Política

Em Sergipe, progressistas confiam em virada eleitoral

Candidatura de Belivaldo Chagas e Eliane Aquino enfrenta conservadores e famílias tradicionais da cena local

Belivaldo Chagas (PSD), atual governador, compõe chapa com a petista Eliane Aquino
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Belivaldo Chagas, do PSD, e Eliane Aquino, do PT, provavelmente sejam os companheiros de chapa a realizarem a campanha mais integrada dentre as candidaturas a governador e a vice-governadoria não somente no Sergipe, mas em todo o Brasil.

A coalizão progressista busca o quarto mandato consecutivo para dar continuidade ao projeto iniciado pelo petista Marcelo Déda em 2006 e seguido pelo ex-governador Jackson Barreto (PMDB), rivalizando com a direita representada pelo senador Eduardo Amorim (PSDB) e a tradição política conservadora da família Valadares em uma disputa com cenário indefinido de acordo com as últimas pesquisas.

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A chapa governista, que começou em um distante terceiro lugar nas projeções, surpreendeu ao longo da campanha ao crescer nas pesquisas mesmo sob o forte ataque dos opositores. O cenário nacional pode ter sido um dos fatores a contribuir com o avanço dos chamados candidatos de Lula no estado.

Em Sergipe, o presidenciável Fernando Haddad (PT) em um intervalo de trinta dias saltou de 3% para 33% das intenções de voto, mais que o dobro do segundo colocado, Jair Bolsonaro (PSL), que registra 16%, segundo o Ibope.

“Nosso estado pode dizer o que foi a experiência da gestão com Déda governador e Lula presidente. Vivemos a reconstrução do estado, as políticas públicas chegaram aos locais mais longínquos, foram anos (até o falecimento do então chefe do executivo) em que elevamos os dados socioeconômicos, o interior foi valorizado, a autoestima do povo melhorou”, afirma Eliane Aquino, eleita em 2016 vice-prefeita de Aracaju ao lado de Edivaldo Nogueira (PCdoB).

“Pensamos no desenvolvimento não com programas para a próxima eleição e sim para as gerações que chegarão. Entro nessa eleição trazendo as bandeiras da luta as mulheres, dos negros, pessoas com deficiência, não para ser a vice sem voz, mas para dividir inclusive as tarefas de campanha. Tem dado certo.”

O conjunto habitacional construído nas proximidades do bairro Industrial e às margens da cidade Nossa Senhora do Socorro, na grande Aracaju, simboliza uma das últimas obras de apelo social inaugurada durante o mandato do governador Jackson Barreto.

Denominado Senador José Eduardo Dutra , em homenagem ao falecido político que elegeu-se ao senado e foi presidente da Petrobras de 2003 a 2005, a unidade beneficiou mais de duas mil pessoas alocadas em 580 casas localizadas ao lado de uma grande praça com áreas de lazer, quadra de esportes e paradas de ônibus.

“Além  do benefício às famílias, esses projetos aqueciam a construção civil empregando relevante número de  trabalhadores. Agora as obras ficaram escassas, a chance para encontrar ocupação piorou muito e para complicar a gasolina está batendo nos cinco reais, o gás de cozinha nos 75, mesmo nos bairros periféricos”, comenta João Evandro, na orla de Atalaia.

No interior o quadro de desemprego se repete, no município de Salgado, a falta de oportunidades e o excesso de concentração do dinheiro é tanto que algumas casas são alugadas ao preço de 30 reais mensais pelos proprietários. A situação de exploração agrária na região produtora de laranja e acerola submete os trabalhadores a longas jornadas sem que sejam remunerados de maneira justa pela mão de obra que emprestam a grande produtores.

“Fui trabalhar e época de colheita a alguns anos . Os fazendeiros pagavam um real por cesta de laranja e cinco pela cesta de acerola que enchíamos. Agora convivo com a incerteza do dia de amanha diante do baixo movimento do comércio”, retrata Maria Souza, contratada por uma lanchonete sem ter a carteira assinada em Aracaju.

O funcionalismo também foi fortemente afetado pela crise. As dificuldades de arrecadação se somaram à turbulência da cena política nacional e resultaram em atrasos de salários à categoria. Para muitos, a oposição do governador Jackson ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff trouxe como efeito colateral o descaso e a perseguição por parte do empossado Michel Temer, que chegou ao poder apoiado pela maioria da bancada de deputados e dos três senadores sergipanos.

