Política

Eleições: Campo progressista tem muitas arestas a aparar até 2022

De modo geral, as legendas de esquerda sofreram duro revés nos pleitos municipais deste ano

Para Ciro, o povo deu um basta ao “lulopetismo” nas urnas. Wagner diz que não “ficará refém” de Lula e se apresenta como alternativa. Dino avalia ser um tiro no pé escantear o líder petista. Fotos: Redes sociais, Wanessa Soares e Pedro Ladeira/Folhapress Para Ciro, o povo deu um basta ao “lulopetismo” nas urnas. Wagner diz que não “ficará refém” de Lula e se apresenta como alternativa. Dino avalia ser um tiro no pé escantear o líder petista. Fotos: Redes sociais, Wanessa Soares e Pedro Ladeira/Folhapress
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O segundo turno das eleições confirmou o retumbante fracasso de Jair Bolsonaro como cabo eleitoral. Candidato à reeleição no Rio de Janeiro com a bênção da Igreja Universal do Reino de Deus e a unção do presidente da República, Marcelo Crivella amealhou pouco mais da metade dos votos obtidos pelo seu adversário, Eduardo Paes, do DEM. Em Fortaleza, Capitão Wagner bem que tentou se desvincular da imagem do seu padrinho, mas era tarde. Acabou derrotado por José Sarto, do PDT, apoiado pelos irmãos Cid e Ciro Gomes. Ao cabo, dos 13 candidatos a prefeito indicados nas “lives presidenciais”, transmitidas do Palácio do Alvorada, somente dois se elegeram, um no município mineiro de Ipatinga e outro em Parnaíba, no Piauí. Não restam dúvidas, Bolsonaro converteu-se em um Midas às avessas, prejudica quem apoia.

A despeito do refluxo da extrema-direita no Brasil, a esquerda tem pouco a celebrar. O partido que mais cresceu foi o DEM de Rodrigo Maia, que conquistou quatro capitais (Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba e Florianópolis). Os prefeitos da legenda passarão a governar 24,4 milhões de habitantes, quase 13,6 milhões a mais. No ranking dos que mais ampliaram a sua zona de influência, figuram ainda outras quatro legendas do chamado Centrão: PSD, PP, Podemos e Avante. Embora seja a sigla que mais encolheu em 2020, o PSDB segue na liderança, e vai comandar o Executivo de cidades onde vivem 34 milhões de cidadãos. Logo atrás, vem o MDB, com 26 milhões de governados.

O Centrão, convém lembrar aos desavisados, nada tem a ver com o que se convencionou chamar de centro do espectro político. “Esse grupo de partidos está mais para um ‘Direitão’, embora seja uma direita muito particular, uma direita adesista, disposta a abraçar qualquer governo que desponte no horizonte”, observa o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo. “Até por conta desse perfil fisiológico, oportunista, o Centrão costuma se dar melhor nas disputas em nível municipal ou estadual.”

De modo geral, as legendas do campo progressista sofreram duro revés em 2020. O PT não conseguiu se recuperar do tombo sofrido quatro anos atrás. De 630 prefeitos eleitos em 2012, a sigla passou a 256 em 2016, e 183 neste ano. Pela primeira vez desde o fim da ditadura, não conquistou uma única capital. Por vencer em quatro cidades de médio porte no segundo turno (Diadema e Mauá, no estado de São Paulo, Contagem e Juiz de Fora, em Minas Gerais), o partido conseguiu atenuar o vexame e manter o patamar de 6 milhões de habitantes governados.

PDT e PSB estão mais resistentes a um acordo com o PT

O PSB venceu em Recife e Maceió, mas os reveses obtidos em outras cidades fizeram a sigla socialista perder mais de 7 milhões de governados. O PDT de Ciro Gomes ganhou em Fortaleza e Aracaju, mas também diminuiu em 1,6 milhão o número de habitantes sob suas administrações municipais. Da mesma forma, Rede e PCdoB encolheram de tamanho. No campo progressista, apenas o Psol tem motivos para celebrar, ainda que tenha saído de um patamar muito baixo. Passou de duas para quatro prefeituras, incluindo Belém, a capital do Pará. Com isso, passará a governar 1,5 milhão de habitantes (antes eram 14 mil).

Fora da análise fria dos números, algumas vitórias tiveram sabor amargo. No Recife, o campo progressista deveria celebrar um segundo turno com dois candidatos da esquerda, mas a fratricida disputa travada entre os primos João Campos, do PSB, vitorioso da disputa, e Marília Arraes, do PT, deixaram feridas que dificultam a formação de frente ampla para as eleições presidenciais de 2022. Por outro lado, certas batalhas perdidas conseguiram o feito de alimentar os sonhos da militância. Mesmo derrotado pelo tucano Bruno Covas em São Paulo, o psolista Guilherme Boulos conseguiu reunir, na propaganda eleitoral do segundo turno, Lula, Ciro Gomes, Flávio Dino e Marina Silva. O resultado seria o mesmo se a turma estivesse unida desde o primeiro turno?

