Política

Do ‘nunca serei preso’ ao julgamento, a longa sombra do 7 de Setembro ofusca Bolsonaro

Derrotado nas urnas, fragilizado fisicamente e em prisão domiciliar, o ex-capitão tenta preservar capital político à espera de um perdão

Do ‘nunca serei preso’ ao julgamento, a longa sombra do 7 de Setembro ofusca Bolsonaro
Do ‘nunca serei preso’ ao julgamento, a longa sombra do 7 de Setembro ofusca Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro, em prisão domiciliar, em 3 de setembro de 2025. Foto: Sergio Lima/AFP
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Em 2021, com o Brasil já ultrapassando 580 mil mortos pela Covid-19, Jair Bolsonaro transformava pela primeira vez o feriado do 7 de Setembro em laboratório de intimidação ao Supremo Tribunal Federal.

Na Avenida Paulista, diante de dezenas de milhares de apoiadores, elegeu um inimigo: Alexandre de Moraes, ministro responsável pelos inquéritos sobre fake news e milícias digitais. “Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes este presidente não mais cumprirá”, disse, num gesto de ruptura que, àquela altura, parecia impensável até mesmo para o ex-capitão. “Ele, para nós, não existe mais.”

As horas que antecederam o discurso foram dedicadas a outro alvo. Em Brasília, Bolsonaro havia pressionado Luiz Fux, então presidente do Supremo: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”.

Na capital paulista, voltou ao repertório conhecido. Reclamou do sistema de votação eletrônica, disse que só sairia da Presidência “preso, morto ou vitorioso” e acrescentou, em tom de desafio, que jamais seria preso. A bravata produziu um efeito imediato: no dia seguinte, o ex-presidente Michel Temer redigiu uma carta em nome de Bolsonaro, numa tentativa de baixar a temperatura. Temer chegou a declarar que não havia risco de radicalização. Os anos seguintes mostrariam o contrário.

Jamais concretizadas, as ameaças de ruptura soam hoje quixotescas. Mas expuseram com clareza a lógica central do golpismo bolsonarista que hoje o Supremo leva a julgamento.

Desde 2 de setembro de 2025, a Corte escrutina o papel do chamado núcleo duro da trama golpista. Na sustentação oral, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, não se ateve à semântica das bravatas. Chamou o 7 de Setembro pelo que foi: o aproveitamento calculado de uma data simbólica para semear desconfiança no sistema eleitoral e preparar terreno para a rejeição da derrota nas urnas. Em outras palavras, o mise en place do caldo golpista que transbordaria no ano seguinte.

A defesa de Jair Bolsonaro tenta tratar cada episódio como um arroubo isolado. O Ministério Público, ao contrário, busca demonstrar que compõem uma linha de continuidade rumo ao 8 de Janeiro.

Quatro anos depois, o ex-capitão encara o destino que tentou, à força, impedir. Derrotado nas urnas e em prisão domiciliar, o que em ele jurava impossível, depende de seus aliados no Congresso para tentar aprovar, a toque de caixa, uma anistia que o livre da cadeia. O julgamento deve se encerrar em 12 de setembro, com uma pena máxima que pode chegar a 43 anos. Resta-lhe tentar prolongar sua influência o bastante para ungir um sucessor em 2026.

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