Política

“É evidente o desespero”, diz analista sobre pacote de benefícios do governo Bolsonaro antes das eleições

Em meio a crises e escândalos, o governo brasileiro tenta emplacar pacote de bondades que pode custar mais de R$ 38 bilhões aos cofres públicos. Mas o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral alerta que manobras como essa põem em risco a economia e também a democracia

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Num desespero eleitoral escancarado, o governo tentará votar nesta quinta-feira (30) uma emenda à Constituição que amplia o Auxílio Brasil, o Auxílio-gás, concede uma ajuda a caminhoneiros, prevê uma compensação aos estados para garantir o transporte gratuito de idosos, além de ajudar a cadeia produtiva do etanol.

Tais medidas, mesmo furando o teto de gastos, até poderiam ser consideradas num Brasil de fome e problemas estruturais graves. Porém, o detalhe perigoso dessa manobra é que ela está sendo construída a três meses da eleição, tanto que para burlar a lei eleitoral a proposta virá com a previsão de que seja decretado estado de emergência no país.

Uma iniciativa que pode cair no gosto dos políticos, virar jurisprudência nos corredores de Brasília, trazendo riscos para a democracia e para as contas públicas, disse à RFI Melillo Diniz, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e do Portal Inteligência Política.

“As ações do presidente mostram profundo descaso com as contas públicas. Só que o governo passa e o rombo continua. A conta chegará depois. Além disso, é evidente o desespero, é evidente a tentativa de passar por cima das regras eleitorais. E ele ainda tenta convencer que sua preocupação é com os mais pobres”.

A proposta está sendo capitaneada no Congresso pelo ex-líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB/PE), e precisa passar por duas votações no Senado e depois na Câmara. “Sei que devem vir críticas, é do jogo político. Mas a maioria dos senadores, em especial dos líderes, tem mostrado que a proposta tem apoio suficiente para ser aprovada”.

Ele destaca que a ajuda prevista na PEC é temporária, acaba em dezembro. “Tirando a inscrição de novas famílias no Auxílio Brasil, que continuarão no programa, as outras medidas serão finalizadas este ano”.

Em ano eleitoral é difícil alguém votar contra benefícios sociais, mas a oposição pediu algumas horas a mais para analisar o texto. “O que este estado de emergência permite? Que limites haverá nisso? Somos a favor de elevar a ajuda às famílias pobres. Se a proposta quiser dar mil reais a um milhão de pessoas, seremos a favor. Mas como só agora o governo se deu conta dessa necessidade, a menos de cem dias da eleição?”, indagou o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), que destacou que ‘foi o próprio governo que, em maio, encerrou o estado de emergência sanitária.”

Diante das pressões, os governistas aceitaram retirar o artigo que isentava esses novos benefícios de qualquer restrição legal, o que vinha sendo considerado um cheque em branco para o presidente.

É possível reverter o jogo eleitoral?

A avaliação no meio político é de que noventa dias pode até ser um período considerável para um pleito, mas fazer o governo dar certo é outra história. Alguns assuntos políticos, como o escândalo de corrupção no MEC, envolvendo suposto esquema de cobrança de propina de prefeituras, continuam na pauta e nesse caso com pressão para uma CPI.

O analista Melillo Diniz acha que as principais cartas já estão na mesa e que há pouca margem de mudança, tanto para o governo quanto para uma via alternativa.

“O tempo está se esvaindo. Os problemas criados por Bolsonaro a si próprio ficam cada vez mais difíceis de serem superados. As pesquisas mostram consolidação dos que apoiam Bolsonaro e dos que apoiam Lula, num cenário em que a terceira via não se consolidou”, avalia Melillo. Para ele, “estamos diante de uma situação em que há muito pouca margem de manobra. A não ser que aconteça o imponderável, esse personagem onipresente quando falamos em eleições brasileiras”.

Assédio na Caixa

As acusações graves contra Pedro Guimarães, de que ele assediava sexualmente e moralmente funcionárias e servidores do banco, mostra como o governo tem dificuldade para administrar crises. O caso já tinha estourado há mais de um dia, com a reportagem do portal Metrópole, e a saída de Guimarães só veio no fim da tarde desta quarta-feira, depois de uma enxurrada de críticas e após o relato detalhado de mulheres ganhar as manchetes e a redes sociais.

“É inadmissível que uma autoridade se valha do cargo para cometer assédio reiteradas vezes contra suas subordinadas. E mesmo com tudo isso, Pedro Guimarães ainda participou como presidente da Caixa de evento para divulgar o plano safra nesta quarta, com direito a discurso. Era caso de demissão sumária”, afirmou a senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA).

“São denúncias que vão além do assédio verbal, mas de contato físico. Ele era dos mais próximos do presidente Bolsonaro. E estamos vendo isso há dois dias e ele continua no cargo quando deveria estar preso porque isso é crime”, disse o senador Tasso Jereissati (PSDB/CE).

No fim do dia, saiu a nomeação de Daniella Marques como nova presidente da Caixa Econômica. Ela era um dos braços de Paulo Guedes e estava à frente da secretaria de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia.

O Ministério Público abriu investigação para apurar denúncias de servidoras da Caixa. Em nota, Pedro Guimarães disse que as acusações são inverídicas e atingiram de forma cruel os dois filhos, a esposa e ele, casado há 18 anos. Afirmou que no momento certo irá mostrar a verdade.

Num momento de crises e desafios eleitorais, uma foto oficial de Bolsonaro ao receber no Palácio do Planalto um jornalista do canal americano Fox News está dando o que falar. A decoração do espaço presidencial tem, ao fundo, uma estante onde se avistam um símbolo da Caixa e uma miniatura do piloto Nelson Piquet, que se vê em meio à polêmica por declarações consideradas racistas contra Lewis Hamilton, a quem se referiu como ‘neguinho’. Não bastasse, Bolsonaro ainda colocou um cocar indígena na cabeça do jornalista.

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