“Sergipe hoje tem o pior governo de sua história, o estado foi atrasado em todas as áreas. Os atuais governantes esqueceram de cuidar do povo e a demonstração disso está nas pesquisas que apontam essa necessidade de mudança, através de uma gestão moderna, eficiente”, opina Valadares Filho.

O deputado federal que votou favoravelmente junto de seu pai, o senador Antonio Valadares para que Temer assumisse a presidência agora adota tom de crítica em relação ao mandatário mais reprovado pela sociedade brasileira – no estado a satisfação com o peemedebista  é de irrisórios 3%. “Conseguiu piorar ainda mais a situação econômica do país, aumentou o número de desempregados, elevou absurdamente o preço de produtos básicos de consumo, implantou reformas que retiram direitos dos trabalhadores”, afirma o parlamentar, eximindo-se da responsabilidade por sua posição anterior.

Campanha negativa

Até o árbitro de vídeo apareceu na eleição sergipana para mostrar a realidade dos fatos. O recurso empregado na Copa do Mundo e em jogos importantes de futebol foi utilizado para associar a família Valadares aos golpistas ao mostrar imagens do senador abraçando Michel Temer durante a posse do peemedebista, além dos votos de pai e filho pelo afastamento de Dilma.

Outras peças publicitárias apontam ainda a destinação das emendas do deputado privilegiando festas populares em detrimento da alocação de recursos em áreas como a da saúde. Fora das TVs e dos jornais, o boca a boca das ruas não perdoa o berço de ouro no qual nasceu e os privilégios de pertencer à elite política, motivos que fariam o jovem político pouco sensível aos reais problemas da vida do povo.  

A propaganda sobre o tradicional clã é apena uma das veiculadas pelos principais candidatos, que apostaram na crítica pesada como estratégia para desgastar e expor as contradições dos adversários. Nesse contexto, insere-se a divulgação do que a oposição classifica de supersalários do governador, referindo-se aos elevados vencimentos de Belivaldo por acumular o salário de chefe do executivo e receber valores em virtude da sua aposentadoria.

Sobre Eduardo Amorim, também pesa a condição de aliado de Temer e do protagonismo de nomes de sua chapa na gestão federal, cujo exemplo mais evidente dessa proximidade é o deputado federal André Moura (PSC), candidato ao senado e ex-líder do governo na Câmara.

A quantidade impressionante de pessoas segurando bandeiras azuis tucanas na avenida Beira Mar de Aracaju sugere o potencial de investimento da chapa para produzir uma imagem positiva da coligação. O elogio de integrantes da academia a Moura, incluindo o reitor da Universidade Federal do Sergipe e o engajamento de lideranças religiosas, sobretudo do segmento evangélico, a Amorim funcionariam como argumentos para qualificar os planos do grupo, o mais identificado com a direita nacional no cenário local, replicando as propostas de limitação de gastos e arrocho nos investimentos para resolver os problemas de caixa.

“Sergipe, ao longo dos anos, tem sido um estado perdulário. Por outro lado, é preciso rever o relacionamento do governo com empresas e prestadores de serviços. O governo é o maior caloteiro por aqui”, sugere o deputado estadual Gilmar Machado (PSC), conhecido por apresentar o Cidade Alerta, focado em temas de criminalidade e repressão.

 Na disputa ao senado sobrou para Jackson Barreto, que tem o vídeo no qual aparece garantindo que nunca mais iria disputar eleições repetido à exaustão.

“Anunciei publicamente que não seria candidato e dizendo que se fosse não votassem em mim porque queria encerrar a vida pública. Isso foi antes do golpe, depois a situação mudou e fui convidado a conversar com o presidente Lula, que me fez um apelo para que eu concorresse ao senado, senão o estado ficaria nas mãos dos golpistas. Nesse sentido, a candidatura tornou-se inevitável pelo meu compromisso com a democracia. Fui preso político, lutei contra a ditadura, tenho uma história que vem de muito tempo comprometido com setores de centro esquerda no nosso país”, explica JB, forma pela qual é reconhecido pelo eleitorado.

Primeiro prefeito de esquerda eleito no início da abertura democrática, o experiente político disputa principalmente com Valadares e André Moura as duas cadeiras em jogo – a outra a que o estado tem direito permanecerá com Maria do Carmo Alves (DEM), identificada por alguns como “mãe dos pobres”, recebe críticas pela atuação marcada pela cadeira vazia que costuma deixar no plenário.

