Política

Em 2022, o fundamental não é frente ampla, e sim o veto a Bolsonaro

Para a pesquisadora Daniela Campello, da FGV ,eleições do Congresso expuseram racha da direita e a necessidade de repensar estratégias

Em Brasília, manifestantes pedem "Fora Bolsonaro". Foto: Sergio Lima / AFP
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Enquanto o poder de Brasília se acostuma com os novos mandachuvas do parlamento – Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) -, parte da classe política ainda tenta entender os motivos da rumorosa ruína da aliança que confrontou os interesses do presidente Jair Bolsonaro no Congresso.

A questão posta, agora, é se as chances de uma frente ampla ou centro democrático contra a reeleição de Bolsonaro ainda existem. Para a professora Daniela Campello da FGV-EBAPE, entretanto, é em vão insistir que os partidos de esquerda, centro e centro-direita cheguem a um consenso e apresentem um adversário comum a Jair Bolsonaro.

“Não acho que a frente ampla seja uma condição necessária para vencer Bolsonaro em 2022”, afirma. “O máximo que se pode conseguir desses acordos, e que eu acho isso extremamente importante, é o seguinte: se Bolsonaro for para o segundo turno, quem vai estar incondicionalmente contra ele?”

Em entrevista à CartaCapital, Campello também analisa as expectativas de retorno do auxílio emergencial em meio à pandemia, a derrota de Guedes em relação a um presidente que não “se converteu” ao neoliberalismo, os paralelos possíveis entre Brasil e Estados Unidos e, também, entre o Brasil de 2018 e o de 2022. 

“Para mim, 2022 será um referendo do governo e do que ele entregou às pessoas, como historicamente são as eleições no Brasil e na América Latina.”, afirma. “Hoje, não consigo imaginar que as pessoas pensem que a vida melhorou.”

Confira:

CartaCapital: A eleição da Câmara e Senado foi uma “prova de fogo” para a construção de uma frente ampla?

Daniela Campello: Para falar a verdade, eu acho que não. Acredito que existam várias outras determinações para a presidência do Congresso, e, sendo sincera, eu sou extremamente pessimista com essa ideia de “frente ampla”. Então eu não só acho que a probabilidade é pequena de existir uma frente ampla, como eu acho que se dá muito valor a essa ideia de que o Bolsonaro só vai perder se existir uma frente ampla. Não acho que uma frente ampla contra Bolsonaro seja uma condição necessária para vencer Bolsonaro em 2022.

CC: Por quê?

DC: Porque para o eleitorado brasileiro e latino-americano em geral, as eleições são um referendo na qualidade do governo. Conseguimos prever com bastante segurança se um presidente vai ser reeleito ou não baseado em fatores da economia, externos e domésticos. Nenhuma dessas previsões dependem de quem está do outro lado. As pessoas votam a favor da reeleição do presidente ou contra o presidente. O eleitorado vai olhar daqui a dois anos e pensar: ‘minha vida melhorou ou não diante da gestão do Bolsonaro?’ Não consigo imaginar as pessoas vão pensar que a vida melhorou.

Essa é a questão central da eleição dele, e não depende de quem está do outro lado. Do mesmo modo, quando o Bolsonaro foi eleito em 2018 – e isso não é um consenso entre os cientistas políticos, é uma visão minha -, houve um voto muito forte contra uma série de coisas, como o status quo do governo Temer, contra o PT… E calhou no Bolsonaro estar ali na hora e lugar certos. Conseguíamos dizer que quem estivesse associado ao Temer não iria ao 2º turno, quem tivesse associado ao PT iria para o 2º turno e [do outro lado] teria a chance muito grande de existir um outsider. Naquela época, o outsider podia ser o Luciano Huck, o Joaquim Barbosa, e acabou sendo o Bolsonaro. Então eu acho que foi muito menos sobre o Bolsonaro do que sobre outras questões naquele momento. 

O grande perdedor dessa história foi o Paulo Guedes. A chance dele passar para frente essa agenda dele, hoje em dia, é nenhuma

CC: Apesar da desconstrução de última hora, muitos deputados e integrantes da sociedade civil ainda apontam a necessidade de uma aliança contra o autoritarismo no Congresso. Você acredita que exista espaço para isso?

DC: Eu acho que esse [autoritarismo] é um conceito da esquerda que eventualmente esbarra em um Rodrigo Maia (DEM-RJ) quando é conveniente. Quando autoritarismo significar algo ruim para o Centrão, não tenho dúvida de que ele estará junto numa frente contra o autoritarismo.

Agora, esperar uma frente ideológica de defesa da democracia é esperar de deputados do Centrão é demais. Esse pessoal que prevaleceu agora não tem nenhum apego ideológico à democracia, só apego a condição de permanecer ali. Se o autoritarismo for direcionado para outro lugar e não ao seu cargo de deputado, eles não têm problema com isso.

(Foto: Foto: Marcos Corrêa/PR)

CC: Há uma questão de protagonismo. Defende-se, por exemplo, de que o PT abra mão de apresentar um candidato. Uma aliança assim tem futuro?

