Política

Em debate na Fiesp sobre reforma política, o novo dá lugar ao velho

Sem consenso quanto a modelo eleitoral, nomes como Gilmar Mendes e Rodrigo Maia reciclam propostas como a cláusula de barreira e o fim de coligações

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“Eu quero ter orgulho de votar”, diz o jovem Thiago, de 17 anos, na abertura do evento Reforma Política Já, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na segunda-feira 26 para uma plateia de quase 500 espectadores. Após um breve discurso, ele ergue o punho e, de forma teatral, pede mudanças no sistema eleitoral.

Na sequência, o novo dá lugar ao velho. O presidente da entidade, Paulo Skaf, candidato ao governo de São Paulo pelo PMDB em 2014, sobe ao púlpito e diz ser urgente dar uma resposta a brasileiros como Thiago, que não acreditam na classe política. Skaf afirma que o sistema político brasileiro está “falido” e defende a aprovação de uma reforma como meio de reconquistar a confiança da população. “Não há política sem políticos”, resume. “Precisamos acabar com a bagunça.”

O presidente da entidade parece preocupar-se apenas com a bagunça alheia. Questionado, após o evento, sobre o envolvimento do correligionário Michel Temer em escândalos de corrupção, Skaf disse que “não cabe à Fiesp falar sobre renúncia”. O empresário participou ativamente da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff e é investigado em um inquérito derivado da delação de Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato.

Mediado pelo jornalista Gerson Camarotti, da Globonews, e com a participação de figuras próximas a Temer como Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, o debate é parte da campanha lançada pela Fiesp para impulsionar o debate sobre a reforma política e angariar apoio para a aprovação “imediata” de mudanças na legislação.

Para entrarem em vigor nas eleições de 2018, as novas regras precisam ser aprovadas e sancionadas na primeira semana de outubro. Durante as oito horas de evento, muito se falou sobre a importância das reformas trabalhista e da Previdência (ou sobre o “aperfeiçoamento” das leis, nas palavras de alguns), mas à reforma política foi concedido o status de “mãe” de todas as reformas.

Embora exista consenso a respeito da necessidade de mudanças no sistema eleitoral, não há entendimento quanto às alterações a serem feitas: “Há 100% de apoio, mas há também 100% de divergência”, disse Maia. “Cada um tem uma reforma política para chamar de sua”, afirmou o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). “Este é o impasse: cada um tem uma reforma na cabeça”, declarou o deputado Vicente Cândido (PT-SP).

Relator da comissão especial da reforma política na Câmara, Cândido foi o único parlamentar da oposição convidado para o evento. Ao defender a criação de um fundo público para o financiamento de campanhas eleitorais, o petista foi interrompido por um participante. “Isso é roubo. Eu não quero o meu dinheiro financiando a sua campanha”, gritou o jovem.

O parlamentar explicava que, antes de criar o fundo, seria preciso alterar o sistema eleitoral de forma a reduzir o número de candidatos. Ele sugere um modelo de transição, que começaria com a adoção da lista fechada (preordenada pelos partidos) e passaria, depois, para o sistema distrital misto, semelhante ao da Alemanha, no qual metade dos parlamentares é eleita pelo voto distrital (no qual vence o mais votado) e metade é eleita pela lista fechada.

“Mas, neste momento, está crescendo no Congresso uma onda pelo ‘distritão’”, afirmou o petista. “E tanto o sistema atual quanto o ‘distritão’ são incompatíveis com o financiamento público”, completou. A lógica do ‘distritão’ segue a do voto majoritário, que elege os candidatos mais votados e, portanto, favorece a personalização das campanhas.

Em seu discurso, o senador Ferraço fez uma “defesa explícita” da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria cláusula de barreira para partidos e põe fim às coligações em eleições proporcionais, da qual é signatário. O texto foi aprovado no Senado em novembro de 2016, e o tucano obteve na Fiesp uma sinalização favorável de Rodrigo Maia. “Nós vamos tentar… nós vamos tentar, não, nós vamos aprovar a PEC do senador Ferraço”, afirmou o presidente da Câmara.

O objetivo da PEC é limitar o número de partidos no Congresso Nacional. A cláusula de barreira, por exemplo, institui uma porcentagem mínima de votos que uma legenda deve atingir para ter acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV. Os defensores da proposta argumentam que o grande número de partidos dificulta a governabilidade; os críticos, por sua vez, afirmam que a cláusula de barreira prejudica as siglas pequenas e a representação política das minorias.

Gilmar Mendes

Aguardado, o ministro Gilmar Mendes foi recebido com aplausos na Fiesp. Em seu pronunciamento, ele defendeu a PEC que impõe a cláusula de barreira e proíbe as coligações proporcionais e sugeriu um resgate das discussões sobre parlamentarismo e semipresidencialismo.

O discurso de quase 40 minutos foi marcado, no entanto, por uma defesa da classe política. O ministro criticou o que chamou de “república de promotores e juízes” e disse que “não há salvação fora da política”.

“Já trocamos os políticos que buscavam votos pelos militares. Acho que [isso] não subsiste à democracia. Alguém pode imaginar que poderá ter uma república de promotores e juízes, mas creio que também ficarão decepcionados com o resultado”, afirmou o ministro. “Portanto, desconfie de quem sonha com democracia ou ditadura de juiz. Não há salvação fora da política e dos políticos.”

Pesquisa divulgada naquela segunda-feira pelo Datafolha mostrou que o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, possui 14% das intenções de voto nas eleições presidenciais de 2018.

Segundo Mendes, “a descrença na política contamina a crença na democracia” e pode provocar a ascensão do autoritarismo. “A deterioração [da democracia] pode nos levar a regimes pavorosos, que podem interromper um processo civilizatório.” O ministro afirma que cabe ao Congresso impor “limite” à atuação política do Ministério Público e do Judiciário mesmo no que diz respeito às “boas intenções”. “Boas intenções pavimentam o caminho do inferno.”

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