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Do TikTok ao Planalto

Estrela da tecnopolítica, João Campos está com a reeleição nas mãos no Recife e mal disfarça o desejo de seguir os passos do pai

Celebridade. De cabelo “nevado” e óculos de sol modelo Juliet, o alcaide foi destaque no carnaval e nas redes sociais – Imagem: Edson Holanda/Prefeitura do Recife
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Ele tem 30 anos de idade, menos de uma década de trajetória política, mas já se firmou como uma das principais lideranças políticas de Pernambuco. João Campos, prefeito do Recife pelo PSB com grandes chances de ser reeleito já no primeiro turno nas próximas eleições, sabe que terá uma longa caminhada pela frente até atingir seu principal projeto: ser presidente da República, um sonho de seu pai, o ex-governador Eduardo Campos, que morreu em um acidente de avião em 2014, em plena corrida presidencial.

É nesse momento de luto que João Campos nasce politicamente, abraçando a campanha do tucano Aécio Neves, que perdeu a disputa pelo Palácio do Planalto para Dilma Rousseff. De lá para cá, João foi se cacifando em cargos do governo do PSB até, em 2018, debutar nas urnas e ser eleito deputado federal com a maior votação da história no estado, com mais de 460 mil votos, suplantando a avó, Ana Arraes – 387 mil votos em 2010 – e o bisavô, o icônico Miguel Arraes, eleito em 1990 com 340 mil votos.

O filho de Eduardo Campos é hoje um fenômeno entre os jovens e faz sucesso na tecnopolítica, arena que domina como poucos. Em 2020, depois de uma campanha marcada pelo antipetismo e pela proliferação de fake news, João Campos derrotou a prima, Marília Arraes, e se elegeu prefeito da capital pernambucana, iniciando a construção de uma persona mais parecida com a de um influencer­ do que de um político. De dezembro para cá, quadruplicou sua base no Instagram, saindo de 600 mil para 2,4 milhões de seguidores, enquanto o perfil da prefeitura na rede social não chega a 500 mil. No carnaval deste ano, o jovem alcaide foi uma atração à parte ao “nevar” o cabelo, prática muito comum entre os jovens da periferia que descolorem os fios até ficarem brancos, e ao usar um óculos de sol no modelo Juliet, o preferido também dos meninos dos subúrbios.

O jovem prefeito é aprovado por mais de 80% dos eleitores e tem grandes chances de vencer a disputa municipal ainda no primeiro turno

“O marketing político identificou em João Campos um perfil que está profundamente colado a essa dinâmica das redes. Ele é jovem, razoavelmente bonito, tem essa performance de tiktoker, e logo passaram a tratá-lo como um influencer­, comenta o pesquisador Thiago Soares, professor da UFPE e coordenador do grupo de pesquisa em comunicação, música e cultura pop. Nascido e criado em um ambiente culturalmente rico – tinha uma relação familiar com o escritor Ariano Suassuna e é sobrinho do cineasta Guel Arraes – João Campos bebe na fonte do brega-funk, uma dissidência do brega tradicional que desponta na periferia do Recife como ritmo hegemônico, com milhões de adeptos, a maioria jovens. Com o instinto político aguçado ­herdado do pai, ele viu no movimento uma forma de agregar valor à sua imagem e de se aproximar da população mais pobre, já que sempre teve bom trânsito nos espaços elitizados da sociedade.

“Conhecemos João Campos antes da primeira eleição para a prefeitura e ele apresentou um projeto que abraçava o brega. Como temos certa influência entre os artistas, montamos um time para apoiá-lo e ele fez a parte dele. Abraçou o movimento e inseriu o ritmo nos grandes palcos da cidade”, explica o designer Alexandre Vinícius, um dos criadores do perfil Brega Bregoso, que agrega produtoras musicais e de conteúdo, além de uma agência de publicidade para influenciadores da periferia. Nos quase 50 polos instalados para o carnaval deste ano, os artistas do brega estavam presentes em quase todos, inclusive no mais cobiçado, o da Praça do Marco Zero.

A atuação performática do prefeito tem despertado a reação dos poucos adversários que ele enfrenta no Recife. Líder da oposição na Câmara Municipal, o tucano Alcides Cardoso protocolou uma representação junto ao Ministério Público Eleitoral acusando João Campos de usar o carnaval para promoção pessoal e política, uma forma de campanha antecipada. Nos shows do Marco Zero, muitos artistas ovacionaram João Campos, a exemplo do cantor Thiaguinho, que o convidou para subir ao palco e dançar com ele. Cardoso também critica o valor elevado de recursos públicos destinados pela prefeitura para publicidade, mais de 86 milhões de reais em 2023, cifra bem acima da média de 50 milhões de reais de anos anteriores.

