Política

A urgência de um plano para a energia nuclear

Para além do risco de guerra que emerge da situação na Ucrânia, é fundamental que o Brasil aprimore seu Plano de Emergência para dirimir possíveis impactos radiológicos ao ambiente

A Central Nuclear de Angra dos Reis
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A insensatez política da União Europeia ao propor à Ucrânia um tratado de associação que, se aceito, praticamente obrigaria o país a escolher a UE à custa da Rússia resultou na crise que aí está, envolvendo a última e os países da OTAN. Um dos efeitos imediatos é o aumento do principal risco que o uso da energia nuclear apresenta: o de guerra nuclear.

Além desse, há outros riscos nucleares cujas consequências são intencionalmente procuradas e que constituem a maior parte do gênero. Estes se referem ao uso por terroristas ou insurgentes de explosivos nucleares; ao uso de explosivos nucleares contra terroristas ou insurgentes; e ao ataque a instalação nuclear que armazene grande quantidade de material radioativo e que resulte na dispersão de parte considerável do material pelo ambiente.

Pouco se fala do perigo de falhas nos sistemas de armamentos nucleares que resultem em disparos acidentais com explosões, particularmente em períodos de crise. Essas, aliadas à ameaça de acidentes em instalações nucleares (especialmente os severos, em centrais nucleares) constituem o principal risco nuclear devido a imprevistos.

É surpreendente o conformismo de populações com o fato de seus Estados serem detentores de armas nucleares. Não só não se sentem ameaçadas por elas, como costumam entender que são necessárias para a sua segurança. Embora a operação de uma central nuclear não seja simples, não existe a presença real ou potencial de um adversário astucioso como há nos cenários militares. Contudo, desde que centrais nucleares têm sofrido acidentes severos, e o estado de segurança destas instalações pouco difere do existente nos sistemas de armamentos nucleares, é de se esperar que algum disparo acidental com explosão nuclear catastrófica ocorra.

Comparado aos efeitos de uma guerra nuclear, limitada ou não, as consequências de um acidente severo em uma central, com vazamento substancial de material radioativo para o ambiente, são relativamente pequenas, embora bastante sérias.

Por várias razões, há anos a opinião pública mundial tem se mostrado mais preocupada com acidente em reatores do que com uma guerra. Essa impressão pode mudar agora com a atual crise ucraniana.

Para o Brasil, qual o risco? Se, em caso de guerra nuclear, o tratado de Tlatelolco for observado pelos Estados em conflito, a América Latina e o Caribe não serão alvos. Falta Índia, Paquistão, Coréia de Norte e Israel aderirem ao tratado. Mesmo assim, sofreríamos, entre outros, os efeitos climáticos e a contaminação com os materiais radioativos trazidos pelos ventos.

No curso de uma calamidade dessa natureza, teríamos a ameaça da destruição de cidades inteiras caso não fornecêssemos certos produtos e serviços ou abrigo a populações sobreviventes. Também há a possibilidade de ser usado pulso eletromagnético para destruir em massa os chips presentes nos equipamentos eletrônicos e para obliterar dados em mídias magnéticas. Uma única bomba nuclear de um megaton explodindo a 500 km sobre Brasília produziria tal pulso.

Abstraindo os riscos de guerra e terrorismo nuclear, os grandes perigos estão na central de Angra: o de ataque aos reatores e o de acidente severo em algum deles. Em ambos os casos, as consequências incluiriam impacto radiológico considerável ao ambiente.

Como minimizar esse cenário? A qualidade do Plano de Emergência (PE) para o caso de um acidente em Angra é o ponto crucial. Parte dele também será útil na eventualidade de um ataque com armas convencionais aos reatores. É sabido que um acidente dessa ordem requer medidas de intervenção que alcançam distâncias de 100 a 300 km da central acidentada; sendo possível que estas distâncias cheguem a 500 ou 1.000 km. O projeto flexRISK mostrou isto.

O planejamento de emergência não pode desconsiderar a evacuação de uma população comparável à do município de Angra dos Reis (com 170 mil habitantes) e realocá-la a uma distância igual ou superior a 80 km da central. O planejamento necessita envolver, pelo menos, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Tal como os desastres aéreos, aeroespaciais e ferroviários, os acidentes nucleares resultam de certo número de causas independentes. Uma combinação não prevista ou descartada de causas que rapidamente conduz à catástrofe. Um acidente sério na central de Angra pode vir em dia sem chuva, sem deslizamento de encostas e sem bloqueio de estradas. É um erro primário, ao fazer um estudo dos cenários possíveis, entender que aqueles previstos são os que podem ocorrer.

É fundamental que a população do Sudeste, onde medidas de intervenção podem ser requeridas, recebam informação de qualidade. A conscientização leva ao aumento da rejeição da energia nuclear como alternativa para a produção de energia elétrica, posto que não é agradável para alguém estar ciente de que, na eventualidade de certo tipo de acidente, necessitará deixar seu lar, seus bens, seu animal de estimação e tomar a rota de fuga para o destino indicado, dependendo de terceiros para a retirada de parentes próximos que se encontrem na área a ser evacuada.

É impraticável reduzir substancialmente o Plano de Emergência para adequá-lo aos recursos humanos e materiais ora disponíveis. Na ocorrência de um acidente que exceda amplamente o PE em vigor, este entrará em colapso: áreas previstas para receber a população realocada necessitariam estar despovoadas; novas áreas teriam de ser improvisadas, e certamente logo estariam em condições deploráveis; haveria caos e congestionamento nas vias de fuga; contaminação, evitável, com material radioativo de pessoas; exposição à radiação devido à falta de medidores Geiger; flagelados sendo discriminados, estejam contaminados ou não. Teríamos então uma catástrofe nuclear seguida por uma crise humanitária.

Não há como negar a uma sociedade o direito de construir reatores nucleares a fissão com a confiabilidade operacional que o estado-da-arte ora permite, mas esta sociedade merece estar informada tanto dos benefícios quanto dos riscos – que poderá, então, aceitar correr. Jailton da Costa Ferreira é engenheiro. A opinião do autor não expressa a da Comissão Nacional de Energia Nuclear onde trabalha.

Jailton da Costa Ferreira é engenheiro. A opinião do autor não expressa a da Comissão Nacional de Energia Nuclear onde trabalha.

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