Política

Empresa suspeita de superfaturamento nos Correios é contratada para avaliar venda da estatal

Apuração interna feita pela companhia pública apontou prejuízo de 10,9 milhões de reais em negócio fechado em 2017 com a Accenture

Correios (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
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Responsável por elaborar um plano para a privatização dos Correios, a consultoria Accenture é suspeita de superfaturar contratos com a própria estatal e com uma subsidiária. Apuração interna feita pela companhia pública apontou prejuízo de 10,9 milhões de reais em negócio fechado em 2017. O Ministério Público Federal investiga este acordo e um contrato anterior da empresa, firmado um ano antes, no valor de 36 milhões.

Mesmo assim, a consultoria foi escolhida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em agosto deste ano para realizar estudos a fim de conceder à iniciativa privada os serviços postais no Brasil. A licitação aberta pelo banco foi vencida pelo consórcio Postar, que, além da Accenture, inclui o escritório Machado, Meyer, Sendacz, Opice e Falcão Advogados e prevê o pagamento de 7,89 milhões de reais. A privatização da empresa, comandada pelo general Floriano Peixoto, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, é uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro.

O contrato que a investigação interna dos Correios concluiu ter sido superfaturado foi fechado entre a Accenture e a CorreiosPar braço de investimentos da estatal, extinta no ano passado. O valor inicial do negócio era de R$ 11,1 milhões, mas saltou para R$ 44,4 milhões depois de assinado. A contratação da consultoria feita sem licitação, teve como justificativa a prestação de assessoria para negociação de ativos da empresa pública e busca de parcerias.

Em nota, a Accenture disse estar apta para fechar contratos com o poder público e os Correios afirmaram que “não têm responsabilidade na contratação do referido consórcio”.

‘Indevida’

Relatório sigiloso da corregedoria dos Correios afirma que o acréscimo no valor do contrato foi feito “sem justificativa”. A apuração também concluiu que diversas partes do acordo não foram cumpridas e parcerias propostas pela consultoria nunca saíram do papel. “A quadruplicação indevida do valor global na contratação da Accenture gerou prejuízo aos cofres do Grupo Correios no valor de  10.966.164,83”, diz relatório do dia 6 de novembro. Documentos internos, no entanto, mostram que as irregularidades eram conhecidas desde o fim do ano passado.

O BNDES afirmou que consultou os Correios sobre a contratação da Accenture, mas não foi informado sobre irregularidades. “Investigações de companhias estatais são, por natureza, internas, não havendo previsão legal de que o BNDES tome conhecimento das mesmas”, disse o banco, que acrescentou não ter encontrado impedimento para a contratação da consultoria.

A conclusão da corregedoria dos Correios é a de que a alteração no contrato que elevou o valor a ser pago para a Accenture partiu da cúpula da estatal, à época comandada pelo ex-deputado Guilherme Campos (PSD-SP), indicado ao cargo pelo então ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD). Ele deixou a companhia pública em 2018.

“A iniciativa de alterar, indevidamente, o valor global da contratação partiu de dentro da empresa (Correios)”, diz outro trecho do relatório. A corregedoria cobra de Campos e de outros cinco ex-diretores a devolução dos R$ 10,9 milhões apontados como prejuízo. Também considerada responsável pelo superfaturamento no contrato, a analista Célia Regina Pereira Lima Negrão é a única que continua trabalhando nos Correios.

Apuração

A apuração interna, no entanto, não aponta qualquer responsabilidade da Accenture nas irregularidades, limitando-se aos funcionários da própria estatal. O relatório deve ser encaminhado nos próximos dias ao Ministério Público Federal, que já apura o caso em investigação própria, e ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Os procuradores também analisam se houve irregularidades num contrato anterior da mesma empresa, desta vez com os próprios Correios. O negócio, firmado sem licitação, previa o pagamento de 29 milhões de reais para o serviço de consultoria técnica especializada. Um aditivo assinado no mesmo ano aumentou em 7 milhões o valor do acordo. A suspeita de que também possa ter ocorrido superfaturamento levou o Ministério Público Federal a abrir novo procedimento em março.

Consultoria diz que não houve irregularidades

A empresa Accenture afirmou, em nota, que não possui nenhuma restrição para fechar negócios com o poder público. Disse ainda que o Tribunal de Contas da União (TCU) auditou o contrato com a CorreiosPar em 2017 e concluiu não haver qualquer irregularidade. “A Accenture não tem restrições quanto a sua idoneidade e está apta a participar de qualquer licitação pública”, diz a nota empresa.

A corregedoria dos Correios, porém, recomendou uma tomada de contas especiais, procedimento adotado pelo TCU para o ressarcimento do erário em caso de eventuais prejuízos.

Os Correios não forneceram detalhes da investigação interna e informaram que não possuem, atualmente, nenhum contrato vigente com a Accenture. A estatal disse ainda não ter responsabilidade na contratação do consórcio. “Não houve nenhuma influência da empresa e da sua atual gestão sobre a escolha da consultoria.” Os Correios não se manifestaram sobre funcionários e ex-funcionários citados.

‘Sigilo’

Em nota enviada após a publicação da reportagem no portal estadao.com.br, os Correios destacaram que a contratação da Accenture foi feita pelo BNDES e que a investigação interna que identificou superfaturamento foi conduzida pela corregedoria da empresa em “sigilo absoluto”. “Nem mesmo a alta gestão da estatal possui acesso às informações apuradas”, afirma o comunicado.

Guilherme Campos disse que não foi notificado pela corregedoria sobre a investigação nem sobre a necessidade de ressarcimento à estatal. “Não fui notificado de nenhuma apuração. Tenho plena confiança de tudo o que eu fiz”, afirmou o ex-presidente da estatal. A reportagem não conseguiu contato com a funcionária Célia Regina Pereira Lima Negrão.

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