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Dois vírus fatais

Edinho Silva explica como conseguiu deter o avanço da Covid-19 em Araraquara e derrotar o negacionismo bolsonarista no auge da pandemia

“Os municípios terão de reforçar o orçamento para a prevenção e mitigação dos desastres naturais” – Imagem: Marcelo Camargo/ABR
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No auge da pandemia, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, precisou enfrentar duas ameaças simultâneas: o desconhecido e letal Coronavírus e a espantosa oposição liderada pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro. Incomodado com o exemplo da cidade paulista, que se tornou referência nacional no combate à Covid-19, exatamente por dar ouvidos à ciência e adotar rígidos protocolos de isolamento social, o ex-capitão chegou a patrocinar um pedido de impeachment contra o petista.

O processo não logrou êxito e, com o tempo, a população local soube reconhecer os esforços do prefeito para salvar vidas, sem deixar a economia local ruir. Na próxima segunda-feira 13, Edinho Silva lançará, na capital paulista, o livro de memórias Uma Cidade na Luta Pela Vida: da Pandemia ao 8 de Janeiro (Editora Alere). Além de destacar os esforços para deter o avanço da Covid-19 em meio ao negacionismo propagado por Bolsonaro, o prefeito relata todos os passos de Lula no enfrentamento aos atos golpistas que devastaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Naquele dia, Lula estava em Araraquara para avaliar os estragos causados pelas chuvas no fim de dezembro e oferecer auxílio federal. Surpreendido pelos ataques da horda bolsonarista, o presidente usou o gabinete do prefeito para tomar pé da situação e adotar as providências necessárias para debelar a ameaça golpista. Espectador privilegiado do momento histórico, Silva avalia que o maior desafio de Lula, em seu terceiro mandato, será “reunificar o País”. Na entrevista a seguir, o petista também explica por que ainda considera o bolsonarismo uma ameaça.

O combate à pandemia

Nossas ações de enfrentamento à ­Covid-19 não foram um raio em céu azul, e sim consequências daquilo que a cidade já tinha: uma concepção de priorizar as políticas públicas, uma cultura administrativa permeada pela participação popular, uma organização pautada pela economia solidária, com sólidos programas nas áreas de educação e saúde. Foi esse histórico que fez com que tivéssemos condições de sensibilizar e mobilizar a sociedade.

Presidente na oposição

Bolsonaro escolheu atacar Araraquara e, revisitando tudo que nós fizemos, é evidente que ele tinha de polarizar com a cidade, porque éramos a negação de tudo que ele defendia. Nós optamos por ouvir a ciência, enquanto o então presidente tirava a máscara e participava de aglomerações. Fizemos um esforço imenso para ter acesso às vacinas, que ele ignorou no início. Utilizamos a capilaridade e a força do SUS para evitar mortes. E tudo isso, pelo visto, gerou incômodo, tanto que a família Bolsonaro veio aqui propor meu impeachment. Foi um momento muito difícil, mas conseguimos enfrentar esse vendaval e salvar muitas vidas.

A ameaça bolsonarista

O bolsonarismo é maior que Bolsonaro. É duro reconhecer isso, mas é a verdade. Tem uma parcela da sociedade que é assumidamente racista, homofóbica, machista. Essa turma se identifica com o ex-presidente, porque ele nunca escondeu quem é. Agora, o capitão está inelegível, mas o bolsonarismo não vai deixar de existir. Enfrentá-lo é, portanto, o maior desafio do campo progressista. Precisamos isolar esse fascismo à brasileira.

O pacificador Lula

O Brasil continua muito polarizado. Além de reorganizar o Estado, pacificar as instituições, garantir estabilidade ao País e reestruturar as políticas públicas, Lula tem o desafio de reunificar o País. Precisamos disputar um porcentual desse eleitorado que votou em Bolsonaro, mas não é bolsonarista raiz, não se identifica com tudo o que eles pregam. Temos de voltar a dialogar, buscar uma reconexão com essa parcela da sociedade. Romper com essa polarização é muito importante neste momento histórico, e as eleições municipais de 2024 serão disputadas nesse contexto.

Em novo livro, o prefeito também relata os passos de Lula para debelar a ameaça golpista no 8 de Janeiro

Memórias do 8 de Janeiro

Naquele dia, Lula estava em Araraquara para avaliar os estragos causados pela chuva e oferecer auxílio federal. O fotógrafo Ricardo Stuckert começou a me mandar imagens do que estava acontecendo em Brasília e eu reportei ao presidente, com muito cuidado. No gabinete da prefeitura, tentamos criar um ambiente calmo e seguro para ele trabalhar e enfrentar a situação. E Lula deu uma aula do que é ser bom estadista, do que é unificar os poderes a partir do diá­logo. Nada é capaz de traduzir aquilo que o presidente fez naquele momento: trouxe o Estado brasileiro para suas mãos e tomou as medidas necessárias, debelando a tentativa de golpe.

Mudanças climáticas

O dilúvio que devastou Araraquara no fim de dezembro é algo inédito na nossa história. Não tenho dúvida de que é consequência das mudanças climáticas. Infelizmente, as cidades vão vivenciar essa situação com frequência cada vez maior. Um dos grandes debates do século XXI é sobre como podemos produzir e distribuir riqueza sem agredir a natureza. Até que se reverta esse cenário, os municípios terão de reforçar o orçamento para a prevenção e mitigação de desastres naturais. É preciso ter estruturas permanentes para dar respostas rápidas em momentos de crise.

Planos para o futuro

Quando você se dispõe a ser militante de uma causa, daquilo que a gente acredita, que é a construção de uma sociedade mais justa, mais humana, a gente não se move por construir uma carreira, e sim para trabalhar em prol desse ideal. Não tenho essa ansiedade de ­definir meus próximos passos na política. Quero terminar bem meu mandato de prefeito, porque devo isso a esta cidade que me deu tantas oportunidades de governá-la. Quero que a cidade continue sendo administrada pelo campo democrático, que a gente não viva aqui nenhuma experiência autoritária. Estes são os meus objetivos. O que virá depois deixo para o tempo mostrar. •

Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital, em 15 de novembro de 2023.

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