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Em busca da reeleição, Castro torra os bilionários recursos da Cedae

O dinheiro deu asas ao governo estadual e permitiu o anúncio, em agosto, de um pacote de bondades

Castro terá o ex-capitão no palanque - Imagem: Alan Santos/PR
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Com direito a “parabéns para você” cantarolado por Alcione e ritmado pela bateria da escola de samba Grande Rio, o governador fluminense Cláudio Castro, do PL, comemorou há dez dias o seu aniversário de 43 anos. Em uma festança para 1,2 mil convidados no Jockey Club do Rio, a reunir lideranças das diversas correntes políticas do estado, Castro, um cantor e compositor católico, se permitiu entoar alguns antigos sambas de enredo e soltou discretamente a voz em um clássico da União da Ilha que pergunta como será o amanhã. Talvez estivesse pensando em seu projeto de reeleição ou como em tão pouco tempo o destino levou-o da condição de chefe de gabinete na Câmara Municipal a líder nas pesquisas eleitorais e um dos mais fortes candidatos bolsonaristas a governador. Em sondagem divulgada pela Genial/Quaest em 22 de março, Castro, com 21% das intenções de voto, aparece à frente de Marcelo Freixo, do PSOL (17%) e Rodrigo Neves, do PDT (9%).

O deputado Marcelo Freixo conta com o apoio de Lula para desbancar o governador fluminense – Imagem: Ricardo Stuckert

O Brasil é farto em personagens que tiveram ascensão política e eleitoral vertiginosa, mas poucos contaram tanto com a sorte como Castro. É verdade que habilidade e trato político nunca lhe faltaram, fruto de 12 anos de trabalho na Câmara, a maior parte deles como chefe de gabinete do hoje deputado estadual Márcio Pacheco, do PSC, um dos campeões do voto conservador no Rio. Foi colando seu nome em Pacheco que Castro se elegeu para o primeiro mandato de vereador em 2016, com pouco mais de 10 mil votos. Também com a bênção do padrinho ele viu dois anos mais tarde cair no seu colo a então pouquíssima cobiçada vaga de vice na chapa do desconhecido ex-juiz ­Wilson Witzel ao Palácio Guanabara. O resto é história: Witzel foi eleito na onda bolsonarista, mas afastado do cargo em agosto de 2020 por envolvimento em um esquema de corrupção na Secretaria de Saúde. Castro tornou-se governador, primeiro de forma interina, depois definitivamente, desde 30 de abril do ano passado.

Dois meses após a efetivação no cargo, quando ainda discutia com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a entrada do Rio no Regime de Recuperação Fiscal do governo federal, Castro privatizou a lucrativa Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) por 24,9 bilhões de reais em um leilão que contou com a presença do entusiasmado senador Flávio Bolsonaro. O dinheiro deu asas ao governo estadual e permitiu o anúncio, em agosto, de um pacote de bondades, o Pacto RJ, a prever investimentos de 17 bilhões de reais em 50 projetos nas áreas de saneamento, infraestrutura, segurança pública, habitação, saúde, meio ambiente, cultura e educação. Celebrado desde o seu lançamento em uma série de pajelanças políticas pelo estado afora, o pacote conquistou o coração da maioria dos 92 prefeitos fluminenses. O resultado começa a aparecer nas pesquisas.

O governador já figura na dianteira das pesquisas, mas perde para Freixo no segundo turno

Cerca de 40% dos recursos previstos no Pacto RJ (7 bilhões de reais) vêm diretamente da venda da Cedae. O consórcio vencedor do leilão desembolsará outros 3 bilhões e o restante sairá do Orçamento do governo. O ambicioso pacote de obras inclui a construção de uma nova estação para tratamento de água no Rio ­Guandu, que abastece a Região Metropolitana, ao custo de 2,5 bilhões; uma linha de 23 quilômetros de metrô de superfície para interligar cinco municípios da Baixada Fluminense (1,7 bilhão) e a revitalização de 882 quilômetros de estradas estaduais (1,2 bilhão). Estão previstas, ainda, a construção de 5 mil moradias populares e a reforma de 60 conjuntos habitacionais. Na educação, as principais medidas são a reforma de 50 Cieps e a construção de 11 novas escolas.

