Política

Eduardo Galeano condenou com indignação a opressão na América Latina

Nada no engajamento político do uruguaio talvez se pudesse comparar ao que sua escrita clara e filosófica fez pelas artes do futebol

Eduardo Galeano, morto nesta segunda-feira 13, antes de ser escritor, foi um jornalista combatente à ditadura no Uruguai
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Internado desde a última sexta-feira em razão de complicações de um câncer no pulmão, o escritor uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira 13, aos 74 anos, em Montevidéu, como um herói além das letras, embora nunca reconciliado com seu clássico, As Veias Abertas da América Latina, de 1971.

“Era um livro de economia política, mas à época eu não tinha o treino necessário”, dizia o escritor sobre o libelo de indignação contra os poderes europeus, seguidos por aqueles norte-americanos responsáveis, segundo ele argumentava, por abandonar um continente à pilhagem sangrenta. “Não me arrependo de tê-lo escrito, mas é uma etapa que, para mim, está superada.” Ele, que atuava como jornalista enquanto se estabeleciam as ditaduras latino-americanas, dizia que naqueles anos 1960 seu país agrário “produzia mais violência do que carne ou lã”.

Assíduo frequentador do Café Brasileiro, em Montevidéu, junto a outros luminares da escrita uruguaia, como Mario Benedetti, e antes de se tornar um intelectual irredutível da esquerda latino-americana, Galeano trabalhou como operário industrial, desenhista, pintor, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco, entre outros ofícios.

Com a vida fincada nos pés, é possível que não tivesse esperado ver em 2009, durante a Cúpula das Américas, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, presentear o colega norte-americano Barack Obama com um exemplar de As Veias Abertas da América Latina, proibido nos anos 1970 pelas ditaduras do Uruguai, Argentina e Chile. Na época, o livro saltou em um dia da posição número 60.280 para a de número dez na lista de mais vendidos da Amazon.

Nada em seu engajamento político talvez se pudesse comparar, contudo, ao que sua escrita clara e filosófica, presente em livros inescapáveis como La Canción de Nosostros, Dias y Noches de Amor y de Guerra, El Siglo del Viento e especialmente Memoria del Fuego, fez pelas artes do futebol. Era o esporte, para ele, como um caminho à compreensão humana.

Nos ensaios calorosos de Futebol ao Sol e à Sombra, aqui editado pela LP&M, em 1995, Galeano defende o carinho com que um jogador deve tratar a bola, contra a política e o dinheiro que o fazem regredir. Naturalmente, consagra ao heroísmo a conquista do campeonato mundial por seu país, em 1950, ao perfilar o místico capitão da seleção uruguaia no Maracanazo, Obdulio Varela. Mas, com a mesma poesia eletrizante ele entendia todos os grandes, de Pelé a Garrincha, de Zico a Maradona.

Escreveu sobre o craque argentino Di Stéfano, morto em 2014, aos 88 anos: “O campo inteiro cabia nas suas chuteiras. A cancha nascia de seus pés, e de seus pés crescia. De arco a arco, Alfredo Di Stéfano corria e corria pelo gramado: com a bola, mudando de rumo, mudando de ritmo, de trotezinho cansado ao ciclone incontido; sem a bola, deslocando-se para os espaços vazios e buscando ar quando o jogo ficava congestionado. Nunca parava quieto. Homem de cabeça erguida via o campo inteiro e o atravessava a galope, abrindo brechas para lançar o assalto. Estava no princípio, durante e no final das jogadas de gol, e fazia gols de todas as cores. Socorro, socorro, aí vem a flecha voando a jato.”

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