Política

“É pouco provável que o PCC reaja com a mesma violência de 2006”

Transferência de lideres da facção pode gerar reações e mortes, mas sem planos em massa, avalia antropóloga

Presos são transferidos para presídios federais no Acre (Foto: Secom/Divulgação)
Apoie Siga-nos no

A transferência de Marcola e outros líderes do PCC a presídios federais gera a apreensão de que o país possa viver uma nova onda de violência coordenada pela facção mais poderosa do Brasil.

Da última vez em que os criminosos foram transferidos a outras prisões, São Paulo foi alvo de centenas de ataques coordenados. O saldo de morte no Estado chegou a 564 e houve incêndio de veículos, execuções de policiais e até sequestro de repórteres.

Espalhados por três presídios federais, o líder máximo e outros 21 comparsas ficarão pelo menos dois meses em isolamento total, conforme as regras do RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). O plano atende a uma determinação do Ministério Público de São Paulo, motivada pela descoberta de um plano cinematográfico para tirar Marcola da cadeia.

Carolina Christoph Grillo, doutora em antropologia, professora da UFF e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Cidadania Conflito e Violência Urbana do IFCS/UFRJ, analisa os impactos dessa transferência.

CartaCapital: Em linhas gerais, como essa ofensiva do Ministério da Justiça pode impactar o sistema prisional brasileiro? 

Carolina Cristoph Grillo: Se aprovado o pacote anticrime, haverá certamente um significativo aumento do encarceramento em todo o Brasil e, consequentemente, uma expansão da influência das facções. Propostas como a prisão em segunda instância e as alterações no regime de cumprimento de penas pretendem aumentar o número de presos em um sistema que já apresenta um persistente problema superlotação e violações de direitos. Facções como o Comando Vermelho e o PCC foram formadas no interior das prisões justamente com a finalidade de organizar a massa carcerária para lidar com essas condições degradantes, regulando a relação entre detentos e reivindicando melhores condições.

As prisões continuam sendo espaços centrais para a articulação dos “comandos”. O aumento do número de presos e a piora das condições de vida no sistema prisional implica em aumentar a adesão às facções, expandindo a sua influência.

CC: Podemos dizer que essas medidas favorecem os conflitos entre essas facções?

CCG: É cedo para dizer, pois não sabemos como elas serão operacionalizadas na prática. Mas as transferências de lideranças podem desencadear motins e rebeliões. Outro risco é de as facções disputarem espaços prisionais como reposta à superlotação. Mas também é possível que sejam formadas novas alianças entre “comandos”.

Leia também: Ação contra líderes do PCC inaugura dobradinha BolsoDoria

CC: Vários pesquisadores ressaltam a habilidade do PCC em operar em rede e sob as condições precárias do sistema carcerário. 
CCG: As transferências de “lideranças” do PCC para fora do Estado de São Paulo contribuíram para espalhar o PCC em todo o Brasil, pois eles formaram alianças com presos de outros estados e difundiram pelo país o repertório de ação e mobilização do PCC. A transferência para presídios federais viola direitos dos presos, mas não possui o efeito de isolamento pretendido. Eles poderão continuar influenciando as decisões coletivas do PCC e, ainda, terão a oportunidade de estabelecer novos contatos. Mesmo que estivessem todos em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), o que seria impossível, o PCC em si não seria afetado, pois ele funciona de maneira menos hierárquica e mais capilarizada do que muitas vezes se supõe. As posições de liderança não são fixadas nas pessoas, de modo que outros presos assumirão essas posições.

CC: Existem chances de haver uma reação parecida com a de 2006?
CCG: É possível que ocorram rebeliões ou greves de fome, mas acho pouco provável que ocorra algo na mesma proporção que em 2006. Na época, o PCC ainda estava preocupado em expandir e demonstrar a sua influência. Agora já não precisa mais.

O PCC tem adotado o assassinato de agentes penitenciários e diretores de presídios como estratégia de pressão. Talvez haja novos assassinatos em resposta a essas transferências.

CC: Como essas medidas impactam os pequenos operadores do PCC, especialmente os que estão presos?
CCG: Só impacta a vida dos demais presos se houver rebeliões em protesto contra as medidas. No mais, não muda nada. A Karina Biondi [pesquisadora] vem falando há muitos anos sobre a inclusão do princípio de “igualdade” ao lema do PCC. E, como coloca o [pesquisador] Gabriel Feltran, a facção funciona como uma “irmandade”. A verdade é que pouco importa quem está assumindo posições de liderança nos presídios ou bairros de periferia, pois essas posições serão ocupadas por outros “irmãos” e a troca de “líderes” em nada afeta os negócios do crime. O tráfico de drogas, por exemplo, não é um negócio do PCC, mas de “irmãos” do PCC. Cada um tem os seus próprios negócios e se beneficia das alianças que o PCC proporciona.

CC: Recentemente, foram mortos dois homens da cúpula do PCC, Paca e Gegê do Mangue. É um sinal de instabilidade dentro do PCC?
CCG: Investigações do Ministério Público apontaram o Marcola como o mandante do crime e levantaram hipóteses sobre a motivação. Não tenho como saber o que de fato ocorreu mas, ao que tudo indica, não ocorreu um racha significativo no PCC desde então. É comum que “irmãos” sejam mortos quando acusados de desrespeitar as diretrizes de conduta do “Partido”. As rivalidades entre figuras proeminentes do PCC podem resultar na morte de alguma das partes em conflito, mas não produzem rupturas como nas facções do Rio de Janeiro.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo