Política
Entre confiança e inconformismo, Lula antecipa o discurso da reeleição
Em um café de fim de ano com jornalistas, o presidente combinou balanço econômico, recados ao BC e sinais de que já organiza a arena para 2026
O presidente Lula encerra 2025 animado. Pelo terceiro ano consecutivo, a economia e a inflação deverão fechar melhor do que as previsões feitas em janeiro pelo mercado financeiro — estimativas que ele classifica como “sempre muito negativistas”.
Diante do desempenho econômico, Lula define-se como “feliz”. E arrisca desde já o balanço do fim deste mandato, daqui a 12 meses: “A menor inflação acumulada em quatro anos, a maior massa salarial, o menor nível de desemprego, o menor nível de pobreza”.
No café da manhã de fim de ano com jornalistas, nesta quinta-feira 18, em que falou longamente sobre sua “felicidade”, o presidente exibiu também uma paleta mais ampla de sentimentos. Houve também confiança, indignação, surpresa, inconformismo, esperança e lamento.
A atividade econômica e o mercado de trabalho seguem aquecidos, apesar dos juros do Banco Central, mantidos em 15% desde junho, o maior patamar em quase duas décadas. Lula já não tem mais um indicado de Jair Bolsonaro à frente da autoridade monetária para responsabilizar. Diz ter “100% de confiança” em Gabriel Galípolo, que assumiu o comando do BC em janeiro.
“Logo a taxa de juros vai baixar”, declarou o petista, torcendo para que seu — palavra dele — “desejo” seja farejado por Galípolo.
Outro desejo, ou melhor, “esperança”, é que os ventos mudem na União Europeia e o bloco aceite fechar um acordo comercial com o Mercosul nas próximas horas. Um tratado que Lula considera mais favorável aos europeus do que aos sul-americanos.
O Mercosul terá uma reunião de cúpula no dia 20, em Foz do Iguaçu, a última sob a presidência brasileira. Lula gostaria que o acordo com a União Europeia fosse anunciado ali. Mas, além da conhecida resistência francesa, surgiu um novo obstáculo: a Itália. “É novidade para mim”, comentou.
Antes do encontro, ao qual chegou com quase uma hora de atraso, Lula conversou por telefone com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. Ela ponderou que precisava de mais tempo para convencer os agricultores do país. “Vamos aguardar amanhã, a esperança é a última que morre”, disse o presidente. A Comissão Europeia decidiu, nesta quinta, adiar para janeiro a assinatura do acordo.
Até o Natal, Lula quer falar por telefone com outro chefe de Estado: Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. “Virou meu amigo”, afirmou. Segundo ele, os dois trocam mensagens a cada 15 dias.
Apesar da “amizade”, o tarifaço de 50% imposto pelos EUA segue em vigor, ainda que com alívios pontuais. O mesmo vale para investigações americanas sobre o Pix e o desmatamento ilegal. Se as medidas comerciais não forem revertidas, o Brasil tem uma carta na manga, diz Lula: a lei de reciprocidade econômica.
A Venezuela também entrou nas conversas com Trump. Os EUA cercaram o país com navios e dão sinais de que não descartam o uso da força contra o governo de Nicolás Maduro, que também falou recentemente com Lula.
A passagem de caças dos EUA por uma região controlada pela Venezuela gera nova tensão entre Maduro e Trump. Fotos: Federico PARRA / AFP e SAUL LOEB / AFP
“Ninguém coloca na mesa o que quer”, comentou o presidente, tanto sobre americanos quanto sobre venezuelanos. Os EUA querem apenas derrubar Maduro? Ou miram as maiores reservas de petróleo do mundo? Ou ainda as terras raras? São dúvidas que Lula diz manter.
O que não lhe causa dúvida é que as realizações do governo precisam ser mais conhecidas — pela população e até por ministros. Um exemplo citado, em tom de inconformismo: a transposição do Rio São Francisco, que ele define como a maior obra hídrica do mundo. “Os brasileiros não sabem. Nem a mídia.”
Para chamar atenção ao tema, Lula encomendou uma maquete da obra, que ficará exposta no Palácio do Planalto. Pretende visitá-la com repórteres. Ainda não há data.
Antes do inconformismo, Lula se mostrou indignado. O alvo foi o que chamou de “bandidagem, corrupção, roubalheira” nos descontos indevidos aplicados a aposentadorias do INSS.
Nesta quinta-feira 18, a Polícia Federal deflagrou mais uma fase da Operação Sem Desconto, que investiga o esquema. O número dois do Ministério da Previdência foi preso.
Questionado sobre a possibilidade de um de seus filhos, Fábio, ter envolvimento no caso, Lula respondeu: “Se tiver filho meu, vai ser investigado. Ninguém ficará livre”.
A indignação deu lugar ao “lamento” quando o tema passou a ser os prejuízos sucessivos de uma estatal. “Lamento profundamente a crise nos Correios”, disse. “Nós não podemos ter uma empresa pública dando prejuízo.” Privatização? Não, descartou.
Brasília (DF), 01/07/2025 – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participam do lançamento do Plano Safra 2025/26, no Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
E Fernando Haddad, ministro da Fazenda, será candidato em 2026? “Eu gostaria que ele fosse”, disse Lula. Haddad estava entre os quatro ministros presentes ao café com jornalistas, ao lado de Marina Silva (Meio Ambiente), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Rui Costa (Casa Civil).
Nos planos do PT, Haddad pode disputar o governo de São Paulo ou uma vaga no Senado. Ele não se entusiasma com nenhuma das opções, mas é considerado provável que deixe o cargo no início de 2026 para ficar disponível. Ao todo, outros 17 ministros devem sair para disputar eleições.
Sobre a própria candidatura à reeleição, Lula foi direto: “Nós vamos ganhar”. Para ele, não importa se haverá algum Bolsonaro nas urnas — nem qual deles. Campanhas são “tensas”, reconhece, mas garante não haver “um tema em que eu não esteja tranquilo para debater”.
Um desses temas é a redução da jornada de trabalho. Ex-líder sindical, Lula abraça agora a bandeira do fim da escala de seis dias de trabalho por um de descanso. “O País está pronto e a economia está pronta para o fim da escala 6 por 1”, avalia.
O governo pode enviar ao Congresso uma proposta sobre o tema, a depender das negociações com o movimento sindical. O Planalto, porém, tenta evitar projetos que dependam fortemente do Legislativo em 2026, ano de alta temperatura eleitoral.
Nos últimos dias, houve atritos entre o governo e os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Lula evitou acirrar o conflito e agradeceu deputados e senadores pela aprovação de pautas do governo.
O que não o impediu de avisar: não houve acordo algum sobre o projeto que reduz penas de condenados pelos atos golpistas. Se o texto chegar à sua mesa, será vetado.
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