Na disputa pela Câmara, chama a atenção a candidatura do presidente licenciado do Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de São Paulo, Valdevan Noventa. Nascido em Estância, no Sergipe, o sindicalista exerceu sua carreira sindical fora de sua terra natal, tendo inclusive sido eleito vereador na cidade paulista de Taboão da Serra.

O retorno às origens seria um artifício para obter uma provável eleição herdando parte dos votos de Moura, aliado de primeira ordem do deputado cassado e x-presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB). Na corrente oposta estão as candidaturas de Márcio Macedo (PT), coordenador das caravanas de Lula pelo Brasil e João Daniel (PT), oriundo do MST.

Para a Assembleia, os petistas apresentam sua mais jovem candidata à bancada estadual em todo o Brasil, Taíres Santos ligada ao movimento estudantil, enquanto os comunistas botam fé no Pastor Glédson (PCdoB), dentre outros tantos nomes de decisiva atuação regional.

Os tons vermelhos do Sergipe

A única candidatura de uma mulher negra à presidência fora do campo conservador guarda estreita relação com o Sergipe. Vera Lucia Salgado foi o nome definido pelo PSTU para liderar a legenda na corrida nacional depois de ter disputado a prefeitura da capital por três oportunidades, em uma delas obtendo mais de 20 mil votos.

“Vou votar em Vera porque ela não é como os políticos que aparecem somente em época de eleição. Ela sempre está por aqui e se interessa pelos problemas que passamos”, conta Quitéria Andrade, dona de uma banca no mercado público da capital. Em relação ao quadro geral, Vera tem 0,3% das intenções de voto, ficando na décima primeira posição dentre treze candidaturas à presidência.

“Há de fato muita influência das organizações de esquerda no estado. Sergipe sempre teve uma forte tradição no movimento operário e nos movimentos sociais. As greves gerais do ano passado aqui tiveram uma força impressionante e é aí que apostamos nossas fichas. Só a mobilização direta dos trabalhadores poderá realizar as transformações que precisamos, inclusive a superação das velhas partidos ditos progressistas ou de esquerda, que ao optar por alianças com a burguesia corrupta em Sergipe e no Brasil se convertem também em inimigos dos trabalhadores”, diz Vera Lucia.

Outra peculiaridade do estado reside no comando de Aracaju pelo PCdoB de Edivaldo Nogueira, em dobradinha com o PT da vice Eliane Aquino, na única prefeitura de capital vencida pelo partido na eleição de 2016. Os comunistas voltaram ao executivo depois da última passagem do conservador João Alves (DEM) pelo cargo e alegam ter recebido a máquina com dívidas que atingiam R$ 540 milhões, metade desse valor já teria sido quitado em menos de dois anos da nova gestão, que se viu obrigada a pagar 15 salários em doze meses para compensar os débitos deixados pelo antigo prefeito junto aos funcionários.

A tradição de manter a limpeza urbana em Aracaju segue com a nova gestão, mas as polêmicas envolvendo a licitação do lixo renderam a tentativa da oposição de protocolar um CPI na Câmara sobre o assunto, ao considerar que a empresa  cujo serviço oferecia menor preço foi desclassificada por interesses nebulosos do executivo. O recapeamento de vias, elogiado por moradores de bairros populares contrasta com a reclamação da classe média alta nas zonas mais valorizadas imobiliariamente acerca do aumento do IPTU para alguns condomínios.

“A prefeitura tem hoje uma avaliação muito positiva, o que foi importante para Belivaldo, pois a força da administração municipal e a aprovação da nossa gestão refletiram no crescimento dele. O fato de entrarmos na campanha estimulou outros prefeitos do interior, criando um movimento favorável. As grandes realizações da política sergipana foram feitas por nosso grupo. Temos muitos resultados, obvio que há problemas, mas quando a população faz um balanço compreende que representamos o melhor para o Estado”, afirma Edivaldo Nogueira.

A característica progressista de Aracaju, que teve a maioria de governos do PT e PCdoB nas últimas décadas – excetuando o períodos em que Alves esteve no poder – se difere de outros ambientes do interior onde influência dos conservadores provoca até mesmo o veto a que determinadas candidaturas entrem na região.

Na medição de forças, o menor estado do país pode registrar uma das maiores viradas eleitorais caso o campo progressista avance para nova vitória. A aliança governista enfrenta a mais dura prova no período pós golpe nacional para garantir o Sergipe como mais um dos representantes do nordeste a optar por projetos regionais de esquerda, colorindo com vermelho a bandeira verde, azul e amarela do Sergipe.

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