DC: O PT é o maior partido de esquerda no Brasil, muito mais estruturado do que outro partido de esquerda, e muito dificilmente vai abrir mão de ter um candidato. 

O máximo que se pode conseguir [dessa aliança], e que extremamente importante de estabelecer antes das eleições, é o seguinte: se Bolsonaro for para o segundo turno, quem vai estar incondicionalmente contra ele? Ainda se impõem muitas condições, à esquerda à direita, para estar nesse grupo. Quando alguém diz “vou fazer uma frente contra o Bolsonaro, mas não pode ter o PT ou MDB”, me preocupa, porque significa que talvez, no segundo turno, essas pessoas apoiem o Bolsonaro. 

Temos que garantir que exista uma frente que estaria com qualquer candidato, exceto o Bolsonaro. Isso precisa ser dito agora, cedo e antes, mas ainda existe muita resistência de fazer esse tipo de declaração de todos os lados.

 

CC: Você mencionou que a direita está muito dividida, e que esse ponto é “muito surpreendente”. Esse racha pode abrir espaço para as pautas caras à extrema-direita no Congresso?

DC: Esse racha foi a pior coisa que aconteceu neste momento da eleição na Câmara, porque abriu espaço para Bia Kicis e outros “bolsonaristas raiz” tomassem protagonismo. Isso diz bastante sobre o que será a direita em 2022. Havia perspectiva de que Luciano Huck fosse entrar no DEM, mas hoje em dia está claro que o DEM está muito alinhado com o Bolsonaro. Parte do PSDB também esteve com o Lira. Tudo torna o cenário mais nebuloso sobre o que vai ser a disputa no espectro da direita. 

Temos que garantir que exista uma frente que estaria com qualquer candidato, exceto o Bolsonaro

CC: O impeachment agora parece um cenário distante. Mas, olhando para a qualidade de vida do brasileiro e para as pesquisas, você acha que o Bolsonaro precisa do auxílio emergencial para se sustentar?

DC: Aumenta a perspectiva de algum auxílio emergencial, de uma pressão típica para gastos do Centrão. Mas uma das coisas que mais me surpreendeu nas respostas a essa eleição foi a reação do mercado, achando que agora as reformas vão passar. Não tem nenhuma razão para imaginar que o Centrão vai passar reformas duras, impopulares, que cortem do servidor público. 

Bolsonaro está entre a cruz e a espada: por um lado, precisa do auxílio emergencial para segurar essa popularidade que está despencando. Mas se não fizer algum tipo de ajuste fiscal, corre o risco de perder a confiança de investidores – o que vai lhe custar popularidade e provocar uma crise econômica. O grande perdedor dessa história toda foi o Paulo Guedes. A chance dele passar para frente essa agenda dele, hoje em dia, é nenhuma. O Guedes é um ingênuo na política porque o mercado acha que o Bolsonaro se “converteu” para o liberalismo, mas Bolsonaro quer saber das armas, PMs, militares, pequenas coisas que ele às vezes cisma, como cadeirinha e multa de trânsito.

CC: É possível traçar paralelos com a vitória de Joe Biden nos EUA e aas eleições no Brasil? 

DC: Existem algumas analogias que valem a pena explorar — como a estratégia do Trump de negar a legitimidade do pleito, que Bolsonaro vem usando e eu não tenho a menor dúvida de que irá usar em 2022.

Dito isso, o resto é muito diferente. Não houve uma frente ampla, houve o Partido Democrata. A esquerda aceitou um candidato centrista, mas tudo isso dentro de uma instituição. É muito mais fácil viabilizar acordos dentro de um partido do que entre partidos. No Brasil, há um arco de partidos com visões e ideologismos diferentes e experiências entre si, em muitos casos, super negativas. A agenda comum de só tirar o Bolsonaro não é suficiente. 

CC: Em 2018, a descrença na vitória de Bolsonaro era generalizada, mas muitos paradigmas foram questionados ali. No contexto atual, com forte apelo do bolsonarismo na internet e sua “força tarefa” dentro do Palácio do Planalto, o que mudou?

DC: É importante salientar que 2018 foi uma eleição excepcional. Não por conta do candidato Bolsonaro ou das questões da internet. A única coisa que ele teve menos foi o horário eleitoral gratuito, mas com o atentado à faca, esteve na TV o tempo todo. 

A minha interpretação é que não foi uma eleição do Bolsonaro, mas sim de um outsider. Desse ponto de vista, é óbvio que as redes sociais pesam, mas não resolvem as eleições. Em 2018, o País vinha de uma crise econômica que só tinha acontecido naquela magnitude no meio dos anos 60 e nos anos 80. No primeiro, a gente passou de democracia para uma ditadura, e, no segundo, de ditadura para democracia. Essas crises econômicas sacodem o sistema político. Não é de todo surpreendente que entrasse alguém com um discurso antissistema. 

Para mim, 2022 será um referendo do que foi o governo e do que ele entregou às pessoas, como historicamente são as eleições no Brasil e na América Latina.

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