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Enquanto o ‘orçamento secreto’ irriga os redutos eleitorais, as áreas sociais padecem

Teremos um ano de mais sofrimento para grande parte da população brasileira, pois não há crescimento à vista nem recursos para ampará-la em tempos de crise

Superlotado. O SUS não tem condições de atender à demanda reprimida em meio à pandemia do novo coronavírus - Imagem: Thiago Gomes/Agif/AFP
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A análise do orçamento público é fundamental para melhor entender as disputas travadas em torno dos recursos administrados pelos governos. Ela também oferece um panorama de quais são de fato as prioridades dos governantes. Com esses objetivos, o Instituto de Estudos Socioeconômicos, conhecido pela sigla Inesc, debruçou-se sobre os gastos do governo Bolsonaro nos seus três primeiros anos de mandato, 2019 a 2021. O que se verifica é um quadro devastador para a população brasileira.

Fonte: Siga Brasil / Data de extração dos dados: 4 de fevereiro de 2022 / Elaboração Inesc.

A primeira constatação é o significativo e profundo desmonte das instituições federais e sua entrega para forças privatizantes ou fundamentalistas. Esse desmonte pode ser percebido pelo sistemático desfinanciamento das políticas públicas resultantes de cortes orçamentários e da implementação de drásticas medidas de austeridade fiscal. Assim, os recursos para enfrentar a Covid-19 caíram 79% em 2021, o pior ano da pandemia. A Saúde perdeu 10 bilhões de reais em três anos, quando subtraídas as verbas destinadas ao enfrentamento do Sars-CoV-2, evidenciando que o SUS não dará conta de atender, nos próximos anos, às demandas de assistência médica represadas por conta da pandemia.

Descontados os recursos para combater a Covid, a Saúde perdeu 10 bilhões de reais em três anos

A mesma tendência se observa na Educação, tão necessária para o desenvolvimento do País. A área viu seus gastos diminuírem 8 bilhões em termos reais de 2019 a 2021. O orçamento destinado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma das principais agências de fomento à pesquisa no Brasil, responsável por boa parte das bolsas de mestrado e doutorado, segue ano a ano perdendo recursos: em 2021 foram gastos o equivalente a 75% do valor despendido em 2019. A educação infantil, essencial não somente para o desenvolvimento das crianças, mas também para possibilitar o trabalho dos pais e das mães, viu seu orçamento diminuir mais de quatro vezes em apenas três anos.

Com um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias, o governo não alocou nenhum centavo para a habitação de interesse social em 2021. Em 2020, tampouco. Em 2019, foram gastos míseros 18 milhões de reais, mas as despesas foram contratadas em anos anteriores.

Fonte: Siga Brasil / Data de extração dos dados: 4 de fevereiro de 2022 / Elaboração Inesc.

Em outros casos, existem verbas, ainda que insuficientes, mas os meios para gastá-las não são disponibilizados, passando a falsa sensação de que a área não funciona. É o caso do Meio Ambiente, que teve dificuldades para executar o orçamento disponível nos últimos três anos como resultado da falta de pessoal e da nomeação de militares para cargos de confiança, sem experiência e capacidade para conduzir a política de fiscalização.

Esse desmonte foi acompanhado de uma operação de sequestro dos recursos públicos em favor de interesses clientelistas e eleitoreiros. O chamado “orçamento­ secreto” consiste na utilização das emendas de relator para a “compra” de apoio parlamentar ao Planalto e para inundar de recursos os currais eleitorais dos ­deputados da base aliada.

Fonte: Siga Brasil / Data de extração dos dados: 4 de fevereiro de 2022 / Elaboração Inesc.

Em 2021, foram gastos com essas emendas mais de 10 bilhões de reais, o que equivale a mais de quatro vezes as despesas com as políticas de Meio Ambiente. Para financiar essa estratégia foi criada a PEC dos Precatórios, que se refere a um conjunto de medidas que tiveram como objetivo oferecer margem de manobra orçamentária para 2022. Isto porque o projeto de Lei Orçamentária ­Anual (LOA) apresentado no meio do ano pelo Executivo estava espremido pelo Teto de Gastos. O principal foco era liberar recursos para o Auxílio Brasil, emendas do relator-geral e financiamento de campanha eleitoral, entre outros itens.

A melhor expressão desse deliberado processo de desmonte pode ser vista nas celebrações do governo federal pelos resultados obtidos em relação ao déficit fiscal, que diminuiu em mais de dez vezes o que se esperava alcançar. Com efeito, havia-se calculado um valor negativo de 331,6 bilhões de reais em 2021, mas atingiu-se, de fato, um saldo negativo de 35,1 bilhões. Isso à custa do sofrimento do povo brasileiro que anda empobrecido, desempregado ou subempregado e passando fome.

Fonte: Siga Brasil / Data de extração dos dados: 4 de fevereiro de 2022 / Elaboração Inesc.

As notícias para 2022 não são animadoras porque os recursos federais alocados para as políticas sociais e ambientais continuam sob o comando da austeridade fiscal, do desprezo aos pobres e dos projetos eleitoreiros do bloco de Bolsonaro e companhia, incluindo Executivo e Legislativo. Um exemplo pode ser dado no que diz respeito à alocação de recursos para as políticas de promoção da igualdade de gênero, que em 2022 apresenta o menor valor da gestão Bolsonaro, ou seja, 43,2 milhões de reais, perante os 132,5 milhões despendidos em 2020.

Teremos um ano difícil, de mais sofrimento de grande parte da população brasileira, pois não há crescimento à vista nem recursos para ampará-la em tempos de crise. O pior dos mundos para os empobrecidos. Mais uma razão para continuar monitorando os gastos públicos e alertar para a sistemática violação de direitos humanos. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “De pires na mão”

 

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