outrora conhecido como Mamãe Falei, o youtuber. A parceria pode, porém, atrapalhar a construção com o União Brasil que vai apoiar a candidatura de Rodrigo Garcia, do DEM, ao governo do estado. Assim como ex-aliados de Bolsonaro, o MBL tem histórico de envolvimento em escândalo de corrupção, o que pode se tornar um flanco na campanha do ex-juiz. Em julho de 2020, dois empresários ligados ao movimento foram presos sob a acusação de desviarem 400 milhões de reais de algumas empresas. O MBL nega que os investigados façam parte do movimento, mas o dano à imagem está feito.

A agenda anticorrupção não é exclusiva de Moro. Neste quesito, Lula e Bolsonaro estão à frente – Imagem: Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/AFPA crise dentro do Podemos acirrou ainda as divergências entre as bancadas no Senado e na Câmara. “É possível que alguns deputados não queiram, devido aos acordos regionais, mas quem não quiser ir com o Moro pode sair e, depois, o partido fecha a questão”, provoca o senador Oriovisto Guimarães, ao melhor estilo dos “incomodados que se mudem”. Os deputados o rebatem dizendo que a bancada só apoia Moro por não precisar se eleger em 2022. Dos nove senadores, seis possuem mandato até 2027.

Fora a crise interna, Moro esbarra também no discurso, considerado aquém para um candidato à Presidência. Esta semana ele “viralizou” nas redes sociais de modo negativo, após dizer que a Somália não cresce como a Inglaterra “devido às instituições”. Propostas como criar uma “força-tarefa contra a fome”, sempre remetendo à Lava Jato, também têm incomodado aliados.

Ao contrário do que pensa, o combate à corrupção não é pauta exclusiva de Moro. De acordo com a Quaest, 28% dos eleitores veem Lula como o melhor candidato para enfrentar a questão, seguido de Bolsonaro com 24% e Moro com 19%. Além disso, a pauta caiu no ranking de preocupação dos brasileiros com o agravamento das crises social e econômica.

A bancada federal do Podemos ameaça com uma desfiliação em massa, caso Moro dispute a Presidência

Ainda assim, Moro pode criar dificuldades para Bolsonaro e teria chance de se viabilizar se houvesse um reagrupamento dos nomes da terceira via em torno dele, afirma Couto: “Potencialmente, ele pode, mas precisa superar o vazio de ideias e a desconfiança”. Para se firmar como candidato, a estratégia de Moro é mirar o voto conservador, lançando mão de pautas de costumes, procurando lideranças evangélicas e entregando as coordenações a ex-bolsonaristas, como o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, cotado para ­disputar o Senado pelo Rio.

No setor evangélico, Moro escalou Uziel Santana, presidente licenciado da Associação Nacional de Juízes Evangélicos (Anajure), para dialogar com o setor. Fundada pela ministra Damares Alves, a Anajure é braço jurídico dos evangélicos e atua junto aos Três Poderes em favor das pautas cristãs. A associação também fez lobby pela indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Além de Uziel, o ex-procurador ­Deltan ­Dallagnol, virtual candidato à Câmara pelo Podemos, também tem ajudado na interlocução com igrejas protestantes tradicionais, pentecostais e neopentecostais, base de Bolsonaro. O ex-juiz reuniu-se com o pastor bolsonarista R.R. Soares e outras 50 lideranças evangélicas.

A despeito dos esforços de aproximação, o ex-juiz não tem tido um bom retorno do segmento. Na pesquisa Ipec, 34% dos evangélicos disseram ter intenção de votar em Lula, enquanto 33% afirmaram que optarão por Bolsonaro. Moro, por sua vez, apareceu com apenas 7% da preferência. A dificuldade numérica foi resumida em palavras pelo Pastor Silas Malafaia em uma live. “Além de Judas, (Moro) é um covarde, porque esperou um momento difícil de Bolsonaro para tentar sair em glória e se ferrou”, declarou. Ser um juiz considerado suspeito pelo STF tampouco o ajuda.

Moro também se jogou no lamaçal discursivo ao evocar o “combate à sexualização precoce”, bem ao estilo da ministra Damares Alves, o que não passou despercebido por aliados. “Espero conversar com ele para conhecer seu plano de governo e as suas intenções, mas algumas questões me preocupam, como essa pauta de sexualização precoce de crianças. Isto é usado para impedir a educação sexual nas escolas, é muito ruim”, critica o deputado federal Bacelar, do Podemos. Já o coordenador da campanha, Júnior Bozzella, minimiza o problema: “O foco, agora, é circular, dar muitas entrevistas, mas sabemos que não dá para apostar no discurso de divisão da sociedade. Tem de respeitar todas as camadas da sociedade”.

Renata Abreu pode sair como vice, o pastor Silas Malafaia compara o ex-juiz a Judas e Uziel Santana tenta aproximar o candidato de líderes evangélicos – Imagem: Redes sociais, Marcos Corrêa/PR e Roberto Alves/Podemos 19

Ainda na linha do mimetismo eleitoral bolsonarista, Moro elencou para auxiliar nas propostas para a segurança pública o senador Marcos do Val. Membro da tropa de choque de Bolsonaro na CPI da Pandemia e defensor do “tratamento precoce” da Covid com drogas ineficazes, o senador é uma espécie de garoto-propaganda da Taurus e da CBC, além de relatar vários projetos de interesse da indústria de armas. Flexibilizar a posse de armas no País é, porém, uma obsessão de Bolsonaro e filhos.

Para enveredar pelos meandros econômicos, ele conta com o apoio de ­Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central na gestão do ditador João Baptista Figueiredo. Pastore tem feito a ponte com empresários, na tentativa de encontrar adesão do mercado à candidatura, mas os avanços são tímidos. Outro aliado é o empresário paranaense ­Wilson Pincler, do Grupo Uninter, maior doador de Bolsonaro em 2018, e Fernando Figueiredo, da Mauá. No Paraná, tem agregado pequenos empresários, servidores públicos e procuradores, que se reúnem e fazem “vaquinhas” para instalar outdoors, produzir adesivos e movimentar as redes sociais.

Não bastasse, o candidato também tem esqueletos forçando a saída do armário. Isso inclui a relação de seu padrinho político Álvaro Dias com o doleiro Alberto Youssef e seu antigo emprego na Alvarez&Marsal, que prestou consultoria para empreiteiras condenadas na Lava Jato. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União permitiu o acesso a documentos sigilosos da operação sobre a Odebrecht, o que pode expor o seu conflito de interesses ao atuar na empresa norte-americana. Teria o ex-juiz fornecido informações privilegiadas sobre ações penais em desfavor da construtora, cliente da Alvarez&Marsal? O contrato entre a consultoria e Moro acabou em outubro, mas o TCU quer saber quanto o ex-magistrado e a empresa lucraram com a Lava Jato, que destruiu 4 milhões de empregos no Brasil, segundo o Dieese. Não por acaso, tantos correligionários começam a perceber que o principal adversário de Moro nas eleições é ele próprio. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1192 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Espelho, espelho meu…”

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