Berço. Eduardo Campos e Miguel Arraes, patriarcas do político influencer – Imagem: Acervo PSB Nacional e Alexandre Severo

“Essa velha prática das gestões do PSB de injetar rios de dinheiro na propaganda foi fortalecida com o atual prefeito”, acusa o vereador, que também denuncia um “conflito de interesses” no acordo feito pela prefeitura com a agência Hermanos, a mesma empresa que cuida das redes sociais de João Campos, “contratada pelo PSB por valores ainda não divulgados”. Segundo Cardoso, a Hermanos recebeu do município 1,3 milhão de reais em 2023.

“O fenômeno João Campos é composto de vários fatores e não podemos considerar irrelevante um aumento brusco na dotação orçamentária da prefeitura do Recife para propaganda. Além disso, ele usa suas redes pessoais para dar informações que deveriam ser divulgadas nos canais oficiais. Isso também é uma estratégia para bombar e gerar engajamento nas redes sociais”, critica o também vereador Ivan Moraes, do PSOL.

Questionado sobre a Hermanos, Sileno Guedes, presidente do PSB em Pernambuco, não soube informar o valor que o partido paga à agência para fazer a comunicação pessoal de João Campos. Tampouco vê conflito de interesses na contratação da empresa pela prefeitura. Seja como for, o trabalho tem dado resultado. Em sondagem da Paraná Pesquisas divulgada na segunda-feira 4, 81,8% dos entrevistados disseram aprovar a administração do prefeito. Se a eleição fosse hoje, no pior dos cenários, ele seria reeleito com 64,6% dos votos. No melhor, com 70,2%. “João Campos é o primeiro político local de sua geração, a chamada Geração Y, a ocupar um cargo de tanto destaque, que lhe propicie poder e visibilidade. Por isso, o uso extensivo da internet, sobretudo das redes sociais, lhe é tão natural”, analisa o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco.

A oposição cobra uma investigação dos gastos da prefeitura com publicidade

Além da reeleição, João Campos mira o governo de Pernambuco em 2026 e busca o apoio do presidente Lula. Ao definir o perfil do prefeito, traçando um paralelo com Eduardo Campos e ­Miguel ­Arraes, o cientista político Michel ­Zaidan, da UFPE, é enfático: “Ele combina um familismo amoral com empreendedorismo. Ao mesmo tempo que garante uma base de apoio na Câmara através das alianças com partidos conservadores, fomenta negócios no ambiente urbano para agradar aos empresários”.

João Campos também é acusado de ser raso, sem um projeto claro. “Nas redes sociais dele, você não encontra um parágrafo com cinco linhas de pensamento. Vai ficar sempre nessa linguagem TikTok, de dancinha? Qual é a marca dessa gestão?”, indaga um antigo colaborador de Miguel Arraes e Eduardo Campos, que viu João nascer e crescer. Já o marqueteiro Diego Brandi, que trabalhou para o pai na campanha de 2014 e para o filho em 2020, se contrapõe à análise: “As redes sociais são, por natureza, o lugar da superficialidade, da leveza. A consistência política de João está em um lado pouco visível, ele tem uma ­capacidade de articulação política incrível”.

Migração. João Campos abraçou Aécio Neves em 2014 e agora busca o apoio de Lula para se eleger governador em 2026 – Imagem: Ricardo Stuckert/PR e Redes sociais

João Campos é visto como um político de centro-direita e de práticas conservadoras. Além de apoiar Aécio Neves em 2014 e defender o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, ele é acusado de favorecer aliados e governar com a política do “toma lá, dá cá”. Dispensou a velha-guarda do PSB, que esteve ao lado do bisavô e do pai, para formar um núcleo político próprio, composto de jovens empreendedores e profissionais liberais.

“Está nascendo no Recife mais uma liderança nacional. Um menino em quem ninguém acreditava e tornou-se um gestor, uma referência. Ele ainda vai se sentar à mesa com os grandes políticos do Brasil”, aposta o vereador Rinaldo Júnior, líder o PSB e um dos poucos recebidos pelo prefeito. “João Campos elegeu-se com a desconfiança natural da população, até por conta da sua juventude, mas conseguiu rapidamente criar uma identidade com a cidade”, completa Sileno Guedes. Procurado pela reportagem, o prefeito João Campos recusou os insistentes pedidos de entrevista de CartaCapital. •

Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.

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