Política

É preciso avançar sobre terras indígenas?

Portaria do Ministério da Justiça que muda o rito das demarcações atende aos ruralistas, mas produtividade do agronegócio não depende de novas áreas

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Apoiadora de primeira hora do impeachment de Dilma Rousseff, a bancada ruralista foi agraciada pelo governo Michel Temer. O Ministério da Justiça acaba de publicar uma portaria que altera o processo de demarcação de terras indígenas estabelecido em 1996 por Fernando Henrique Cardoso.

O poder da Funai será esvaziado em favor de um grupo técnico submetido ao ministério. A portaria incorpora várias das medidas defendidas pelo agronegócio e tende a tornar o processo mais lento e burocrático. Em tese, o grupo técnico terá o poder de rever a extensão demarcada sugerida pela Funai. Nestes casos, prevê-se uma “reparação” às etnias por  “perda de área”.

Até a publicação da portaria, o processo de demarcação era relativamente mais simples: a Funai desenvolvia os estudos e o ministro da Justiça decidia.  Para os representantes do agronegócio, as delimitações eram estabelecidas ao bel-prazer pelo setor público, apesar de a tramitação permitir as intervenções de produtores, municípios e estados. As intensas disputas na Justiça estenderam o prazo das demarcações. A Constituição de 1988 determina um tempo máximo de cinco anos, mas os processos recentes levaram mais de um década para serem concluídos.

Em certa medida, Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, pode argumentar que a portaria reduz o teor monocrático das decisões ao incorporar outros setores do governo no grupo técnico. Inegável, porém: o novo rito vai prolongar o trâmite dos processos.

O Conselho Indigenista Missionário levanta outros pontos preocupantes. Um deles está no parágrafo 4º da portaria. O grupo técnico do ministério, diz o texto, terá de se basear na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema. Detalhe, aponta o Cimi: não existe jurisprudência estabelecida no STF. “A portaria é um recorta e cola de sugestões dos ruralistas”, afirma Gilberto Vieira dos Santos, secretário-adjunto da entidade.

As entidades rurais sempre criticaram as demarcações de terras indígenas e quilombolas, como se elas fossem um empecilho à prosperidade de quem planta e cria. O Brasil, de fato, caminha para se tornar a maior potência agrícola do mundo e essa vantagem competitiva não deve ser menosprezada. O aumento da produtividade não está, porém, nem de longe atrelado à expansão das terras agriculturáveis.

Em 2012, um estudo da Esalq, ligada à Universidade de São Paulo, indicou que a produção agrícola poderia mais que dobrar se houvesse um pequeno aumento da produtividade da pecuária. Como se sabe, a pecuária brasileira é extensiva, realizada em vastas extensões. Segundo o censo agropecuário de 2006, o rebanho bovino de 180 milhões de cabeças ocupava 159 milhões de hectares, média de 1,14 cabeça por hectare.

Com a incorporação de técnicas modernas, seria possível, aponta o estudo da Esalq, concentrar a produção de carne em uma território de 89 milhões de hectares, o que liberaria 69 milhões de hectares para o plantio, área superior aos 57 milhões ocupados por lavouras.

Embora grande parte das commodities que rendem bilhões de dólares em divisas, a soja entre eles, sejam cultivadas em vastas áreas, a excessiva concentração de terras não necessariamente favorece a economia e o desenvolvimento capitalista. Relatório recente do escritório brasileiro da Oxfam, ONG especializada em estudos de desigualdade, aponta que 1% das propriedades rurais se estende por metade das terras. Muitos desses proprietários encabeçam a lista dos grandes sonegadores. O total das dívidas com a União de 729 empresas e cidadãos detentores de terra se aproxima dos 200 bilhões de reais.

Além disso, mostra a Oxfam, municípios com menor concentração fundiária apresentam em média maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e menor concentração de renda.

Os ruralistas temem não só a demarcação de novas terras. Muitas etnias reivindicam a ampliação dos territórios atualmente demarcados. No entorno dessas áreas instalaram-se agricultores e pecuaristas. Essa convivência tem gerado tensões e conflitos frequentes.

Um dos maiores especialistas em questões fundiárias do País, o geógrafo Ariovaldo Umbelino, da USP, diz que os problemas de demarcação de terras extrapolam a queda-de-braço entre ruralistas e índios e que o campo continua assentado sobre uma bomba-relógio prestes a explodir. “Uma área muito pequena do País está regularizada. Portanto, um número reduzido de proprietários está coberto de razão nessa discussão”.

 

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