Inútil especular, sobretudo no atual contexto, no qual as lideranças dos partidos procuram fazer uma espécie de acerto de contas, buscando os culpados pelo revés eleitoral. Em recente entrevista, Ciro voltou a tecer críticas ao PT. “O povo brasileiro parece ter determinado como segunda razão do voto o alinhamento ideológico para cá ou acolá. O brasileiro mandou o lulopetismo radical e o bolsonarismo boçal para fora. Falou: ‘Vão brigar lá fora’”, afirmou o pedetista à Rádio Bandeirantes. Sobrou até para Flávio Dino, criticado por votar com uma camiseta da campanha Lula Livre. “Perdeu a noção da realidade.”

Coube ao próprio governador do Maranhão colocar panos quentes na declaração, inflada pela enfurecida reação da militância petista nas redes sociais. “Não responderei a Ciro Gomes. Por duas razões: primeiro, tenho respeito e apreço por ele. Segundo, é a minha contribuição para que o campo nacional-popular caminhe unido. Não me cabe acirrar conflitos desnecessários”, escreveu no Twitter. Em entrevista ao canal de CartaCapital no YouTube, Dino acrescentou que o PT ainda é o partido mais nacionalizado, a “coluna vertebral do campo progressista”. E arremata: “Você não pode achar que vai construir uma aliança vitoriosa em 2022 sem o PT. Isso é um erro gigantesco”.

O problema é que antigos aliados estão cada vez mais incomodados com a “visão hegemônica” da cúpula petista. “Nunca tivemos dificuldade de diálogo, mas o PT nunca abre mão de comandar o processo. A história nos mostra que somos muito bons para apoiá-los, mas nunca somos bons o suficiente para sermos apoiados”, queixa-se Carlos Lupi, presidente do PDT. “Estaremos sempre abertos ao diálogo, mas não dá para aceitar a imposição do português, aquele que diz ao futuro genro que ele pode se casar com qualquer uma de suas filhas, desde que seja a Maria.”

Presidente do PSB, Carlos Siqueira reforça as críticas de Lupi. “Nas eleições deste ano, propus ao PT uma aliança nas principais cidades. Depois, disseram por aí que coloquei obstáculos à aliança por causa de Recife. Claro, essa capital era uma prioridade para nós. Mas eu não estava tratando apenas de Recife, estava discutindo uma visão geral para o País”, afirma. “Para dar uma resposta política eficaz ao bolsonarismo, era indispensável estarmos unidos nas principais capitais, com o eleitorado mais esclarecido e politizado. Poderíamos ter estabelecido um critério para avaliar qual seria o melhor candidato em cada lugar. Mas, quando Lula bateu o pé e insistiu que o PT lançaria candidatos na maioria das capitais, ele impediu essa concertação, que poderia dar resultados mais positivos para a esquerda.”

De fato, o PT disputou 14 capitais com chapas “puro-sangue”, mas a deputada Gleisi Hoffmann, presidente da legenda, nega que os petistas tenham feito uma aposta exclusivista. “Fomos juntos, desde o primeiro turno, com candidatos de outros partidos em Porto Alegre, Florianópolis, Belém, Boa Vista e João Pessoa. Fizemos um esforço de aliança no Rio de Janeiro. Somente após a desistência de Marcelo Freixo, do Psol, decidimos lançar Benedita da Silva. Fizemos coligações em mais de 2,5 mil municípios e cedemos a cabeça de chapa em muitas delas.”

Falta trabalho de base e um projeto nacional, diz o cientista político Aldo Fornazieri

Na avaliação da parlamentar, os candidatos do Centrão acabaram favorecidos pela crise do coronavírus, que permitiu a flexibilização dos gastos públicos em todas as esferas de governo. “A União liberou 56 bilhões de reais em recursos extraordinários para os municípios, dos quais 46,5 bilhões foram gastos de junho a setembro. Os prefeitos tiveram a chance de fazer muita coisa. Mesmo aqueles que eram mal avaliados antes da pandemia conseguiram ser reeleitos”, afirma. “O nível de reeleição nesse pleito foi de 63%, contra 45% em 2016.”

Gleisi reconhece que o PT precisa dar uma “chacoalhada” em sua estrutura burocratizada e retomar o trabalho de base. E promete retomar o diálogo com o PSB e o PDT no início do próximo ano. “Agora, é muito cedo. As feridas do período eleitoral ainda estão abertas.”

Antes de pensar na construção de uma candidatura única para 2022, é preciso apresentar um projeto para o País, observa o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “A esquerda está na defensiva desde o impeachment de Dilma, não conseguiu sair das cordas desde então”, observa. “No governo Temer, fez oposição à reforma trabalhista, mas não apresentou qualquer proposta alternativa. No governo Bolsonaro, resistiu às mudanças na Previdência, mas tampouco apresentou nada. Saiu derrotada das duas batalhas, sem obter qualquer benefício para o povo.”

Além disso, Fornazieri acredita que o campo progressista tem sido punido pelas equivocadas avaliações desde a eleição de Bolsonaro. “Por meses, se dedicaram a combater o fascismo, que o povão não faz a menor ideia do que é, e a enfrentar um golpe do presidente que ninguém via em lugar algum. Não bastasse, durante a pandemia, a turma toda ficou no recôndito do lar, enquanto os trabalhadores se espremiam em ônibus lotados ou nas filas da Caixa Econômica para receber o auxílio emergencial. Ninguém os defendeu. Depois, ficam ressentidos com o voto deles.”

Publicado na edição n.º 135 de CartaCapital, em 4 de dezembro de 2020.

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