Além do Pacto RJ, 29 municípios recebem parte do dinheiro obtido com a venda da Cedae em um processo de distribuição que segue um complexo critério definido pelo governo estadual. Dessa forma, à capital couberam 4,2 bilhões de reais, a São Gonçalo, com a segunda maior população, 1 bilhão, e a Duque de Caxias, maior cidade da Baixada, 605 milhões. As visitas do governador ao interior para anunciar obras e projetos são constantes e pouco disfarçam o clima de campanha antecipada. Nessa toada, todos os prefeitos são amigos, mas uns são mais que os outros. Um dos principais interlocutores de Castro é o polêmico prefeito de Caxias, Washington Reis, do MDB, que disputa com Romário, do PL, a vaga para o Senado na chapa bolsonarista. Em janeiro, Reis, que busca reverter sua inelegibilidade na Justiça, liderou a visita ao Palácio Guanabara de um grupo de prefeitos que, entre outros, reuniu nomes importantes como Rogério Lisboa (PP, Nova Iguaçu), Capitão Nelson (PL, São Gonçalo) e Waguinho (UB, Belford Roxo). Participaram do encontro 11 prefeitos de cidades que reúnem quase 40% dos eleitores fluminenses.

Sem o dinheiro da Cedae, que vai acabar, a situação do Rio é dramática, alerta Neves – Imagem: Adriano Vizzoni/Folhapress

A fartura financeira e o amplo leque de alianças traduzem-se em um secretariado formado por 16 partidos a extrapolar a base bolsonarista. Os adversários condenam, porém, o uso da máquina estadual com objetivos eleitorais. “Uma eventual continuidade do governo Castro e sem os recursos da Cedae, que vão acabar, trará ao Rio uma tragédia sem precedentes”, prevê o pedetista Rodrigo Neves. Para o ex-prefeito de Niterói, apoiado pelo prefeito da capital, Eduardo Paes, do PSD, é preciso pôr fim “à política bolsonarista que loteou o governo e está levando o estado ao colapso”. Neves cita o conhecido conceito de “doença holandesa” e diz que este se aplica hoje ao Rio: “Sem os recursos da Cedae e do aumento do preço do petróleo, o estado quebra, como quebrou em 2016. Nosso estado perdeu densidade industrial e econômica”.

Marcelo Freixo frisa a associação do governador com Bolsonaro: “Castro representa o bolsonarismo, que, por sua vez, significa ódio, incompetência e corrupção. Foi do Rio que saiu esse modelo miliciano de governo que, depois de afundar o nosso estado, está destruindo o Brasil”. O deputado acrescenta que a sobrevivência da população fluminense está em jogo. “Bolsonaro e Castro não têm competência nem liderança para apresentar soluções aos problemas concretos das famílias: emprego digno, salário decente, serviços públicos que funcionem”, diz. Embora atrás do governador no primeiro turno, segundo as pesquisas, Freixo, ao ter seu nome associado ao de Lula, venceria Castro no segundo turno.

O Pacto RJ injetou 17 bilhões de reais em obras de infraestrutura espalhadas pelo estado

A relação de Castro com Bolsonaro padece de altos e baixos. Presente à festa no Jockey, o senador Flávio, que disse aos repórteres estar ali para “dar um abraço em um grande amigo”, é o ponto de contato do clã com o governador e também quem exerce pressão sobre o aliado. Em meio aos cumprimentos, o filho Zero Um, talvez assustado com a presença de adversários como o ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz ou o petista André Ceciliano, presidente da Assembleia do Rio, não cansou de falar sobre a necessidade de “um vice do nosso campo”. Já o governador, segundo interlocutores, teme uma limitadora chapa puro-sangue, uma vez que Romário também é do PL. Publicamente, Castro reforça a aliança: “Acho a possibilidade de dividir o palanque com Bolsonaro muito boa. Quem, em sã consciência, não quer o presidente em seu partido?”

Para Neves, o governador “está rodea­do pelo que há de mais atrasado”. E faz um alerta: “Castro busca construir uma imagem de que não é um direitista tão extremista como Bolsonaro. Mas, na prática, isso permite a ele ampliar apoios para si e para o ex-capitão”. Freixo, por sua vez, classifica a gestão do governador como desastrosa. “Castro é a continuidade da forma de governar que destruiu o Rio de Janeiro e levou à prisão cinco ex-governadores. Era vice de Witzel, que sofreu impeachment por corrupção. Ele próprio é investigado sob a acusação de ter recebido propina de um empresário envolvido com desvio de dinheiro público, que deveria ter sido utilizado em cirurgias de catarata dos mais pobres”, acusa. Procurado para comentar as críticas dos adversários e os projetos do Pacto RJ, Castro não atendeu CartaCapital até a conclusão desta reportagem. •

 

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Pé de coelho”

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